Os relatos de 10 moradores do ES apavorados com a greve da PM

Espírito Santo enfrenta dias caóticos com greve da Polícia Militar

Desde a última sexta-feira, 3, o Espírito Santo vive um verdadeiro caos por conta da greve da Polícia Militar. O estado que muitas vezes passa desapercebido nos noticiários ganhou os holofotes de todo o país.

Fotos e vídeos estão circulando pelas redes sociais e pelo WhatsApp, dando indícios de que a barbárie está à solta no estado. Mas, antes de confiar nas imagens que chegam às nossas telinhas, é necessário saber dos moradores do Espírito Santo o que eles estão vivenciando por lá.

O Catraca Livre conversou com 10 pessoas que residem no estado. Os relatos são preocupantes:

  • Thays Nolasco, 25 anos, empresária
    “O sentimento de medo e de encarceramento é o que define esses dias, um simples ato de ir a padaria, lanchonete, academia foram deixados de lado com medo de não voltar vivo para casa. Comércio sendo saqueado na madrugada, a quantidade de homicídios é enorme, e infelizmente tive a notícia que o filho de um morador do meu prédio essa noite foi assassinado, sendo mais um a somar nos números que não param de crescer. Creio que todos têm direitos de reivindicar melhores salários e melhores condições de trabalho. Mas simplesmente deixar a população de um estado inteiro a mercê do comando de facções, não creio que seja uma atitude correta por parte dos PMs, além disto essa greve é inconstitucional. Eu apoio que lutem por seus interesses já que o salários são baixos, as condições de trabalhos deploráveis e a falta de efetivo sobrecarrega aos demais. Mas não concordo com a forma que essa greve está sendo conduzida, afinal quem pagará pelo prejuízo de comerciantes que tiveram suas lojas saqueadas, aos que não abriram por medo, as pessoas que tiveram seus bens roubados e pelas vidas que não voltam mais. Creio que com essa atitude a PM deixou de ter apoio da população, o que seria um grande aliado a eles em suas reivindicações”.

  • Lais Lorenzoni, 26 anos, jornalista e fotógrafa
    “A PM não pode fazer greve, é previsto por lei. Então o que eles fizeram? Pediram às suas famílias que interviessem. As famílias foram para os locais de trabalho deles e impediram que eles saíssem para trabalhar. Os PMs fizeram a greve por conta dos estabelecimentos em péssimas condições de trabalho e pedem aumento do salário. Porém, com a greve deles, tem muita gente roubando e matando loucamente. Está um caos, ninguém sai de casa, eu não dormi essa noite com medo de alguém invadir minha casa. Eles estão andando em grupos grandes de moto e armados, com armas enormes, e parando carros em sinais. Em cada moto vai um motorista e um carona, o carona rouba o carro e o motorista da moto continua. Mataram um cara há poucas ruas da minha casa com um tiro no peito e ele ficou horas decompondo no sol. Estamos todos com medo porque ontem entravam bandidos nos restaurantes para roubar, atiraram em clientes. O Estado parou hoje, as escolas estão fechadas, faculdades, supermercados, restaurantes. Parece feriado”.

  • Kliffton Viana, 26 anos, advogado
    “Desde ontem o clima de caos se instaurou. Desci para ajudar minha mãe a fechar o bar e já ali comecei a ver movimentação de pessoas estranhas/suspeitas. Uns 10 meninos de bicicleta e dois de moto se reunindo na saída da alça da Ponte provavelmente para já conspirar algo. Padarias e farmácias próximas assaltadas em Itapoã (bairro de Vila Velha). Fechamos o bar e fui para casa e aí tomei a real dimensão do que estava ocorrendo, porque estava sem o celular até então. Recebi vários vídeos. Lama (rua famosa em Vitória) com arrastão, assaltos em Jardim Camburi (bairro de Vitória), abordagens de pessoas na rua. Por um momento pensei que fosse apelação do pessoal no Whatsapp. Mas, não. Realmente estava ocorrendo tudo aquilo. O Tribunal de Justiça suspendeu prazos e audiências. O Ministério Público e defensoria estão sem expediente. Escolas fechadas. Um sentimento de anarquia, é o que eu poderia desabafar. Versões do secretário de segurança pública de forma tranquila e pomposa quando não é a realidade. E o povo no dilema entre o que sentem sobre esse movimento paredista que já foi declarado ilegal. Esperamos que hoje à noite ou amanhã as coisas se regularizem. Porque ninguém quer sair de casa assim. Sentimento de prisão domiciliar”.

  • Annie Caiado, 25 anos, advogada
    “Passamos por uma noite de terror, literalmente. Vou te falar o que eu presenciei, sem essas fofocas de grupo. Ontem, na parte da tarde, as ruas já estavam vazias, todo mundo com medo de sair, realmente. Quando voltei da casa do meu pai, parecia uma cidade fantasma, era 16h e ninguém parava em sinal mais. Enfim, mais à noite, estávamos em casa assistindo ao Super Bowl – eu, minha irmã e uma prima -, quando escutamos muito barulho na rua. Vários moradores dos prédios vizinhos foram pra varanda e começaram a gritar. Tinha um grupo assaltando, ainda tinham algumas pessoas na rua, foi uma correria, era carro entrando na Avenida Hugo Musso (em Vila Velha) na contramão, virou, literalmente, cidade sem lei. A cena foi um horror. Fechamos tudo dentro de casa, e mesmo assim, morrendo de medo. Em alguns prédios os porteiros estão indo trabalhar armados. A única palavra é caos! Uma conhecida foi levar o filho na creche hoje cedo e foi assaltada, e ainda bateram nela. Relatos de arrastões, assaltos não param de chegar. Até a rua da Lama sofreu com isso. Um amigo meu que é dono de restaurante japonês em Jardim Camburi disse que fechou rápido o restaurante e dispensou os funcionários porque estava passando motoqueiro sem placa o tempo todo”.

  • Priscilla Couto, 25 anos, assessora jurídica
    “Até ontem à noite não tinha entendido muito bem o que estava acontecendo. Fui ao cinema em Vitória e assisti a dois filmes seguidos. Quando saí de lá, uma das entradas já estava fechada e não entendi muito bem o porquê. Seguindo de carro pela Rua da Lama (em Vitória), percebi que os clientes dos restaurantes e bares dali estavam correndo para dentro dos estabelecimentos e que os funcionários tentavam conter as portas que já tinham conseguido fechar. Foi quando entendi o que estava acontecendo e comecei a perceber que os carros não estavam respeitando os sinais de trânsito, estava todo mundo com pressa de sair dali. No caminho para Vila Velha, muitos carros em alta velocidade e com o pisca alerta ligado. Somente quando cheguei na Terceira Ponte (ponte que liga Vitória a Vila Velha) me senti segura, porque imaginei que ali em cima era improvável que algum assalto ou algo do tipo acontecesse. Já em Vila Velha, as coisas pareciam mais tranquilas… em todo o caminho avistei apenas dois Guardas Municipais. Isso tudo ocorreu por volta das 21h. Meu namorado me deixou na porta de casa e foi embora com pressa, porque o movimento nas ruas estava diferente. Já por volta das 23h houve um disparo aqui próximo à minha casa, mas não tive notícias de maiores ocorrências. Hoje pela manhã pude ter melhor noção do que aconteceu, lendo notícias e relatos de amigos. Houve arrastão na Rua da Lama, diversos assaltos pelos Municípios da Grande Vitória, principalmente na Serra, local que parece ter sido o mais atingido até agora. Lojas saqueadas, carros roubados e furtados, pedestres assaltados. Vários bairros tiveram o famoso “toque de recolher”, tanto em Vila Velha, quanto na Serra e Cariacica. Recebi também a notícia, com imagens, de quatro mortes próximo à Rodovia do Sol; os corpos foram achados hoje pela manhã. Fecharam a rua que dá acesso ao meu bairro, o que me deixou com medo de ir trabalhar, por isso decidi ficar em casa. Outro fator determinante foi o fato de ter que passar por bairros conhecidos pela violência e por trechos da BR 262 que cortam bairros também desse tipo, tanto em Cariacica, quanto em Viana, onde trabalho”.

  • Felipe Costa, 26 anos, bartender
    “Pela rua não vi nenhum caso que eu possa dizer que ameaçou minha segurança, mas o clima de caos se instaurou pela cidade. Eu trabalho em um restaurante à noite e por questões de segurança os empresários estão fechando os estabelecimentos. A todo momento vejo pela internet compartilhamentos de supostas notícias de crimes. A verdade é que uma onda de boatos e falsas notícias tem comprometido a veracidade das informações, junto a isso temos uma imprensa local omissa e chapa branca que faz um noticiário seletivo. O sentimento mesmo é de revolta por já ter feito parte de muitos movimentos e ter sofrido diversas repressões violentas por parte da polícia quando estava lutando por direitos, assim como eles agora”.

  • Emanuelle Carneiro, bióloga, 25 anos
    “Todos os comerciantes estão com medo. As lojas estão fechadas e as que não fecharam estão encerrando o expediente mais cedo. E já ocorreram algumas mortes no Shopping Boulevard, em Itaparica (bairro de Vila Velha). No bairro onde eu moro numa rua aqui de trás mataram uma pessoa, também. A situação está caótica”.

  • F., publicitária, 32 anos
    “Tenho recebido vários vídeos e informações de grupos no Whatsapp. A sensação é de insegurança total. A cidade está vazia, não tem ninguém trabalhando, sem aula nas escolas e bancos parados. Só os órgãos estaduais estão trabalhando, porque o Governo quer mostrar que está tudo ‘normal’. Apesar de morar num bairro tranquilo, eu estou com medo sim. Ontem teve a informação de que mataram um cara perto lá de casa e teve arrastão e fecharam a avenida Norte Sul (em Vitória). A população está em pânico. E na verdade os PMs estão usando as famílias deles para fecharem os quartéis, porque pela lei PM não pode fazer greve. A população fica refém disso tudo, porque não dá pra saber se todas as informações que são compartilhadas são verdadeiras ou não”.

  • Flávia Girundi Martins, 25 anos, arquiteta
    “Eu fiquei sabendo da greve ontem, mas até então não tinha alterado nada no meu dia. Hoje de manhã já recebi e-mail cancelando aula de dois cursos que estou fazendo e preferi realmente ficar em casa. As escolas e as unidades de saúde cancelaram serviço e a maioria dos comércios também está fechada. Pelo que vejo aqui da minha varanda a rua está muito deserta e aqui costuma ser bem movimentado. Tirando a falta de movimento ainda não vi nada de atípico aqui perto de casa, o que fiquei sabendo foi pela Internet e por alguns conhecidos. Não dá pra saber se todas essas histórias de arrastão, assaltos e até homicídios são verdadeiras, mas de qualquer forma dá muito medo”.

  • Katia dos Anjos, 48 anos, funcionária pública
    “Tá muito feia a coisa aqui. São poucos os ônibus circulando (menos do que nas greves deles) e irão parar às 16h. 90% do comércio nas ruas estão fechados. Escolas cancelaram as aulas. Prefeitura e concessionárias fechadas. PA só para emergências. Dizem que 51 mortes desde sábado. Arrastão em shopping.

Saiba mais sobre estado caótico que se instaurou no Espírito Santo