Pressão de abaixo-assinados faz empresas adotarem política cage-free

Para livrar galinhas do confinamento, organizações de defesa dos animais recorrem a petições e conquistam quase meio milhão de assinaturas em apoio

Em parceria com Change.org (Oficial)
12/07/2019 17:48 / Atualizado em 15/07/2019 16:16

ONGs mobilizam-se para pôr fim ao sofrimento de galinhas poedeiras presas em gaiolas
ONGs mobilizam-se para pôr fim ao sofrimento de galinhas poedeiras presas em gaiolas - Imagem de RitaE por Pixabay

Se uma galinha poedeira confinada dentro de uma gaiola tivesse voz, talvez ela dissesse algo assim: “Meu nome é Ana e tenho apenas 1 ano de idade. Fui separada de minha família e desde os meus 3 meses, vivo em um espaço minúsculo com outras companheiras que passam pelo mesmo. Vivo em condições precárias, não tenho espaço para me mexer, nem sequer me esticar. Sinto que a minha hora está chegando. Muitas de nós não aguentam essa tortura e morrem geralmente por volta dos 2 anos de idade, mas ninguém se importa com nenhuma de nós. Gostaria de pedir para que empresas firmem um compromisso público de não mais utilizar ovos de galinhas confinadas em gaiolas, uma prática cruel que já foi banida por mais de 80 empresas líderes no Brasil”. E provavelmente ainda perguntaria por que os humanos têm tanto apreço por cãezinhos e gatinhos, mas não por uma ave como ela, que também sente e sofre.

O relato acima foi retirado de um abaixo-assinado online aberto na Change.org pela Animal Equality, ONG de defesa dos animais. A petição integra uma série de campanhas criadas por diferentes organizações que recorrem à plataforma para intensificar suas mobilizações de proteção e bem-estar animal. Na Change.org Brasil, 20 petições já obtiveram o compromisso de empresas para a adoção da política cage-free, alcançando sucesso em suas mobilizações. Os abaixo-assinados vitoriosos tiveram o peso de mais de 250 mil apoiadores.

Do inglês “sem gaiola”, cage-free refere-se ao sistema de criação de galinhas poedeiras (destinadas à produção de ovos) livres do aprisionamento em gaiolas. O objetivo das campanhas, conforme explica a coordenadora de bem-estar animal do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal (FNPDA), Patrycia Sato, é fazer com que as empresas tomem iniciativas mais sustentáveis em sua linha de produção. “Como não possuímos legislação que proíba sistemas de produção desnecessariamente cruéis aos animais, nós, representantes da sociedade civil, precisamos conscientizar e engajar a indústria”, comenta a médica veterinária.

O Fórum Animal criou pelo menos sete abaixo-assinados na Change.org que foram vitoriosos ao pressionar grandes corporações, como Bauducco, Vigor e Casa do Pão de Queijo, a declararem que eliminarão progressivamente nos próximos anos, o uso de ovos vindos de produtores que mantêm galinhas engaioladas. “Infelizmente, algumas empresas requerem mais pressão que outras, como campanhas de mobilização pública, que incluem uma petição online na Change.org”, explica Sato. A coordenadora do Fórum conta que as petições funcionam como um “indicador” do quanto o assunto é relevante. “A empresa que se preocupa com imagem corporativa leva muito em consideração esses números [de assinaturas]”, comenta.

Nos textos dos abaixo-assinados, a entidade expõe o cenário da produção convencional dos ovos, mostrando que muitas vezes as aves ficam presas em gaiolas com espaço menor que uma folha de papel A4, sem poder andar ou bater as asas, o que gera sofrimento, estresse e dores crônicas. “O consumidor sente repulsa e a sua assinatura vem como manifestação a esse repúdio”, comenta Sato. A veterinária ressalta, ainda, que apesar de as galinhas não despertarem tanta compaixão na maioria das pessoas quanto os mamíferos, a sociedade tem demonstrado interesse em saber se o alimento que consome vem de sistemas sustentáveis.

Fundado no ano 2000, o Fórum Animal conta com programas sobre educação ambiental humanitária em bem-estar animal, contra a exploração animal para entretenimento, como rodeios, vaquejadas, caça, circo e zoológicos, bem como desenvolve ações contra a experimentação de cosméticos e outros produtos em animais e pelo fim de certas práticas agropecuárias, como celas de gestação para porcas e exportação de gado vivo.

Patrycia Sato, coordenadora de bem-estar animal do Fórum Animal e ativistas do Fórum no Dia Internacional contra Exportação de Animais Vivos
Patrycia Sato, coordenadora de bem-estar animal do Fórum Animal e ativistas do Fórum no Dia Internacional contra Exportação de Animais Vivos - Fórum Animal/Divulgação

Mobilizações gigantescas

Outra organização de proteção aos animais que utiliza a plataforma Change.org para reforçar suas causas é a Mercy For Animals (MFA), que já liderou pelo menos 10 petições por cage-free vitoriosas. A maior delas, com 142.156 assinaturas, convenceu o varejista Walmart a assumir o compromisso de comercializar apenas ovos de galinhas 100% livres de gaiolas em todas as suas operações até 2028. A mobilização levou mais de dois anos e obteve vitória em maio.

A diretora de Políticas Corporativas da Mercy For Animals no Brasil, Eduarda Schiefler Nedeff, comenta sobre uma pesquisa encomendada pela ONG e realizada em 2017 pela IPSOS, que revela que 82% dos 1.001 internautas entrevistados consideram inaceitável o confinamento de galinhas em gaiolas, e 71% são contrários à venda desses ovos em supermercados e restaurantes. “A medida que elas [as pessoas] têm acesso a essa informação, tornam-se mais preocupadas com o tratamento dado aos animais na indústria”, explica. “A maioria do público mostra um alto índice de rejeição a produtos que dependam de sofrimento animal”, completa.

Algumas das corporações que a MFA conseguiu pressionar com as petições foram a Santo Grão, a Forno de Minas, o grupo de supermercados Zaffari e a rede de fast food Parmeggio.

Além das ações fortalecidas pelos abaixo-assinados online, a diretora da MFA conta que o esforço coletivo de várias organizações já sensibilizaram mais de 100 empresas, que se comprometeram a banir o confinamento dessas aves. “Nós sempre conversamos muito com as empresas antes de lançar qualquer iniciativa pública, como uma petição, por exemplo. Nos casos em que a empresa se mostra resistente aos nossos contatos, o apelo popular tem um peso muito grande para que acabem assumindo esse compromisso”, detalha Eduarda.

A dirigente de Políticas Corporativas da Mercy For Animals destaca a importância desses estabelecimentos para o avanço da causa cage-free. “Por comprarem uma grande quantidade de ovos, restaurantes e supermercados têm o poder de ajudar a acelerar a mudança. Além disso, essas empresas estão atentas às novas demandas dos consumidores, que estão cada vez mais preocupados com a forma como os animais são tratados na indústria”, fala.

A Mercy For Animals existe há 20 anos e está há mais de três no Brasil. A ONG, que atua na defesa e proteção dos animais considerados de consumo, se apresenta com o objetivo de que todos os animais sejam respeitados, protegidos e livres. A organização acredita que essa mudança pode ser construída a partir de um sistema alimentar mais compassivo, que reduz o sofrimento e acaba com a exploração de animais. A MFA realiza investigações secretas, revelando a realidade à qual os animais são submetidos na indústria.

Ativistas da Mercy For Animals em manifestação em frente ao Grupo Pão de Açúcar para pressionar por adoção de política cage-free
Ativistas da Mercy For Animals em manifestação em frente ao Grupo Pão de Açúcar para pressionar por adoção de política cage-free - Danilo Santana

A pressão continua 

Além da Animal Equality, do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal e da Mercy For Animals, outras organizações fortalecem suas mobilizações através da reunião de apoios em torno de petições online na Change.org, como a Sinergia Animal e a Open Wing Alliance. Além das 20 vitórias já conquistadas em prol da política cage-free, as instituições ainda mantêm na plataforma pelo menos outras sete campanhas em busca de assinaturas e engajamento.

Algumas das empresas pressionadas que ainda não responderam ao apelo das entidades são o Outback, a Danone e o Grupo Pão de Açúcar – contra o qual o número de assinaturas já ultrapassa a marca de 132 mil. O total aproximado de apoiadores nos abaixo-assinados que ainda estão abertos chega a quase 230 mil. A soma de engajamentos nas petições já vitoriosas e nas que estão em andamento resulta em um montante de mais de 470 mil pessoas.

“[A campanha do Pão de Açúcar] está ativa há mais de dois anos e meio. Já entregamos as assinaturas impressas desta petição para os executivos após uma manifestação pacífica em frente a sede do GPA em março de 2017, eles anunciaram um compromisso neste sentido, porém cobrindo apenas as marcas próprias e isso está longe de ser o ideal”, diz Eduarda. “O Grupo Pão de Açúcar é com certeza a empresa que tem mais resistência em anunciar esse compromisso em prol das galinhas”, acrescenta.

A diretora de Políticas Corporativas da MFA faz um apelo: “Precisamos da ajuda de todos para que assinem a nossa petição da campanha do Pão de Açúcar pedindo à empresa que anuncie um compromisso de parar de comercializar ovos de galinhas confinadas em gaiolas para todas as suas operações no Brasil”, pede. “Quanto mais pessoas assinarem a petição, mais chance teremos de conseguir que a empresa anuncie esse compromisso”, finaliza Eduarda.