Petição em defesa do CNPq reúne 82 mil assinaturas em poucos dias
Por falta de recursos, presidente da SBPC considera crítica a situação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
Em dois dias, um abaixo-assinado aberto na plataforma Change.org pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) reuniu mais de 82 mil assinaturas em defesa de recursos e contra a extinção de uma das maiores agências de fomento à pesquisa do país, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A petição, que lança a campanha #somostodosCNPq, é apoiada por quase 90 entidades científicas e acadêmicas.
O abaixo-assinado online foi criado em decorrência da preocupação de pesquisadores, professores e estudantes com a grave situação financeira do órgão, que está com um déficit de R$ 330 milhões no orçamento para 2019. Em julho, o CNPq suspendeu a concessão de novas bolsas de pesquisa e teme, a partir do mês que vem, a impossibilidade de pagar as 84 mil já vigentes caso não receba recursos de crédito suplementar do governo federal.
“Grande parte dos cientistas de hoje tiveram projetos como estudantes no CNPq, que é uma referência para a ciência brasileira”, comenta Ildeu de Castro Moreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e professor do Instituto de Física e do programa de pós-graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Para Moreira Castro, um desfecho negativo para a crise significaria uma “tragédia” tanto pelo corte das bolsas quanto pelo lado simbólico de se desmontar uma das agências de pesquisas mais importantes do país.
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O manifesto, que segue aberto e recolhendo assinaturas pela Change.org, destaca que décadas de investimentos em recursos humanos e na infraestrutura para pesquisa e inovação no Brasil estão em risco e que se a situação não for solucionada, a partir de setembro, milhares de estudantes de pós-graduação e de iniciação científica, no país e no exterior, ficarão em situação crítica para sua manutenção e para o prosseguimento de seus estudos.
O presidente da SBPC explica que o objetivo da petição é chamar a atenção do governo federal para três pontos. O primeiro deles se refere à necessidade do recebimento de recursos imediatos para que o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico possa terminar o ano. O segundo trata de discutir o orçamento do ano que vem para que o CNPq não passe por novas crises e o terceiro alerta para “correntes que pregam a extinção da agência”.
Segundo Moreira Castro, há frentes da área econômica do governo, que não têm conhecimento sobre como funciona o sistema, que “acenam com a possibilidade de extinção do CNPq”, defendendo que o conselho seja substituído pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que oferece bolsas de mestrado e doutorado dentro e fora do Brasil. “A comunidade [científica e acadêmica] sempre defendeu a existência das duas agências, pois elas têm funções diferentes”, explica o presidente da SBPC.
O peso da campanha
Moreira Castro conta que a ideia de abrir o abaixo-assinado e lançar a campanha #somostodosCNPq surgiu da vontade da sociedade acadêmica, de estudantes e outras entidades participarem mais ativamente das tratativas que o órgão vem, sem sucesso, tendo há meses com o governo federal e o Congresso Nacional sobre a situação. “É um recurso importante”, ressalta o presidente da SBPC sobre a petição. “A pessoa poder assinar, botar o nome dela e dizer que defende o CNPq é uma coisa importante. E teve uma repercussão muito rápida”, destaca Moreira Castro sobre o volume de assinaturas atingido em tão pouco tempo.
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico é ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), que há alguns meses teve anunciado um contingenciamento de R$ 2,13 bilhões, o que representa um bloqueio de 42% do orçamento da pasta. De acordo com o presidente da SBPC, as inúmeras audiências e tratativas que estão sendo feitas não estão tendo força política suficiente para mudar esse quadro, já que setores da área econômica do governo não se sensibilizam para tomar uma decisão.
Moreira Castro conta que houve um acordo entre deputados da base e da oposição para que houvesse descontingenciamento de verbas e que fossem acrescidos recursos complementares ao CNPq. O combinado, entretanto, não foi cumprido até agora, o que tornou a situação emergencial. “A ciência é fundamental para o país, na área da saúde, tecnologia, energia… Tirar esse dinheiro da ciência básica vai na contramão de qualquer política inteligente”, afirma.
O porta-voz da campanha, reconhecido por suas pesquisas sobre popularização da ciência no Brasil e ganhador do Prêmio José Reis de Divulgação Científica em 2013, lembra que outros países que passaram por situação de crise econômica, diferentemente do Brasil, apostaram em ciência e pesquisa, como a China e a Coréia do Sul. “Com programas continuados de décadas para a educação, ciência e tecnologia é que eles cresceram. E aqui a gente acha que vai cortar, e como seremos competitivos em escala internacional?”, questiona.
A intenção dos organizadores da petição é recolher um número significativo de assinaturas para entregá-la aos dirigentes do governo e do Congresso Nacional. “É mais uma maneira de mostrar que uma parcela significativa da população brasileira está preocupada com o CNPq”.
O CNPq
Criado em 1951, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) tem como principais atribuições fomentar a pesquisa científica e tecnológica e incentivar a formação de pesquisadores brasileiros, formulando e conduzindo políticas de inovação.
Graças à pesquisa científica brasileira, o país já conquistou casos de sucesso nas mais diversas áreas, como a prevenção e controle do Zika, o crescimento na produção de grãos – principalmente da soja -, e a descoberta e exploração do pré-sal, por exemplo.
Sofrendo cortes no orçamento desde 2016, laboratórios de pesquisa já estão atravessando um sucateamento e evasão de estudantes para o exterior, além de uma procura menor pelos próprios brasileiros para cursos de pós-graduação. “São bolsas muito importantes que qualificam pesquisadores brasileiros. Se forem suspensas será um baque importante para a pesquisa brasileira”, lamenta Moreira Castro. Segundo o presidente da SBPC, várias instituições de pesquisa já estão com limitação de pessoal técnico.