Poder Feminino Crew usa rap e comprometimento para empoderar mulheres da periferia
Da periferia de Recife, Poder Feminino Crew resgata origem combativa do rap para dar o papo reto contra o machismo
Da periferia de Recife surgiu o grupo “Poder Feminino Crew“, que leva para as suas rimas a soma das vivências de quem desde cedo não teve escolha senão sobreviver.
Traz nas letras o engajamento de um “rap compromisso”, pensado e versado para enfrentar os desatinos que marcam a rotina da mulher – pobre e negra – contra os males do machismo, preconceito e exclusão. Com o microfone, dança, o graffiti e os beats encontraram na cultura hip hop seu espaço para resistir.
Formada por Laay (Dança, graffiti e rap), Bellator (Rap e Graffiiti), Strega (Graffiti e Rap), Bel (Dança e Rap), Gisele (Dança), Anne (Dança) e Pérola (Dança e Rap), as mulheres do “PFC” resgatam as lições da velha escola do rap nacional – armadas de consciência política e atitude – para dar o papo reto: os tempos mudaram, sim, e elas cantam para mostrar que mulher não é bunda e peito, não é objeto sexual e querem respeito e igualdade.
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Confira a ideia que trocamos e se liga na mensagem do som – disponível no SoundCloud:
1 – Como enxergam essa participação, cada vez maior, das mulheres dentro de um universo que até alguns anos atrás quase não dava espaço para a voz feminina? Qual a importância do trabalho de vocês no empoderamento da mulher ?
Pelo fato da cultura hip-hop ser predominantemente composta por homens, é um ambiente machista. Vemos que as mulheres são invisibilizadas, “escanteadas”, onde todas as atrações da maioria dos eventos são homens, e a mulher apenas é citada no anúncio de ‘mulher free até meia-noite’. Tudo usado pra atrair mais homens pagantes pro evento, usadas como iscas, como objetos sexuais.
E nos poucos eventos em que chamam mulheres pra se apresentar, muitos contratantes não querem pagar. Quando pagam é pouco, pois acham que estão fazendo um favor em colocar na programação do evento um grupo feminino, como se devêssemos agradecer pela chance.
Nas músicas dos MCs a mulher sempre é citada como objeto sexual, como fetiche, ou seja, até nas músicas em que citam mulher, na verdade mesmo, o centro da música está sendo o homem e sua satisfação. E o mais triste é que vemos muitas mulheres achando isso legal. É triste ver o machismo, às vezes, vindo da própria mulher. Mas sabemos que é porque já está tão impregnado na sociedade patriarcal em que viemos que elas reproduzem esse discurso por falta de conhecimento, informação.
E mudar isso é um dos nossos objetivos. Percebemos que aos poucos e, com muita luta, esse quadro está mudando, pois passamos a nos impor, exigir respeito e assim mostramos o talento e força da mulher. Hoje percebermos muitos homens que antes tinham posturas machistas mudarem de opinião, dando mais espaço, apoiando, demonstrando respeito e admiração
2 – Como é a cena hip-hop no Nordeste? Pode se afirmar que o movimento se popularizou nos últimos anos? Vocês buscam inspirações em outros estilos ou artistas da cultura local? (manguebeat, por exemplo, que também teve origem entre bboys de Recife. Ou ritmos mais tradicionais)?
O cenário musical do hip-hop no Nordeste era algo escasso, mas a gente nota essa popularização nos últimos anos. Dentro dessa cena minúscula, o hip-hop feminino ainda sofre as consequências. Muitas pessoas não valorizam a representatividade feminina, mas a luta das mulheres por espaço vem dando frutos e, aos poucos, a cena abre espaços para as minas mandarem suas ideias.
Obviamente que a nossa cultura influencia o som, porque está tão enraizado que é algo espontâneo.
O hip-hop que cresceu como um movimento de resistência nas periferias, e nossa cultura nordestina também traz o sentido da resistência. Não só o côco, mas a grande maioria dos ritmos Pernambucanos entra na nossa construção musical de forma natural. Inclusive temos um projeto que é a união de todos esses ritmos no rap.
Nos interessa muito ter ligação com a cultura nordestina porque é algo nosso, algo que tá dentro da gente e o mundo precisa ver o quão rico Pernambuco é! E o movimento mangue beat é grande influenciador, né?
Chico idealizou esse novo estilo musical que até hoje é reverenciado, quem nunca pulou nas ladeiras de Olinda ao som de “Maracatu Atômico” ? (Risos). O movimento manguebeat, com certeza, é um dos grandes pilares da resistência da nossa cultura hip-hop e a cultura popular pernambucana. Foi um casamento musical perfeito. Além do côco, uma das nossas novas músicas que está por vir mescla rap com maracatu, ragga, manguebeat, expressões regionais e ritmos africanos.
3- Qual a visão do grupo sobre temas que, a cada novo dia, permeiam a rotina dos moradores da periferia do Brasil: violência policial, machismo, violência contra a mulher, preconceito racial?
Não diria apenas a visão do grupo, mas nossa posição sobre esses temas que rodeiam e machucam as minorias, minorias essas que vivem oprimidas, caladas e retraídas por uma sociedade que os exclui há muito tempo. Já passamos por situação de racismo, machismo e presenciamos violência policial, rotina de nós e de todos que vivem em periferias.
Tentamos mudar botando a cara, arrombando portas e expressando isso em nossas músicas, graffitis, na dança e poesia, uma realidade que só quem sente na pele sabe o que é. Buscamos dar voz à essas pessoas, nossas letras são desabafos, denúncias, questionamentos e exigência de mudança. Usamos a nossa arte como instrumento de luta. A PFC é muito mais do que só entretenimento, é militância. Empoderar essas minorias aumentando sua auto-estima e lhes encorajando à falar, a mudar, a questionar e a reagir.
Hoje vemos que boa parte dessas parcelas oprimidas da sociedade já está se levantando contra tudo isso. Seja na sua origem, assumindo sua sexualidade, sua cor, cabelo e corpo, sabendo seus direitos, lutando e se empoderando. Criamos três lemas/bordões que definem os principais pilares do nosso grupo: ‘Todo poder à elas’, ‘Todo poder ao gueto’ e ‘Todo poder ao povo preto’ – que na verdade representam a luta de gênero, de classe e de raça, nossa principal fundamentação ideológica.
4 – Qual o principal desafio enfrentado por um grupo de hip-hop feminino, da periferia de Recife, completamente independente e autônomo?
É difícil eleger o pior desafio que enfrentamos porque são tantos: enfrentamos o racismo (pois a maioria das integrantes são negras), enfrentamos a falta de dinheiro que nos impossibilita de gravar músicas, clipes, ter fotos profissionais, comprar tinta para os graffitis, e até mesmo falta de grana pra passagem de ônibus.
Mas sem dúvida o maior dos desafios é o machismo, e sofremos com ele duplamente: batemos de frente com o machismo da sociedade, além do machismo da cultura hip-hop.
E isso nos gera outro grande desafio, porque a maioria dos eventos preferem rap comercial, que tem letras mais voltadas para curtição, pornografia, drogas, e outros temas fúteis. O rap com conteúdo, politizado e combativo, não é mais valorizado como antigamente. O entretenimento é prioridade deixando de lado a conscientização, característica da essência do rap desde sua origem. Hoje, o comercial é que dá público, que lota casa e rende grana.
Talvez se apelássemos para a sensualidade, e por letras fúteis, com certeza conseguiríamos mais visibilidade, dinheiro e fama. Mas isso é fora de cogitação porque vai justamente contra o que lutamos: a objetificação da mulher. Buscamos mostrar que mulher não se resume à bunda e peito, que a mulher não nasceu para ser objeto sexual para mera satisfação masculina, e que tem tanto talento e capacidade quanto o homem. Queremos ser respeitadas – tratada de igual pra igual. Não abriremos mão de nossos ideais para conseguir o que quer que seja. Mais que um grupo artístico, somos militantes. E nossa maior desafio é aliar arte e entretenimento à militância, conscientização e empoderamento.