Por que o sangue de Evaldo dos Santos escorre nas mãos de Witzel

Quanto vale a vida do negro, pobre, morador de favela, no Rio de Janeiro?

Carro ocupado pela família fuzilado com mais de 80 tiros no último domingo, 7, no Rio de Janeiro

Um saco de pipoca, um guarda-chuva, uma furadeira. Quanto vale a vida do negro, pobre, morador de favela, no Rio de Janeiro? No último domingo, 7, a esvaziada política da guerra às drogas fez uma nova vítima na zona norte da capital fluminense.

Aos 51 anos, o músico Evaldo Rosa dos Santos foi alvo de mais de 80 tiros disparados por soldados do Exército durante patrulha realizada na Estrada do Camboatá, em Guadalupe. Seu crime? Sair de casa com a família para um chá de bebê.

Como manda o protocolo da barbárie genocida em curso no Brasil, Evaldo foi chamado de “assaltante” e,  seu fuzilamento, justificado como resposta à “justa agressão” sofrida. Hoje, 10 dos 12 oficiais envolvidos na ação encontram-se presos enquanto o caso segue sob investigação da Justiça Militar da União.

Sérgio, sogro da vítima, e um morador que tentou ajudar os feridos, também foram atingidos pela saraivada de balas que, mais uma vez, disparada por engano, escancara ao mundo a ineficácia de uma política de segurança pública falida.

Ineficácia que, ainda assim, nas últimas eleições, ganharam voto e voz no discurso de novos atores políticos que insistem no uso da repressão como resposta ao descaso e abandono público a que está submetida a parcela mais vulnerável da sociedade brasileira: enfatize-se, negros e pobres.

No Brasil da “nova era”, o que vale é “mirar na cabecinha”. Não por acaso, no Rio de Janeiro do governador Wilson Witzel, do Partido Social Cristão, 1 a cada 3 mortes vem do gatilho puxado pela polícia desde o início de seu mandato.

Witzel recebe do Bope quadros feitos com balas de fuzil
Créditos: : Carlos Magno / Divulgação
Witzel recebe do Bope quadros feitos com balas de fuzil

Dados oficiais do ISP (Instituto de Segurança Pública), vinculado ao governo do estado, apontam que 305 pessoas foram assassinadas por policiais nos dois primeiros meses deste ano, maior número desde o início do levantamento, feito mensalmente desde 1998, e publicado na Ponte Jornalismo.

A carnificina que interrompe a vida nos morros do Rio de Janeiro, envolvendo as Forças Armadas, entretanto, vem de antes.

Segundo reportagem divulgada pela Agência Pública em outubro do ano passado, a controversa atuação dos militares é alvo de denúncias desde 2010. Desde então, ao menos 32 mortes podem ter tido a participação de oficiais do Exército e da Marinha em três diferentes ocasiões: troca de tiros com criminosos, inocentes confundidos com criminosos ou atingidos em tiroteios e casos de uso excessivo da força pelos soldados. Pouco se sabe ou foi feito a respeito.

Também morre quem atira 

Inconsistente seria aqui falarmos do colapso da guerra urbana que atinge o Rio de Janeiro nas últimas décadas não considerando as precárias condições de trabalho que envolvem a força policial fluminense. Com salários atrasados e falta de dinheiro para manutenção de veículos e equipamentos para a polícia, agentes de segurança também pagam o preço da política de conflito que soma números análogos aos da guerra na Síria.

Em 2016, foram registrados 4.000 confrontos entre policiais militares e criminosos, média de 11 trocas de tiros por dia. No ano seguinte, registrou-se o maior número de PM’s mortos no país: 134 vítimas.

Nos três primeiros meses de 2017, 1.867 pessoas morreram em circunstâncias como homicídios, roubos, agressões e em operações policiais. Na Síria, no mesmo período, 2.188 civis morreram em ataques e confrontos.

Quem cala consente? 

Assunto mais comentado nas redes sociais no início desta semana, o termo “80 tiros” é um dos que mais cresceram nas buscas no país. Pesquisas cresceram 1.600% entre a última segunda-feira, 8, e terça-feira, 9, no Brasil, segundo dados do Google Trends.

Apesar da repercussão, pouco foi dito pelas autoridades – que, diariamente, recorrem às redes sociais para se manifestar sobre temas diversos.

Diante do incômodo silêncio frente à injustiça cometida em Guadalupe, as únicas palavras de Witzel sobre o episódio explicitam, talvez, a indiferença dos atuais líderes políticos do Rio de Janeiro em relação à vida de famílias inteiras dizimadas pela guerra ocorrida na cidade.

Ainda que na posição de governador, o líder do executivo estadual acredita que não cabe a ele fazer juízo de valor sobre o caso. Tampouco o capitão reformado e presidente Jair Bolsonaro (PSL), que disse apenas confiar na apuração da Justiça Militar.

Nas ruas, entretanto, manifestações em repúdio à morte de Evaldo serão realizadas no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, exigindo resposta dos nosso governantes. Afinal, quantas vidas precisarão ser sacrificadas em nome de uma guerra injusta e genocida?

Confira as datas e locais:

Ato em São Paulo, domingo às 14h no MASP 

Ato no Rio de Janeiro, domingo às 10h, na estação Marechal Hermes 

Ato em Brasília, sexta às 16h, no Ministério da Justiça e Segurança Pública