Papel de mãe e de pai: especialistas e pais falam sobre o assunto

24/03/2017 20:37

Gerar uma pequena criatura, que é totalmente dependente e não consegue expressar seus medos e desconfortos, é um enorme desafio. E surgem muitas dúvidas não só com relação aos cuidados, como também no que diz respeito à figura do cuidador.

Há anos, especialistas de diversas áreas do saber têm pesquisado como mães e pais interagem com as crianças e quais são os impactos desses papéis. O psicanalista inglês Donald Winnicott investigou essas funções e colocou a mãe como o primeiro ambiente tanto biológico quanto psicológico do bebê. Assim, a maneira como ela se comporta sempre exerce uma grande influência sobre a saúde da criança.

Esse vínculo profundo, de acordo com Eleanor Luzes, psiquiatra e analista junguiana que divulga a Ciência do Início da Vida, se estabelece no útero: “Com cinco semanas de gestação, o bebê começa a desenvolver a sensibilidade olfativa, gustativa e tátil. A mãe é o mundo sensorial dele”. Além disso, se na barriga da mãe o bebê é alimentado por seu sangue, quando sai, é o leite materno que carrega os nutrientes.

Para alguns especialistas, pai e mãe têm papéis diferentes
Para alguns especialistas, pai e mãe têm papéis diferentes

A mãe, como Winnicott afirmava, ainda tem a função de espelho: o bebê busca a si mesmo na face materna. Até o reconhecimento das próprias sensações é feito por meio dela. “Antes de um ano, a criança não localiza a dor que sente. Quando se machuca, procura a mãe. O olhar dela, que é localizado, ajuda a criança a identificar a dor”, diz Eleanor.

De acordo com a especialista, o bebê tem seis estados de consciência, mas somente em um, o alerta ativo, o pai consegue interagir mais com o filho. Seria a partir do segundo ano que a figura paterna passaria a ganhar mais importância na vida da criança: “O pai tem a missão de levar o filho simbolicamente para longe da mãe, por meio da bicicleta e do velocípede, passando uma segurança do mundo para o bebê”.

Para ela, essa segurança é fundamental para a constituição da criança como sujeito: “Se a mãe for com a criança a um parque, tenderá a pedir para que ela não faça isso ou aquilo. O pai estimula a criança a fazer o que a mãe tomaria como risco, o que colabora para o aumento de sua segurança”.

Papéis de gênero

De acordo com a psicanalista Vera Iaconelli na série de vídeos “Psicanalistas e suas análises”, para que faça a transição de mamífero para sujeito humano, o bebê precisa de alguém que lhe forneça uma nomeação de mundo e um espaço em que ele se sinta desejado – e isso não tem relação direta com o sexo nem com os papéis de gênero.

“A criança vai se reconhecer como um sujeito digno, inserido no grupo, se esses pais forem reconhecidos como pais. A criança herda esse lugar. Não tem nada a ver com a função que esses pais têm que ter perante a criança”, fala.

Não há unanimidade quanto aos papéis dos pais
Não há unanimidade quanto aos papéis dos pais

Na prática

Para Adriano de Luca, pai do João, de quatr anos, existe uma generalização grande quando se fala em papel de pai e de mãe. “Do jeito como a sociedade é configurada e por conta do machismo, existe um papel imposto para o pai e para a mãe que as pessoas repetem. Percebo que a única função exclusiva é gestar e amamentar, que só a mulher pode fazer”, diz.

Quando o filho brinca em um pula-pula, por exemplo, Adriano conta que costuma ficar mais receoso que a esposa, Marcella Chartier. Os dois se revezam nos cuidados com o filho e em todas as funções envolvidas – a alimentação, o banho, a educação e as responsabilidades gerais.

“Como em qualquer parceria, tem papéis e acordos, e eles podem surgir como funciona melhor para as pessoas envolvidas. A maternidade e a paternidade são uma sociedade em que os papéis podem inclusive rotacionar”, fala Marcella. Para ilustrar, ela diz que o pai acolhe melhor o filho em momentos em que ele se machuca.

Casais se revezam nos cuidados
Casais se revezam nos cuidados

O casal conta também que os dois sempre gostaram de mostrar o mundo à criança. “Fazer um bolo ou plantar uma sementinha são jeitos de mostrar o mundo e nós dois fazemos com nosso filho”, comenta Adriano.

Marcella opina: “Acho que a gente precisa desconstruir a ideia de que a mãe tem um papel e o pai tem outro e que isso não é remanejável. Hoje temos o desafio de criar meninos e meninas que consigam perceber que podem fazer tudo e que isso não tem a ver com papel de gênero, o cuidado não é necessariamente feminino”.

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