Porteiro reinventa as baladas
Durante uma balada na periferia, um jovem acendeu, despreocupado, um baseado. Pediram que apagasse. Se quisesse fumar, ele deveria deixar o salão. Aparentemente, concordou. Minutos depois, estava, de novo, com o baseado aceso. Mais uma vez o pedido -e, depois, mais uma vez descumprido.
Durante uma balada na periferia, um jovem acendeu, despreocupado, um baseado. Pediram que apagasse. Se quisesse fumar, ele deveria deixar o salão. Aparentemente, concordou. Minutos depois, estava, de novo, com o baseado aceso. Mais uma vez o pedido -e, depois, mais uma vez descumprido. Do palco, o DJ parou a música, olhou para o rapaz e decretou: “Acabou a festa”. Lembrou que um pacto fora descumprido. Naquela festa, não entrariam nem maconha, nem bebida, nem cigarro, afinal a balada ocorreria dentro de uma escola pública. A reação foi inesperada.
Todos concordaram, apesar de contrariados. Mas as críticas não foram contra o DJ, mas contra o jovem que não cumpriu sua palavra, culpado pelo fim da festa. Reginaldo Gonçalves criou, nesse dia, uma nova modalidade de balada -a balada educativa.
Desde os quatro anos, Reginaldo mora em Heliópolis, onde testemunhou o efeito devastador das drogas e do álcool. “Muitos dos meus colegas de escola acabaram presos, mortos ou deficientes.” Outros contraíram as mais diversas doenças.
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Ele suspeita que tenha se mantido vivo por causa da música. Ainda adolescente, conheceu “Sapão”, o primeiro DJ de Heliópolis, que hoje trabalha como segurança de uma empresa. Aprendeu a animar as festas, mas tirava seu sustento como porteiro de uma empresa das redondezas.
Por causa de uma série de atos de vandalismo, Reginaldo foi chamado a fazer as baladas no CEU, que fica na vizinhança de Heliópolis. Era o jeito de tentar aproximar os jovens da escola. Firmou-se, olho no olho com lideranças jovens (inclusive as piores), o pacto de que, como estariam numa escola pública, estavam vetadas maconha e bebida.
Por isso, não foi atacado por terminar, naquele dia, a festa por causa do rapaz com seu baseado.
Com a mudança de governo, as baladas terminaram no CEU e foram realizadas dentro de uma quadra de Heliópolis. “A diferença é que voluntários trataram de garantir o cumprimento das regras.”
Ser porteiro não fazia parte dos planos de Reginaldo. As baladas fizeram com que ele aceitasse convites para participar de projetos educativos na favela. Nas horas vagas e sem ganhar nada, divertia-se como locutor da rádio Heliópolis, uma das poucas autorizadas. Mas, por falta de recursos, as festas terminaram; a última delas ocorreu em novembro do ano passado.
Neste mês, conseguiu de uma empresa (TBC) apoio para ficar em tempo integral na rádio e um pequeno patrocínio para tocar um projeto para promover a emissora -a rádio integra o projeto de Heliópolis de se converter num bairro educador.
A primeira decisão de Reginaldo foi fazer um curso técnico para trabalhar com rádio, especialmente usando os recursos digitais.
A segunda é a volta, no próximo mês, das baladas educativas, com DJs de várias partes da cidade -agora se transformando em sua programação musical. “De certa forma, continuo porteiro. Só que estou abrindo outras portas.”