Oito anos depois, mulheres ainda lutam para fazer valer Maria da Penha
Iniciativas utilizam tecnologias variadas, criatividade e conversa para combater a violência doméstica, ainda presente em muitos lares do país
Oito anos depois que a Lei Maria da Penha foi sancionada, a luta contra a violência doméstica ainda é travada todos os dias no Brasil. Segundo dados do Senado, 13,5 milhões de brasileiras já sofreram algum tipo de agressão – o que equivale a 19% da população feminina com 16 anos ou mais. Destas, 31% ainda convivem com o agressor. E pior: das que convivem com o agressor, 14% ainda sofrem algum tipo de violência. Ou seja, pelo menos 700 mil brasileiras continuam sendo alvo de agressões.
Mas algumas iniciativas tentam diminuir esses números. Seja utilizando tecnologia complexa, seja disseminando soluções práticas, as próprias mulheres se unem para preencher as lacunas deixadas pela lei. Uma delas é um aplicativo. A outra é um apitaço. O objetivo é o mesmo: denunciar os agressores no momento da agressão.
Ação imediata via rede
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O projeto do aplicativo, criado pelo Geledés Instituto da Mulher Negra e chamado de “PLP 2.0”, pretende criar um mecanismo semelhante a um “botão de pânico”. Assim, o programa acionaria diretamente as redes de atendimento necessárias – outras mulheres e órgãos de proteção – para que ações passem a ser tomadas de forma mais rápida.
A coordenadora executiva do Geledés, Sueli Carneiro, explica que “o objetivo do projeto é conectar as mulheres que já foram vítimas de algum tipo de violência à ONGs e órgãos governamentais de apoio e repressão”. E que isso pode contribuir muito para a redução dos casos, já que a reincidência ocorre em quase 60% deles.
A ONG foi uma das ganhadoras do “Desafio de Impacto Social” promovido pela Google. A intenção é que o R$ 1 milhão recebido na premiação seja investido no desenvolvimento do aplicativo e no fortalecimento das redes de apoio.
Na conversa e no barulho
Foi na base do improviso que um sistema semelhante se desenvolveu em Osasco, na zona oeste da região metropolitana de São Paulo. Lá fica a Ocupação Esperança, onde vivem mil e duzentas famílias. E onde não há nenhum caso de agressão.
Cerca de dez meses atrás, as mulheres da ocupação começaram a usar apitos para denunciar os casos de violência. “Nós reunimos todas as mulheres para explicar a questão e distribuir os apitos”, conta Luciane Maria de Souza, que mora na Ocupação. “Elas deixam eles no barraco em um lugar bem fácil de pegar e, se sofrem ou ouvem alguma coisa, começam a apitar. Não tem como esconder, todo mundo procura o barulho.”
O resultado tem sido mais positivo do que o esperado. “Nós vamos à casa do homem que é pego agredindo, sentamos com ele e explicamos que aquilo não pode acontecer, que os filhos dele não podem crescer vendo a agressão dentro de casa”, explica Luciane. “Se, mesmo assim, ele agredir outra vez, é expulso da ocupação. Mas felizmente não precisamos expulsar ninguém até hoje. E não temos mais casos de agressão.”
A própria Luciane sofreu com o problema. Agredida com frequência pelo ex-marido, que é alcoólatra, a mulher de 34 anos teve que sair de casa para criar a filha em um ambiente sem violência. E isso a fez não confiar muito na lei.
“Eu fiz Boletim de Ocorrência, fui à Delegacia da Mulher e mesmo assim não fui protegida”, diz. “Eu tinha medo de contar para alguém, assim como as mulheres da ocupação têm também. Mas nós começamos a conversar, nos reunir, e aprendemos que isso não é normal. E os homens daqui também estão aprendendo.”