Pena alternativa

18/03/2009 08:32 / Atualizado em 14/03/2013 11:14

Havia cinco pontos de droga na rua em que Alexandre De Maio morava na periferia de São Paulo, onde frequentemente ocorriam tiroteios. Numa das brigas entre quadrilhas, um bala perdida atingiu uma menina. A cena do sangue escorrendo pelo chão teve um impacto estético em Alexandre, que, até então, só fazia histórias em quadrinhos inspiradas nos super-heróis americanos. “Logo depois que o corpo foi retirado, me tranquei no carro para desenhar aquela história.”

Desenhava-se, naquele dia, um encontro que faria com que a mistura de periferia e arte moldasse a vida de Alexandre -os quadrinhos chamaram a atenção de Mano Brown, líder do Racionais MC’s, que estimulou a sua publicação.

Desde que era menino, a habilidade artística tinha salvado Alexandre do tiroteio escolar. Diante da dificuldade em matérias como matemática, ele argumentava com os professores que seu futuro estava em desenho, e não seria justo repeti-lo por causa dos números. Em contrapartida, fazia uma série de projetos de artes gráficas para a escola, como uma espécie de pena alternativa. Numa prova de matemática, a professora viu que ele estava apenas desenhando um casal se beijando. Ela pediu o desenho de presente para presentear o namorado -mais uma pena alternativa.

Seus colegas gostavam daquelas histórias em quadrinhos, afinal eram retratados como super-heróis, com extraordinários poderes; as meninas ficavam deslumbrantes nas sensuais roupas do tipo Mulher Maravilha.
Até que veio a imagem da menina morta com a bala perdida em sua rua. “Vi como era bobo eu ficar me inspirando com os super-heróis.”

A fonte de inspiração estava bem à frente, a começar da briga de gangues de sua rua. Nasciam assim seus quadrinhos e a descoberta do rap, dos Racionais. Decidiu, então, ilustrar as letras do grupo. Mano Brown mostrou as tiras para o escritor Ferréz, que, em parceria com Alexandre, escreveu “Os inimigos não mandam flores”.

Em meio a seus quadrinhos, Alexandre começou a fazer publicações para relatar o movimento cultural da periferia, quase nunca coberto pelos meios de comunicação. Foi um dos primeiros a falar da onda de saraus poéticos que surgiram num bar (Zé do Batidão) da zona sul.

Seu projeto mais ambicioso é fazer uma revista periódica apenas com quadrinhos sobre a periferia -a primeira história já está pronta, feita em parceria com Ferréz. A rua de sua casa da adolescência já tinha ensinado a Alexandre que, na periferia, muitas vezes a realidade supera a ficção.

PS – Veja uma coleção dos desenhos do Alexandre -entende-se como ele conseguiu passar em matemática.

Coluna originalmente publicada no jornal Folha de S.Paulo