O que se sabe sobre a prisão de voluntários da Brigada de Alter

Uma petição foi criada na internet em apoio ao brigadistas e em repúdio à prisão

28/11/2019 17:27 / Atualizado em 29/11/2019 18:09

Brigada de Alter atua em parceria com o Corpo de Bombeiros para combater incêndios
Brigada de Alter atua em parceria com o Corpo de Bombeiros para combater incêndios - Reprodução / Brigada de Alter

Nesta terça-feira, 26, quatro voluntários da Brigada de Alter foram presos preventivamente sob acusação de terem causado o incêndio que atingiu Alter do Chão, em Santarém, no Pará, em setembro deste ano. O fogo levou quatro dias para ser controlado e, após o ocorrido, a Polícia Civil iniciou uma operação para investigar a origem da tragédia.

Os membros da ONG se voluntariam desde 2018 para combater incêndios, junto do Corpo de Bombeiros. A investigação alegou que esses brigadistas podem ter promovido as queimadas na região para, segundo os policiais, chamar atenção e conseguir mais financiamento.

Foram presos Daniel Gutierrez, João Victor Pereira Romano, Gustavo de Almeida Fernandes e Marcelo Aron Cwerner, todos eles membros da Brigada de Incêndio de Alter do Chão. Eles negam envolvimento no crime.

A operação também apreendeu documentos da organização não-governamental Projeto Saúde e Alegria (PSA). A instituição, fundada por médicos, atua há 30 anos na floresta oferecendo ajuda e serviços de saúde para a população local.

Nas redes sociais, o irmão de João Victor Romano, um dos brigadistas presos, publicou um vídeo com um pedido de ajuda. “João mora lá há três anos. Ele deixou uma vida confortável em São Paulo para morar numa cabana, que nem parede tem, no meio da floresta. Ele tem mulher, filho. Ele voluntariamente trabalhava voluntariamente combatendo o fogo”, diz ele. Assista:

O que diz a Polícia Civil

A operação está sob coordenação da Delegacia Especializada em Conflitos Agrários de Santarém e o Núcleo de Apoio à Investigação, com apoio da Diretoria de Polícia do Interior, e foi comandada pelo delegado José Humberto de Mello Júnior.

De acordo com a Polícia Civil, uma das provas contra os brigadistas é um vídeo feito pelo grupo onde “só estão eles” e o fogo. Um outro elemento, considerado essencial para as investigações, é uma conversa que envolve supostamente um diretor de uma ONG.

No pedido de prisão, os delegados responsáveis escrevem que as interceptações telefônicas realizadas “indicavam apenas que o grupo de brigadistas estava se aproveitando da repercussão internacional tomada pelo incêndio ocorrido na APA Alter do Chão e buscava beneficiar financeiramente a ONG Instituto Aquífero Alter do Chão”.

Para a investigação, a conversa deixa perceptível a referência a “queimadas orquestradas”, “uma vez que não é possível prever, mesmo nessa época do ano, data e local onde ocorrerão os incêndios”.

Em entrevista à imprensa no dia das prisões, o delegado disse que a Brigada teria obtido financiamento de R$ 300 mil em doações, mas teria declarado apenas R$ 100 mil. A polícia informou que as doações teriam sido feitas por meio das ONGs Aquífero Alter do Chão (da qual a Brigada faz parte) e Projeto Saúde e Alegria.

José Humberto citou que o WWF-Brasil teria comprado por R$ 47 mil fotos dos incêndios feitas pelos brigadistas, que teriam sido usadas pela ONG para obter doações internacionais — como um repasse de US$ 500 mil vindo do ator Leonardo DiCaprio.

O que diz a ONG citada

O WWF-Brasil manifestou, em nota, indignação com o caso e repúdio aos “ataques a seus parceiros e às mentiras envolvendo o seu nome”. Segundo a organização, foram divulgadas informações falsas, como a suposta compra de fotos vinculada a uma doação de Leonardo DiCaprio.

“Como o WWF-Brasil já informou, não houve compra de imagens da Brigada Alter do Chão. O fornecimento de fotos por qualquer parceiro da organização é inerente à comprovação das ações realizadas, essencial à prestação de contas dos recursos recebidos e sua destinação no âmbito dos Contratos de Parceria Técnico-Financeira”, explica.

Para a instituição, há uma falta de clareza sobre as investigações. “A falta de fundamento das alegações usadas e, por consequência, as dúvidas sobre o real embasamento jurídico dos procedimentos adotados pelas autoridades contra os acusados, incluindo a entrada e coleta de documentação nas sedes das organizações Projeto Saúde e Alegria e Instituto Aquífero Alter do Chão – onde funcionava a Brigada de Alter do Chão –, são extremamente preocupantes do ponto de vista da democracia e configuram claramente medidas abusivas”, afirma a nota.

Leia aqui a íntegra do comunicado.

O que diz a Brigada de Alter

Em texto publicado nas redes sociais, a Brigada de Alter informou que pediu a revogação da prisão preventiva dos quatro brigadistas, mas teve a solicitação negada na audiência de custódia realizada nesta quarta-feira, 27. Segundo o grupo, o juiz pediu o prazo de dez dias para que a Polícia Civil pudesse evoluir na investigação que fundamentasse a prisão cautelar. A defesa vai impetrar Habear Corpus.

A instituição esclareceu informações equivocadas que têm sido divulgadas. O primeiro esclarecimento diz respeito à relação entre a Brigada Alter do Chão e o Instituto Aquífero Alter do Chão.

“A Brigada é uma iniciativa lançada em 2018 e faz parte da organização não governamental sem fins lucrativos Instituto Aquífero Alter do Chão para cooperação no combate a incêndios na região, com apoio de pessoas físicas voluntárias. Sendo uma ação mantida pelo próprio Instituto Aquífero, é equivocada a informação de que a Brigada tenha recebido doações da organização.”

Em relação aos vídeos publicados no YouTube, em que voluntários supostamente apareceriam ateando fogo em matas, a Brigada reitera que não teve acesso a tais imagens. Por desconhecer o conteúdo, o projeto desenvolveu duas hipóteses.

“Uma hipótese é de que as imagens sejam de treinamento de voluntários da Brigada, em que focos de fogo controlados são criados para exercícios práticos. Esse tipo de exercício, praxe no treinamento de combate a incêndios, é realizado pela Brigada de Alter do Chão com a participação do Corpo de Bombeiros local e com o respaldo de licenças emitidas pelos órgãos competentes”, explica.

“A outra hipótese é de que os vídeos mencionados mostrem a ação conjunta de brigadistas e bombeiros utilizando a tática conhecida como ‘fogo contra fogo’ – realizada regularmente pelo Corpo de Bombeiros no combate de incêndios. Cabe ressaltar que a Brigada de Alter do Chão aplica a tática de fogo contra fogo exclusivamente com a presença e o apoio do Corpo de Bombeiros”, completa.

O grupo mostra, ainda, que fez a declaração das doações no final do mês de setembro, portanto, o dinheiro recebido após esta data está sendo consolidado em relatório e será declarado apropriadamente.

Sobre o valor destinado pelo WWF, não trata-se de uma doação, mas sim de uma parceria firmada com o Instituto Aquífero Alter do Chão, visando a aquisição de equipamentos para a Brigada. “Conforme previsto no acordo, o Instituto Aquífero Alter do Chão prestará contas ao WWF-Brasil no dia 10 de dezembro de 2019”, reitera.

“A Brigada de Alter do Chão salienta que os advogados de defesa de seus quatro voluntários detidos na manhã do dia 26 de novembro de 2019 consideram que a prisão é irregular. Os brigadistas voluntários foram levados para presídio e tiveram seus cabelos raspados, quando, pela lei, deveriam ser detidos na delegacia e ter sua integridade mantida”, finaliza a nota.

Nota de esclarecimento (ATUALIZADA)Alter do Chão, 27 de novembro de 2019Brigada de Alter do Chão vem a público…

Posted by Brigada De Alter on Wednesday, November 27, 2019

O que diz o MPF

Em nota, o Ministério Público Federal (MPF) em Santarém afirmou que grileiros, e não brigadistas, são culpados pelos incêndios florestais na área de proteção ambiental em Alter do Chão.

“Por se tratar de um dos balneários mais famosos do país, a região é objeto de cobiça das indústrias turística e imobiliária e sofre pressão de invasores de terras públicas.”, diz o comunicado.

Segundo o MPF, foi enviado um ofício à Polícia Civil do Pará requisitando o acesso integral ao inquérito que acusa os voluntários.

“Desde setembro, já estava em andamento na Polícia Federal um inquérito com o mesmo tema.  Na investigação federal, nenhum elemento apontava para a participação de brigadistas ou organizações da sociedade civil. Ao contrário, a linha das investigações federais, que vem sendo seguida desde 2015, aponta para o assédio de grileiros, ocupação desordenada e para a especulação imobiliária como causas da degradação ambiental em Alter”, completa.