Parteira reforma barco para atender grávidas na Amazônia

Parteira há 40 anos, Sueli de Freitas Silva, de 61, resolveu trocar a vida que levava para investir num sonho e ajudar mulheres em comunidades ribeirinhas da Amazônia. Assim, ela comunicou amigos e familiares que venderia seu apartamento à beira mar na cidade de Paulista, Pernambuco, para então comprar um barco e seguir para o norte do país colocando crianças no mundo.

Há sete meses Sueli vendeu o imóvel, no valor de R$ 160 mil, e vem percorrendo a Amazônia ajudando mulheres a darem à luz. A primeira parada foi na cidade de Boca do Acre – lá, comprou um barco e o adaptou para poder morar dentro da embarcação.

Sueli, parteira há 40 anos, decidiu vender o apartamento onde morava e embarcar, literalmente, num sonho. Hoje ela percorre a Amazônia ajudando mulheres a darem à luz.

“Decidi que não podia mais esperar para que o meu sonho se realizasse. Eu quero histórias, quero viver. Penso que cada um de nós nasceu com um talento e uma missão. Sinto que a minha é essa, é aqui nesse espaço contribuindo com as mulheres gestantes. Eu dou o meu melhor, sinto que é isso que me faz melhor como ser humano, é onde posso dar o melhor de mim”, contou a parteira em depoimento publicado pelo G1.

O investimento inicial para adquirir o barco foi de R$ 10 mil, além dos custos para adaptá-lo de forma que se transformasse em sua moradia. Depois de finalizado, Sueli batizou o novo lar de “Catadora de Luz” e foi para Rio Branco, onde está atualmente – para chegar até lá, contratou um condutor para guiar a embarcação e comprou combustível, que ela mesmo colocava no motor durante os dias de viagem.

Sueli é uma lição de solidariedade e bondade, tem o espírito transformador e sente prazer em servir: “Não posso fazer a diferença no mundo inteiro, mas com esse projeto sinto que posso fazer a diferença na vida das mulheres que eu atender e do bebê delas. Tenho um olhar simbólico para o que estou vivendo. Recebi um chamado e vim morar aqui. É como se fosse uma iniciação. Saí da vida confortável e vim para essa vida nova e maravilhosa, me sinto viva”, completa.

  • Tecendo Sinergia para o Bem Nascer

Ela não para por aí. O projeto, que ela nomeou de “Tecendo Sinergia para o Bem Nascer”, tem ambições significativas: com ele, Sueli pretende criar uma espécie de rede de cooperação nas unidades de saúde para garantir que os direitos das gestantes e das crianças sejam cumpridos desde o início da gravidez até o parto.

Para garantir acolhimento aos bebês que coloca no mundo, Sueli quer estender as atividades do projeto. A ideia é promover debates sobre a humanização do parto, criação de rodas de conversa com gestantes, elaboração de plano de parto, cursos de reciclagem para profissionais da saúde, conscientização sobre o parto normal, curso de formação de doulas entre outros.

Catadora de Luz foi o nome que Sueli deu à sua embarcação que, além de ser sua moradia, virou também um instrumento de trabalho – com ele, a parteira percorre os rios da Amazônia colocando crianças no mundo.

Sueli planeja incluir o projeto nas redes de saúde de Rio Branco e do Acre. A pretensão é que Estado e Município a auxiliem a executar o plano. “Para se deslocar com esse barco, tenho muitos gastos. Se não tiver um projeto para que haja esse tipo de cooperação e integrar na rede de saúde, isso [o trabalho] vai ser mais difícil. Eu vou fazer esse trabalho, ele sendo apoiado ou não” – conclui.

  • Herança

Não foi à toa que Sueli encontrou vocação na parteria – sua bisavó, indígena, era parteira e benzedeira e, ao longo de toda infância e adolescência ouviu a mãe contar as experiências da bisa. Quando foi pela primeira vez ao Acre, em 1978, se deu conta de que a paixão poderia render frutos.

“Minha mãe contava as histórias e eu ficava encantada com tudo aquilo. Vim pro Acre em 1978 e fiz o curso de auxiliar de enfermagem. Logo depois comecei a trabalhar na Maternidade Bárbara Heliodora e quando entrei lá pela primeira vez, vi todas aquelas mulheres e minha ficha caiu. Lembrei das histórias da minha bisavó e me encontrei naquele momento”, contou Sueli.

Terminado o curso, ela seguiu para Olinda, onde começou a trabalhar em um centro de pesquisa, desenvolvendo diversos trabalhos com mulheres grávidas, parteiras tradicionais e ajudou inclusive a criar uma ONG. Pouco depois foi para Caruaru, onde começou a atuar efetivamente como parteira. Lá ela ajudou a fundar a Casa de Apoio a Gestantes e desenvolveu trabalhos sociais.

“Quando vim ao Acre pela primeira vez fiz uma visita ao Rio Purus até Boca do Acre, onde fiz um trabalho com as freiras. A gente subiu o rio com um batelão e ali me apaixonei. Naquele momento eu vi o que tinha e o que queria fazer na vida. Para selar esse compromisso, tirei minha aliança e a joguei no rio, fiz uma cerimônia e casei com o rio. Agora estou realizando meu sonho”, finaliza Sueli.

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