Polarização, Amazônia e Bolsonaro são temas de debate na Catraca
Jornalistas Sakamoto e Dimenstein, deputado Vinicius Poit e vereador Fernando Holiday falam sobre valorização do diálogo na política
Debate na Catraca Livre realizado nesta sexta-feira, 23, reuniu representantes de diferentes correntes ideológicas com o objetivo de valorizar a convivência entre divergentes. Estiveram presentes o deputado federal Vinicius Poit (NOVO), o vereador Fernando Holiday (MBL) e os jornalistas Leonardo Sakamoto e Gilberto Dimenstein, fundador da Catraca.
Em clima de consonância, o debate teve início com a valorização do diálogo. Dimenstein destacou a importância das vozes díspares presentes no encontro. “O MBL nos sugeriu que é possível ter um diálogo civilizado nas redes sociais. É possível discordar e conviver. Democracia é convivência.”
Na sequência, Dimenstein questionou Holiday sobre um possível exagero cometido pelos integrantes do MBL no passado.
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O vereador concordou com a afirmação e refletiu que a autocrítica começa quando há exacerbação da política. “O MBL chegou a um nível que resumia tudo a um sujeito que era do mal e um sujeito que era do bem. Não havia possibilidade de diálogo. Essa é nossa principal autocrítica.”
Reconheceu ainda que muitas vezes a postura do grupo culminou no “assassinato de reputações nas redes sociais”. Por outro lado, também lembrou os ataques feitos pela esquerda. “A melhor maneira de lidar com isso é demonstrar que a gente pode fazer diferente.”
Do outro lado da Moeda, Sakamoto revelou sofrer ataques por conta de sua atuação, inclusive da esquerda. “Eu acho super importante autocrítica, a gente tá vivendo num momento político complicado e a polarização acabou se diluindo diante dessa questão maior de civilização e barbárie.”
Para ele, a solução está no campo democrático, que precisa conversar para a construção de saídas em comum. “Eu espero que a autocrítica do MBL se concretize em ações, não só deles, mas de outras instituições.”
Polarização
Ao falar sobre a autocrítica do MBL, Holiday disse que o movimento não abriu mão de seus posicionamentos e ideais, embora esteja aberto ao diálogo. “A existência do outro é essencial, mesmo que discorde de suas opiniões.” Dimenstein emendou o assunto questionando o deputado Poit a respeito de alguns segmentos da direita, mais conservadores.
Segundo o representante do NOVO, ele se sente incomodado com os rótulos de direita e esquerda em meio a tantas pessoas extremistas que não fazem parte de nenhum dos grupos. “Nós [políticos] não estamos aqui para ter razão, mas para representar o povo, e não brigar quem é mais de direita ou esquerda. Política é uma só. Não existe nova política e velha política”, declarou. Poit afirmou que é possível, inclusive, deputados com posicionamentos distintos proporem projetos juntos.
O fundador da Catraca criticou a polarização política no país. “Parece que tudo ficou simplificado. Se você apoia a reforma da Previdência, é de direita. Se não apoia, é de esquerda.” O deputado federal pelo partido NOVO concordou com o jornalista. “Tem que estudar e ler os projetos de lei. Eu, por exemplo, apoio a Lava Jato, mas não apoio a Lei de Abuso de Autoridade.”
De acordo com Sakamoto, as redes sociais potencializaram a criação de bolhas na sociedade, com as pessoas acostumadas a viver em grupos fechados e sem convívio com o “outro”. “Ao mesmo tempo, a internet garante uma falsa sensação de anonimato, de que você pode falar o que quiser, o que ajuda na desumanização.”
Para falar sobre a polarização política atual, Holiday justificou que a direita no Brasil, depois da Ditadura Militar, ficou reprimida, ao mesmo tempo em que apareceram “os efeitos colaterais dos governos petistas nas questões econômicas e com a corrupção”. “Nessa época, começaram a surgir blogs que apoiavam essa narrativa. Esse modelo petista de defender seu governo nas redes incentivou a direita a fazer o mesmo”, completou o vereador.
Holiday contou que o MBL perdeu vários seguidores depois dos ataques de eleitores do Bolsonaro, o que, na visão dele, foi bom e aumentou a qualidade do público. “Perdemos um público extremamente radical que não consegue dialogar e mantivemos quem consegue dialogar. Foi um ambiente radicalizado completamente desnecessário.”
Mas como dialogar diante dessa polarização? Sakamoto complementa que, para reduzir isso, é preciso aumentar a alfabetização midiática. “As pessoas precisam ler as postagens antes de passar alguma informação adiante. Como isso não acontece de uma hora para a outra, o jornalismo terá que ajudar a reduzir a ‘panela de pressão’. Vamos ter que mudar a forma para transmitir o conteúdo”, sugere o jornalista.
Por último, Poit refletiu que uma comunicação que educa, e não ataca, tem que partir do presidente. “Eu falei isso pra ele [Bolsonaro]. Ele não é mais candidato, é presidente. Vamos começar a dialogar e a transmitir uma comunicação que une”, finaliza.
Amazônia e Salles
Em meio às discussões sobre o aumento do desmatamento e ao descaso do governo Bolsonaro com o meio ambiente, Dimenstein lembrou uma declaração recente do presidente Jair Bolsonaro de que as ONGs estão por trás das queimadas na Amazônia. “O grande problema hoje não vem da esquerda, mas sim do núcleo presidencial. Como você lida de forma pacífica quando o presidente faz afirmações que usam frases sem conexão e baseadas em mentira? Assim se criar inimigos.”
“O presidente vem a público falando que tem que abrir terra indígena para garimpo, por exemplo. Tem um grupo da sociedade que está absorvendo esse tipo de fala do presidente e acha que pode fazer o que quiser com o meio ambiente. Mesmo o agronegócio está desesperado com o presidente”, completa Leonardo Sakamoto.
Em seguida, o fundador da Catraca Livre questionou Vinicius Poit sobre o fato de o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ser o principal representante do NOVO atualmente. “Você não acha que o partido vai sofrer uma ‘chamuscada’ com essa questão da Amazônia?”, perguntou o jornalista.
Segundo o deputado federal, Salles está lá por sua experiência, e não pelo partido. “Quando a gente conversa com ele, sabemos que se baseia em dados. É importante abrir o diálogo antes de crucificar o cara”, respondeu.
Para Poit, o debate em torno da Amazônia é a chance de Salles para fazer um plano de combate ao desmatamento. “Embora ele represente o partido e nos coloque numa posição desconfortável, eu confio no que ele está falando”, explica o deputado, que ainda comenta o posicionamento de Bolsonaro sobre o tema. “A comunicação dele [do presidente] é agressiva, não tem diálogo e não foca na solução. Vamos usar o fundo eleitoral para suprir esse déficit que a gente precisa para combater o desmatamento e as queimadas?”, sugere.
“Essa retórica usada pelo ministro e pelo presidente mostra que ‘liberou geral’ na Amazônia. Foi dado um recado e as pessoas se aproveitaram dele”, comenta Dimenstein sobre o assunto.
Segundo Sakamoto, cada governo deve olhar para as políticas do anterior e não resumi-las apenas por qual partido foram criadas. “Por exemplo, em determinado momento começamos a reduzir o desmatamento, ganhamos protagonismo internacional e estávamos em uma reta descendente. O governo atual poderia muito bem analisar o que foi feito para isso acontecer. Mas não. Ele deu um ‘cavalo de pau’ e o desmatamento subiu.”
Nos últimos dias, a comunidade internacional tem se manifestado contra o descaso com a Amazônia brasileira. Após críticas do presidente da França, Emmanuel Macron, Eduardo Bolsonaro, indicado pelo pai para a embaixada brasileira nos Estados Unidos, compartilhou um vídeo em que chama o francês de “idiota”. “Como que o Eduardo Bolsonaro vai chamar o Macron de ‘idiota’? Eu o critico porque ele tem que dialogar com o carga. Depois disso, começaram a usar os termos ‘boicote comercial’ contra o Brasil”, analisou Poit.
Fernando Holiday também comentou as políticas ambientais do governo e ressaltou que o posicionamento de Bolsonaro é reflexo das afirmações de Olavo de Carvalho.
“O Olavo de Carvalho acredita que existe um complô global para nos fazer crer no aquecimento global. A partir do momento que o presidente acredita que ele está certo, o desmatamento não representa uma pauta importante. Agora só está se tornando porque houve uma crise internacional. É o momento ideal para o ministro Salles mostrar seu trabalho”, finaliza Holiday.
Governo Bolsonaro
Questionado se o presidente “tem salvação”, o vereador Holiday afirmou que sim. “Ainda tenho essa esperança de que ele entenda a liturgia do cargo e se comporte como um presidente da República, acho que isso ainda pode acontecer.”
Sakamoto lembra que o comportamento do presidente é o de um candidato em campanha: “O grande problema é que ele sabe qual a liturgia do cargo, mas adotou um método de governo que ele está em constante campanha, excitando aquele naco dos seguidores dele e mantendo aquele grupo de pessoas que continua o defendendo. Com isso, ele vai até o final do mandato. Não é questão de inspiração, mas ele continua o mandato tranquilamente”.
Holiday fez uma comparação com o comportamento do presidente americano Donald Trump: “Tenho esperança de que o governo Bolsonaro vai começar a tomar atitudes semelhantes à do governo Trump, por ser este o espelho dele. Isto é: ‘Ah, o Trump está conversando com os adversários, está tendo relacionamentos amigáveis até mesmo com países comunistas’. Então, talvez seja possível ter uma atitude parecida aqui no Brasil, daí a minha tese”.
“A minha visão é a de que ele está se afundando no seu radicalismo e cada vez se protegendo mais. Eu acho o Bolsonaro um idiota. Não estudou, não leu, não foi a um concerto, não foi a um museu. A gente não está tratando com respeito não ele, mas o eleitor dele. Muita gente [votou em Bolsonaro porque] não quis o Lula e, ao mesmo tempo, tinha um olhar conservador [no eleitorado] que nós da mídia não percebemos. Quanto mais a gente bate no pessoal do terra plana, mais ele se junta”, avaliou Dimenstein.
Poit defendeu outro comportamento, mais conciliador: “Se a gente falar que ele é um idiota… O cara está lá, foi eleito democraticamente… Eu votei nele no segundo turno e não sou um idiota. Tem muita gente que votou e está desiludida com essa postura. Ao invés de falar que é idiota, é falar: ‘Presidente, como a gente pode te ajudar? Vem participar de um debate’. Ele é bom em alguma coisa, se não não seria presidente da República, né? Talvez na comunicação, talvez em tocar o coração das pessoas, ele conseguiu. A gente precisa que esse período de adaptação acabe logo”.
“Sabe o que me incomoda no Bolsonaro? A função de um presidente é pegar três problemas e transformar em um. Ele pega 1 e transforma em 3”, arrematou Dimenstein.
Sobre o poder de comunicação do presidente, Sakamoto admitiu ser este um ponto forte: “Tem uma grande quantidade de eleitores dele que votou na esperança de um mundo melhor. Inclusive tem um monte de gente que ia votar no Lula e votou nele. O presidente Bolsonaro sabe se comunicar com o homem e a mulher comuns. Do ponto de vista quase que intuitivo, ele tem um bom discurso, ele sabe se comunicar”.
Ele afirmou que tem torcida, sim: “Eu torço para que o Brasil dê certo, não o governo. Tem uma parte da discussão, com relação a ataques a minorias e grupos sociais, mulheres, gays, meio ambiente, trabalhadores rurais… Quando ele faz esse tipo de ataque, espero que isso não prospere, que isso não dê certo. Porque quem vai por esse caminho é um governo medieval, não é de esquerda ou direita. Não é conservador, é iliberal”.
Poit complementou lembrando que é liberal, defende a liberdade individual, mas que a pauta não deveria ser esta: “Este assunto não é prioridade. A gente tem que dar saneamento básico a 3 milhões de brasileiros. Esse excesso de conservadorismo vai contra a liberdade individual”.
“[O presidente] sempre fez questão de se comunicar como o cidadão médio brasileiro e falar como essas pessoas falariam num ambiente informal. Foi o único candidato que conseguiu se comunicar com essas pessoas e foi com essas pautas extremamente conservadoras que conseguiu chamar atenção dessas pessoas”, analisou Holiday.
Sakamoto completou: “A chave principal do sucesso da vitória do Bolsonaro daqui em diante é a economia. Emprego não está sendo gerado na velocidade que o Brasil precisa. O governo até agora não implementou nenhum programa nacional específico para gerar emprego. Se ele fracassar nisso e a economia continuar derrapando, ele vai perder ainda mais sua aprovação”.
“Existe no Congresso um sentimento de que pautas conservadoras de costumes não serão discutidas agora, mas para as propostas do governo relativas à economia eu vejo uma proatividade do Congresso, e, portanto, uma tendência de o Congresso seguir no caminho da recuperação econômica, o que atinge a popularidade do governo Bolsonaro”, pontuou Holiday.
A forma como o presidente lida com a imprensa e vice-versa foi destacada pelo fundador da Catraca: “Bolsonaro nasceu e cresceu na atitude do confronto: nas Forças Armadas, no Congresso, foi assim que ele prosperou. Ele nunca dialogou. Para nós, jornalistas, também é difícil porque ele vê a gente como inimigos”, afirmou Dimenstein.
Rodrigo Maia
Ao analisar o atual cenário político, Dimenstein elogiou o trabalho feito pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Nas suas palavras, ele é “o grande estadista brasileiro”. “Ele conseguiu uma agenda que pode beneficiar o Bolsonaro, mas ele sabe que sem ela o Brasil iria para o colapso.”
Poit chamou atenção para o papel de Maia na manutenção da democracia. “O Rodrigo Maia tem um papel essencial pro Brasil andar pra frente. A demonização do congresso nacional é um perigo para a liberdade e para a democracia”.
Além disso, Maia também é responsável por mediar as relações entre os diferentes setores aliados do governo. “Existe uma disputa dentro do governo, entre a ala sensata e uma ala ideológica radical. Em determinadas situações, ele ouve alguma das alas. Ele tem dialogado quando ele ouve essa ala sensata”, destacou Holiday.