Popó, o ‘guardião’ do Cemitério da Consolação
Francivaldo Gomes começou como coveiro e hoje é o guia que sabe de cabeça onde estão sepultadas as histórias da necrópole mais antiga da cidade
“Fala qualquer nome de rua que vier na cabeça.” É assim que Francivaldo Gomes, mais conhecido como Popó, gosta de provocar os grupos que guia pelo Cemitério da Consolação, onde trabalha como administrador e monitor de visitas há doze anos.
“Peixoto Gomide”, “Barata Ribeiro”, “Dona Antônia”, “Capote Valente”, “Cristiano Viana”, “Joaquim Eugênio de Lima”, “Marquês de Paranaguá”, “Caio Prado”, “Benedito Calixto”. Cada resposta é rebatida por Popó com uma pequena biografia, o ano de falecimento e a localização do túmulo dentro do cemitério mais antigo de São Paulo.
Com voz de radialista e um sotaque misturado, é assim que trabalha o cearense esperto e bem-humorado de 47 anos quase completos – 34 dos quais passados na capital paulista. Natural de Crateús, no sertão do Ceará, Popó veio a São Paulo para trabalhar na construção civil. “Tá vendo aquele edifício, moço? Ajudei a levantar”, canta para contar que ergueu alguns prédios conhecidos da cidade.
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Aluno e professor
Foi em 2000 que Popó começou a trabalhar no cemitério. Sua função era a de sepultador, cargo popularmente conhecido como “coveiro”. Mas logo nas primeiras semanas ele começou a se interessar pelo que acontecia também fora dos túmulos.
Popó observava de longe as visitas guiadas pelo historiador e administrador do cemitério Délio Freire dos Santos. “Eu ouvia o que ele falava, disfarçando para ele não ver e pensar que eu estava folgando”, lembra. “Aí anotava na mão os artistas e as esculturas que me chamavam atenção, tomando cuidado para o suor não apagar, e depois ia perguntar para o professor”.
Depois de tirar dúvidas com o historiador, Popó ainda ia à Biblioteca Mário de Andrade checar as informações. Essa foi sua rotina até 2002, quando Freire adoeceu. Com a saída de seu professor, o sepultador assumiu o lugar de “guardião da história e da arte funerária do Cemitério da Consolação”, como gosta de falar.
O guardião
Hoje, Popó guia cerca de 150 visitas por mês pela necrópole. Os visitantes são estudantes de história e de artes, que se encantam com as esculturas que ornamentam os 8.500 túmulos e mausoléus do cemitério.
Mas o guia também tem suas preferências. Das histórias que o cemitério conta, a que mais lhe agrada é a de Santo Antoninho, garoto que queria ser padre, mas faleceu aos 12 anos em 1930. Sua fama de milagreiro atrai milhares de devotos anualmente para seu túmulo – um deles, inclusive, foi o cantor Marcelo Costa, que deu a Francivaldo o apelido de Popó.
Das esculturas, Popó também guarda uma com carinho especial. “Vencedores”, obra feita em 1921 pelo artista italiano Luigi Brizzolara, que retrata um ancião passando a tocha para um jovem. “Essa escultura representa muito para mim porque eu me vejo nela recebendo a tocha do cemitério do meu professor Délio Freire”, conta, emocionado.
O trabalho de Popó é contar histórias, “mas eu queria fazer ainda mais pelo cemitério, divulgar o que tem aqui dentro, chamar mais pessoas para conhecerem o local”, lamenta. “O cemitério da Consolação conta a história da cidade. Nós temos um Père-Lachaise aqui em São Paulo e pouca gente sabe”.