Ponte para o futuro? O fim dos ministérios e o que você tem a ver com isso

Por que a extinção dos ministérios da Cultura, Comunicações, Desenvolvimento Agrário e dos Direitos Humanos pode afetar a sua vida daqui pra frente?

Palácio do Planalto, 12 de maio, Brasília. No início da noite da última quinta-feira, o vice-presidente interino Michel Temer anuncia as primeiras mudanças do governo provisório que substituirá Dilma Rousseff por, ao menos, 180 dias.

Dez horas depois da decisão do Senado, o Brasil assiste à cerimônia de posse marcada por retrocessos: sem mulheres ou negros presentes, 16 ministros condenados ou investigados por algum crime na Justiça (comum e eleitoral) e extinção de ao menos quatro ministérios de relevância social: Cultura, Desenvolvimento Agrário, Comunicações e das Mulheres, Igualdade racial e Direitos Humanos. E o que você tem a ver com isso?

Criado em 1985, na aba do processo de reabertura democrática do país, o Ministério da Cultura exerceu uma função que tornou o Brasil pós-ditadura e, até os dias atuais, referência mundial de políticas públicas culturais.

No projeto “Ponte Para o Futuro”, será a primeira vez que o que o Brasil não terá uma pasta exclusiva para a cultura desde o governo ditatorial do general Ernesto Geisel. Quem perde? Milhões de brasileiros: artistas, ativistas, movimentos, coletivos, redes, músicos, atores, cineastas e escritores.

“Se considerarmos a cultura no seu sentido mais profundo, vamos perceber que ela é mais importante para os pobres do que para as classes privilegiadas. Uma festa popular, por exemplo, tem possivelmente mais significado para aqueles que dela participam do que um grande espetáculo de ópera para uma pessoa de classe média que vai ao teatro quase por rotina”, respondeu o idealizador da pasta, Celso Furtado, em 1986, ao ser questionado se em um país que passa fome era necessário um Ministério da Cultura.

Nas redes sociais, campanha divulgada por artistas pede a volta do Ministério da Cultura, criado em 1985 por Celso Furtado

Direitos humanos: fim dos direitos dos negros e das mulheres?

A cada sete minutos, uma denúncia de violência contra mulher é registrada no Brasil. E a questão da violência pode ir além. De acordo com os últimos levantamentos feitos pela Anistia Internacional, 56 mil pessoas foram assassinadas em solo brasileiro em 2012, sendo 30 mil jovens e, entre eles, 77% negros. Todos os dias, 82 jovens são mortos no país.

Com o plano Temer, os temas referentes à antiga pasta serão debatidos pelo Ministério da Justiça e Cidadania, que terá à frente o ex-secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Alexandre de Moraes. Anunciado no fim de 2014 para a gestão do cargo estadual, Alexandre de Moraes responde a um histórico, no mínimo questionável, por suas ações: atuou como advogado de defesa da Transcooper, cooperativa acusada de fazer lavagem de dinheiro em nome da facção criminosa Primeiro Comando da Capital, o PCC.

Atuou também como advogado de defesa do ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, em um processo onde saíram vitoriosos após denúncia sobre uso de documento falso.

Alexandre de Moraes assumiu a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo em 2015: ano que ficará marcado por 17 chacinas e um total de 69 mortes (a maior chacina já registrada no estado) ,além do aumento da repressão policial frente às manifestações de estudantes secundaristas e movimentos sociais.

Retrocesso social

Em nota, o Instituto Vladimir Herzog, dedicado à memória do jornalista morto pela ditadura militar em 1975, divulgou nesta sexta-feira, 13, um texto que sinaliza o momento de cautela e tensão social. Onde os direitos civis são colocados em xeque, mesmo diante de inúmeras violações já denunciadas internacionalmente.

“O Instituto Vladimir Herzog manifesta sua grande preocupação pelo anúncio do novo Ministério do presidente em exercício, Michel Temer.

A História da democracia no Brasil é marcada por retrocessos recorrentes. Interrupções de governos eleitos, novas Constituições e estados de exceção. Nossa luta sempre foi e será pela democracia, pela liberdade e pela defesa dos Direitos Humanos.

Direitos Humanos são os direitos de todos. Nos últimos anos os governos que antecederam o que hoje assumiu entenderam a sua importância, conferindo status de Ministério para a pasta dos Direitos Humanos. O que agora assume, porém, além de não adotar a mesma postura progressista, não inclui uma única mulher na formação no novo Ministério, o que constitui ainda outro recuo inaceitável no respeito a gênero e diversidade.

Infelizmente o governo que se organiza neste momento traz um retrocesso inadmissível: o rebaixamento do status da pasta de Direitos Humanos, que ficaria sob o Ministério da Justiça.

Se isto não bastasse, assume o Ministério da Justiça o sr. Alexandre de Moraes, até agora secretário de Segurança do Estado de São Paulo.
Alexandre de Moraes notabilizou-se pela forma violenta de atuar da Polícia Militar do Estado de São Paulo, agredindo estudantes, jornalistas e todos aqueles que se manifestam com uma agenda de oposição ao governo a que ele serve.

Dados sobre a violência de São Paulo vêm sendo maquiados, como já foi denunciado por inúmeros veículos de comunicação, dificultando o enfrentamento da violência policial.

Muitos lutaram e lutam pelo respeito aos Direitos Humanos. Muitos morreram nessa luta. O Instituto Vladimir Herzog convoca a sociedade para exigir do novo governo respeito às conquistas sociais de décadas”.