Estudantes aprendem a usar máquinas antigas

Adão nunca deixou de sentir o prazer com o cheiro e o barulho de uma linotipo -ou da mão lambuzada de tinta

O professor Adão Alegre, 77, é uma espécie profissional em extinção -justamente por isso, ele é mantido num espaço que se parece com um misto de museu, laboratório e sala de aula. Ali, tenta transmitir seu conhecimento para que não desapareça. “Sinto muita saudade dos tempos em que essas máquinas funcionavam e não eram peça de museu”, conta. Apesar do saudosismo, Adão faz parte de uma experiência contemporânea de educação. Sua sala, com antigas máquinas de impressão e tipos móveis, algumas delas do começo do século passado, destaca-se entre outros espaços com algumas das impressoras mais sofisticadas, movidas por caros softwares. “Os jovens olham para mim espantados com as informações necessárias para operar uma linotipo. O mundo não tinha tanta pressa.”

Filho de imigrantes italianos, Adão começou a trabalhar numa gráfica quando era ainda menino. Tinha então 13 anos e fazia tudo: contínuo, faxineiro e, quando dava, ajudava os gráficos. “Comecei limpando banheiro.” Conseguiu uma vaga no Senai, recém-criado, para virar um gráfico -e, assim, começava a sua carreira, que, com as inovações tecnológicas, sofreria modificações. Adão não teve mais tempo nem vontade de se envolver com as novas tecnologias. Preferiu se aposentar. Até que foi chamado para descobrir máquinas antigas e fazer um museu. “Já não serviam para nada.” Não esperava que ele próprio, porém, fosse ser reciclado, entrando numa experiência de vanguarda.

Por causa da parceria com diversas empresas e doações de maquinários, a escola de artes gráficas do Senai, na zona leste de São Paulo, é considerada uma referência não só no Brasil, mas no mundo. A direção da escola decidiu que, além de saber lidar com o que existe de mais sofisticado, os alunos deveriam conhecer a evolução dos recursos gráficos -montaram, então, a sala de aula com as velhas máquinas aposentadas no Senai.

Precisavam, então, de um professor. Não era fácil. Velhos gráficos disponíveis já estavam aposentados ou não tinham habilidade ou vontade de ensinar. Adão nunca deixou de sentir o prazer com o cheiro e o barulho de uma linotipo -ou da mão lambuzada de tinta. “Falam artes gráficas porque o que fazemos é mesmo arte. Eu me sinto artista, não operário.”

Recentemente, Adão levou um susto. Teve uma doença grave e pensou que não conseguiria mais voltar a trabalhar. Voltou. Mas com a preocupação de que, se morresse, o curso talvez acabasse. Começou a formar monitores capazes de, eventualmente, substituí-lo e que seus conhecimentos perdurassem. “Quando voltei para a gráfica, me senti o Adão voltando ao paraíso.”

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