Para evitar rompimento, noção de risco deve mudar, diz engenheiro
De acordo com ele, situação das barragens é complexa e legislação deveria ser revista para que tragédias fossem evitadas
As tragédias de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, colocaram em destaque uma grande preocupação em relação à situação das barragens no Brasil. Atualmente, de acordo com informações da Agência Nacional de Águas (ANA), existem mais de 24 mil delas dedicadas a diferentes finalidades, como acúmulo de água, geração de energia e mais. Muitas em situação de alto risco.
Para Júlio César da Silva, engenheiro civil e geotécnico, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e secretário-executivo da Associação Brasileira de Pesquisa Científica, Tecnológica e Inovação em Redução de Riscos e Desastres (ABP-RRD), mudanças são necessárias para que tragédias como essas não voltem a se repetir. A começar pela forma como as barragens são classificadas.
“Acho que eles [os órgãos responsáveis pela classificação] usam um conceito errado de risco. Falam que o risco é baixo e o dano é alto. O conceito certo é de perigo e vulnerabilidade”, explica o engenheiro.
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Atualmente, existem duas categorias para avaliar essas estruturas. Uma diz respeito à integridade das barragens. A outra, ao potencial de dano caso um acidente ou rompimento aconteça.
Brumadinho era classificada como uma mina de risco baixo, mas de dano potencial associado alto. Isso porque foi construída na década de 70 e estava inativa e sem receber rejeitos desde 2015. A ausência de acidentes fez com que fosse vista como segura.
“Geralmente, existe um perigo baixo, mas isso não quer dizer ausência de risco”, destaca Silva. Para ele, a presença de instalações da mineradora Vale, responsável pela mina, logo abaixo da barragem representava um erro de planejamento e não deveria ter sido autorizada, pois agravou a situação. “A empresa construiu um refeitório embaixo da barragem. Quer dizer, a própria planta de exploração estava ruim. O refeitório não poderia ser feito naquela região”, completa.
Mariana e Brumadinho
Se comparado com o rompimento da barragem de Mariana, em 2015, o de Brumadinho deveria ter tido impactos graves, porém, menores. O volume da mina de Fundão, da mineradora Samarco, era quase quatro vezes superior. No entanto, a presença de áreas habitadas fez com que o número de vidas perdidas representasse uma tragédia muito maior. Até o momento, 115 mortes foram confirmadas e 248 pessoas seguem desaparecidas.
Em função disso, o engenheiro civil e geotécnico defende o uso de outra fórmula para calcular o risco, a partir do perigo e da vulnerabilidade. Ou seja, o perigo está ligado à estrutura da barragem e à vulnerabilidade, ao seu entorno, o que resultaria em uma escala mais eficiente, segundo ele, de risco.
A Agência Nacional de Mineração indica a existência de 839 barragens de rejeitos no Brasil. Desse total, 249 estão em condições similares à de Brumadinho, o que aciona o sinal vermelho sobre novos perigos de rompimento.
Barragens a montante
Também vale destacar que os acidentes registrados em 2015 e 2019 contavam com a mesma estrutura de construção. O método é denominado como a montante e é comum no Brasil por ser rápido de executar e financeiramente mais barato.
A barragem é desenhada para ser ampliada em formato piramidal conforme for alcançando o seu limite. E os próprios resíduos de mineração podem ser utilizados nesse processo. No entanto, Silva destaca que o risco de ruptura nesse sistema é maior e demanda um monitoramento constante.
“Fica um dique em cima do outro, e a barragem vai crescendo. Você tem que monitorar muito mais. Eles assumem um risco maior para usar essa técnica”, explica o engenheiro.
Além disso, ele também pontua que a técnica, muitas vezes, demanda que as construções sejam feitas em espaços altos na bacia de um rio. “Quase todas são construídas a montante da bacia. Quer dizer, no início da bacia e na parte mais alta. Então, quando ela rompe, atravessa a bacia inteira.”
Diante do que aconteceu, Fabio Schvartsman, presidente da Vale, anunciou que irá desativar e eliminar todas as suas barragens a montante. As 10 estão localizadas no estado mineiro. O processo de descomissionamento deve ocorrer ao longo dos próximos 3 anos.
Economia local
Outra questão complexa apontada pelo engenheiro civil e geotécnico é achar soluções eficientes para mitigar esses riscos sem afetar a economia local, porque muitas comunidades são sustentadas pela mineração. “Tem muita gente assumindo o risco por uma questão de desenvolvimento econômico”, diz, sobre moradores que vivem nas proximidades das minas.
Segundo o relatório da ANA, só em Minas Gerais, existem quase 600 barragens, sendo que 357 são de rejeitos de minério. Acabar com a atuação desse setor seria um impacto grande em termos de emprego, ele destaca. O ideal seria pensar em novos modelos de atuação para uma questão tão multifacetada e complexa como essa, priorizando que essas tragédias não voltem a acontecer.
Políticas de segurança
Além disso, Júlio César da Silva aponta a necessidade de rever a legislação de segurança. A Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB) foi criada em 2010 e, por ser recente, muitas minas antigas não se enquadram nas exigências.
A Agência de Mineração destaca que, das 839 barragens de rejeitos do país, apenas 449 seguem os padrões exigidos pela lei de mitigação de acidentes e rompimentos. Ou seja, 390 estão fora do controle, representando mais uma preocupação para cidades, estados e pessoas que vivem no entorno desses espaços.
“A gente tem que pensar em uma adequação para a questão da barragem de rejeito, principalmente para as que já estão prontas. Na verdade, elas não conseguem se adequar porque já existiam. A de Brumadinho era da década de 70, ou seja, tem mais de 40 anos. Mariana tinha quase 20 anos”, explica o engenheiro.
O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, também destacou a importância de rever a legislação para evitar que outros acidentes aconteçam. “Nós vamos começar a olhar a Política Nacional de Segurança de Barragens, vendo as falhas que ela tem para tentar corrigi-las”, disse o general em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo.
Ele se reuniu com ministros no início da semana para discutir a PNSB e, entre as ações adotadas até o momento, o governo recomendou a fiscalização imediata de todas as barragens.