Para evitar rompimento, noção de risco deve mudar, diz engenheiro

De acordo com ele, situação das barragens é complexa e legislação deveria ser revista para que tragédias fossem evitadas

Bombeiros trabalham incansavelmente na busca de desaparecidos na lama de rejeitos em Brumadinho, Minas Gerais.
Créditos: Fabio Mendes Teixeira
Bombeiros trabalham incansavelmente na busca de desaparecidos na lama de rejeitos em Brumadinho, Minas Gerais.

As tragédias de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, colocaram em destaque uma grande preocupação em relação à situação das barragens no Brasil. Atualmente, de acordo com informações da Agência Nacional de Águas (ANA), existem mais de 24 mil delas dedicadas a diferentes finalidades, como acúmulo de água, geração de energia e mais. Muitas em situação de alto risco.

Para Júlio César da Silva, engenheiro civil e geotécnico, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e secretário-executivo da Associação Brasileira de Pesquisa Científica, Tecnológica e Inovação em Redução de Riscos e Desastres (ABP-RRD), mudanças são necessárias para que tragédias como essas não voltem a se repetir. A começar pela forma como as barragens são classificadas.

“Acho que eles [os órgãos responsáveis pela classificação] usam um conceito errado de risco. Falam que o risco é baixo e o dano é alto. O conceito certo é de perigo e vulnerabilidade”, explica o engenheiro.

Atualmente, existem duas categorias para avaliar essas estruturas. Uma diz respeito à integridade das barragens. A outra, ao potencial de dano caso um acidente ou rompimento aconteça.

Onda de rejeitos levou casas e estruturas da mineradora Vale, responsável pela mina. Funcionários e moradores continuam desaparecidos.
Créditos: Wagner Ribeiro
Onda de rejeitos levou casas e estruturas da mineradora Vale, responsável pela mina. Funcionários e moradores continuam desaparecidos.

Brumadinho era classificada como uma mina de risco baixo, mas de dano potencial associado alto. Isso porque foi construída na década de 70 e estava inativa e sem receber rejeitos desde 2015. A ausência de acidentes fez com que fosse vista como segura.

“Geralmente, existe um perigo baixo, mas isso não quer dizer ausência de  risco”, destaca Silva. Para ele, a presença de instalações da mineradora Vale, responsável pela mina, logo abaixo da barragem representava um erro de planejamento e não deveria ter sido autorizada, pois agravou a situação. “A  empresa construiu um refeitório embaixo da barragem. Quer dizer, a própria planta de exploração estava ruim. O refeitório não poderia ser feito naquela região”, completa.

Mariana e Brumadinho

Se comparado com o rompimento da barragem de Mariana, em 2015, o de Brumadinho deveria ter tido impactos graves, porém, menores. O volume da mina de Fundão, da mineradora Samarco, era quase quatro vezes superior. No entanto, a presença de áreas habitadas fez com que o número de vidas perdidas representasse uma tragédia muito maior. Até o momento, 115 mortes foram confirmadas e 248 pessoas seguem desaparecidas.

Em função disso, o engenheiro civil e geotécnico defende o uso de outra fórmula para calcular o risco, a partir do perigo e da vulnerabilidade. Ou seja, o perigo está ligado à estrutura da barragem e à vulnerabilidade, ao seu entorno, o que resultaria em uma escala mais eficiente, segundo ele, de risco.

A Agência Nacional de Mineração indica a existência de 839 barragens de rejeitos no Brasil. Desse total, 249 estão em condições similares à de Brumadinho, o que aciona o sinal vermelho sobre novos perigos de rompimento.

Barragens a montante

Também vale destacar que os acidentes registrados em 2015 e 2019 contavam com a mesma estrutura de construção. O método é denominado como a montante e é comum no Brasil por ser rápido de executar e financeiramente mais barato.

A barragem é desenhada para ser ampliada em formato piramidal conforme for alcançando o seu limite. E os próprios resíduos de mineração podem ser utilizados nesse processo. No entanto, Silva destaca que o risco de ruptura nesse sistema é maior e demanda um monitoramento constante.

“Fica um dique em cima do outro, e a barragem vai crescendo. Você tem que monitorar muito mais. Eles assumem um risco maior para usar essa técnica”, explica o engenheiro.

Além disso, ele também pontua que a técnica, muitas vezes, demanda que as construções sejam feitas em espaços altos na bacia de um rio.  “Quase todas são construídas a montante da bacia. Quer dizer, no início da bacia e na parte mais alta. Então, quando ela rompe, atravessa a bacia inteira.”

Diante do que aconteceu, Fabio Schvartsman, presidente da Vale, anunciou que irá desativar e eliminar todas as suas barragens a montante. As 10 estão localizadas no estado mineiro. O processo de descomissionamento deve ocorrer ao longo dos próximos 3 anos.

Economia local

Outra questão complexa apontada pelo engenheiro civil e geotécnico é achar soluções eficientes para mitigar esses riscos sem afetar a economia local, porque muitas comunidades são sustentadas pela mineração. “Tem muita gente assumindo o risco por uma questão de desenvolvimento econômico”, diz, sobre moradores que vivem nas proximidades das minas.

Segundo o relatório da ANA, só em Minas Gerais, existem quase 600 barragens, sendo que 357 são de rejeitos de minério. Acabar com a atuação desse setor seria um impacto grande em termos de emprego, ele destaca. O ideal seria pensar em novos modelos de atuação para uma questão tão multifacetada e complexa como essa, priorizando que essas tragédias  não voltem a acontecer.

Políticas de segurança

Além disso, Júlio César da Silva aponta a necessidade de rever a legislação de segurança. A Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB) foi criada em 2010 e, por ser recente, muitas minas antigas não se enquadram nas exigências.

A Agência de Mineração destaca que, das 839 barragens de rejeitos do país, apenas 449 seguem os padrões exigidos pela lei de mitigação de acidentes e rompimentos. Ou seja, 390 estão fora do controle, representando mais uma preocupação para cidades, estados e pessoas que vivem no entorno desses espaços.

“A gente tem que pensar em uma adequação para a questão da barragem de rejeito, principalmente para as que já estão prontas. Na verdade, elas não conseguem se adequar porque já existiam. A de Brumadinho era da década de 70, ou seja, tem mais de 40 anos. Mariana tinha quase 20 anos”, explica o engenheiro.

Rastro da onda de rejeitos da mina do Córrego do Feijão em Brumadinho, Minas Gerais
Créditos: Wagner Ribeiro
Rastro da onda de rejeitos da mina do Córrego do Feijão em Brumadinho, Minas Gerais

O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, também destacou a importância de rever a legislação para evitar que outros acidentes aconteçam. “Nós vamos começar a olhar a Política Nacional de Segurança de Barragens, vendo as falhas que ela tem para tentar corrigi-las”, disse o general em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo.

Ele se reuniu com ministros no início da semana para discutir a PNSB e, entre as ações adotadas até o momento, o governo recomendou a fiscalização imediata de todas as barragens.