O patrimônio racista em São Paulo se mantém com o racismo afetivo

A deputada estadual Érica Malunguinho (PSOL-SP) aborda o patrimônio cultural racista brasileiro

A questão em torno do fogo ateado à estátua do escravista e assassino de indígenas Borba Gato gerou duas frentes de articulação bem notáveis: uma denunciando um crime ao patrimônio –o considerando um ato de vandalismo– e outra que se pauta na leitura da história por trás da figura homenageada, e pela falta de resposta da máquina pública à exaltação de um opressor racista.

Diante deste cenário se posta, de forma intensa e de peito aberto, a crônica mobilização em defesa do patrimônio racista brasileiro. Antes baseada em um tipo de respeito às esculturas, enquanto obras de arte, e ode a um passado ‘vitorioso’, invocando um pilar imerso na falta de conhecimento histórico, agora se proclama um evidente ato em defesa do ‘status quo’ que marginaliza as populações negras e indígenas.

 Estátua do bandeirante Borba Gato, que fez fortuna na segunda metade do século 18 ao caçar indígenas e negros pelos sertões do país para escravizá-los
Créditos: Geogast /Wikimedia Commons
 Estátua do bandeirante Borba Gato, que fez fortuna na segunda metade do século 18 ao caçar indígenas e negros pelos sertões do país para escravizá-los

Ignorando a releitura de especialistas, que de tempos em tempos atualizam os registros da história, que progride em narrativa junto à ciência, esses defensores do patrimônio racista se travestem em figuras de justiceiros ou de protetores da moral. Como venho dizendo, há também neste ‘combo’ uma leitura psicanalítica baseada no sadismo em torno da opressão e da tortura.

Um passeio pelos monumentos de São Paulo não nos deixa mentir sobre a existência de uma enorme estrutura de opressão manifestada em monumentos, e até mesmo nos equipamentos de socialização: o Monumento às Bandeiras, o Monumento a Duque de Caxias, ou mesmo a escultura “Glória aos fundadores da cidade” no coração de São Paulo, além do restaurante Senzala (Alto de Pinheiros), frequentado por pessoas que possuem razoável poder aquisitivo, que em seu nome faz alusão a um lugar de sofrimento, violência e opressão dos povos negros.

A revisão de homenagens e estátuas de escravistas nos espaços públicos, assim como a proibição de honrarias para escravocratas está em discussão no PL 404/2020**, uma proposta que sugiro ser acompanhada por uma mudança nos paradigmas culturais e educacionais. Lembro que o projeto prevê que as esculturas retiradas das vias comuns seriam alocadas em museus.

Por fim, trago à mesa uma reflexão: o quanto somos movidos pelo racismo afetivo? Como ele toma forma e nos mantém dentro de um modelo de sociedade que abafa a humanidade de negros e indígenas?

*A deputada estadual Érica Malunguinho (PSOL-SP) foi a primeira deputada transexual do país, em 2018

**A PL 404/2020 proíbe homenagens a escravocratas e a eventos históricos ligados ao exercício da prática escravista no âmbito da administração estadual direta e indireta.