Professor de português, ator pornô, geek e garoto de programa


Entrevista com Leo Felipo: Das salas de aula para a prostituição

Leo Felipo quebra alguns esteriótipos quando imaginamos um garoto de programa. Isso porque ele possui formação universitária em Letras, fala fluentemente inglês e italiano (inclusive, faz revisões de textos de mestrado acadêmicos e matérias jornalísticas atualmente) e administra muito bem as suas redes sociais. Ele tem mais de 30 mil seguidores no Instagram, além de produzir conteúdo de sexo explícito nas plataformas OnlyFansJustFor.Fans. Já a sua conta no Twitter, que tinha mais de 100 mil seguidores até semana passada, foi recentemente tirada do ar pela própria plataforma e, ao fazer uma nova, ele já acumulou mais de 4 mil seguidores em menos de uma semana.

Leo Felipo: de professor para ator pornô
Créditos: Lucas Ramos
Leo Felipo: de professor para ator pornô

Nascido na cidade de Frutal, em Minas Gerais, ele chegou em São Paulo em 2011 já planejando se prostituir quando foi morar na rua Augusta, na região central da capital. No seu passado, ele deixou as salas de aula como professor do ensino fundamental e médio e, atualmente, acumula a produção de dezenas de vídeos com milhares de visualizações na internet como ator pornô. Porém, o vídeo com mais visualizações da sua carreira é uma entrevista que ele deu para um canal da TV aberta em 2018 contando sobre a sua profissão, com mais de 8 milhões de visualizações no YouTube. Ao mostrar o seu rosto e exibir naturalidade na frente da câmeras, ele tornou público um tema ainda considerado tabu – a prostituição masculina.

Em entrevista exclusiva à Catraca Livre, Leo Felipo fala sobre a sua relação com a família, sua frustração como professor no Brasil, sua paixão por games e animes, sua experiência como ator de teatro nos palcos de São Paulo e ainda dá uma dica para quem deseja se tornar um ator pornô ou garoto de programa. Leia abaixo.

Catraca Livre – Muitas pessoas acabam entrando no universo da prostituição de maneira involuntária, mas, no seu caso, foi por opção. Fale sobre como você começou nesta carreira.

Leo Felipo- Tudo começou quando estava na faculdade. Percebi que poderia me prostituir pra comprar coisinhas que eu não tinha coragem de pedir pra minha mãe, como jogos, joysticks ou outras bugigangas, além de sempre poder ter um dinheiro guardado pra gastar com o que eu bem entendesse. O que eu ganhava como professor de língua estrangeira em escolas de idiomas era muito pouco. Em umas de minhas várias vindas à cidade de São Paulo, conheci alguns meninos que trilhavam a prostituição como um trabalho 24/7. Resolvi, então, arriscar.

Você já foi professor do ensino fundamental e médio. Como é ser professor no Brasil?

LF- É péssimo. Vivemos numa sociedade que paga mais um jogador de futebol do que um professor. Alguém que edifica o conhecimento em outras pessoas não é reconhecido pela sociedade como uma função-pilar. E o problema disso é sistêmico: a cultura brasileira não enxerga o professor como alguém de suma importância, mas simplesmente como alguém que existe pra “passar os alunos de ano”. Além disso, são pouquíssimos os incentivos que os profissionais de educação ganham pra poder exercer seu trabalho com afinco e dedicação. Quem decide ser professor num país como o nosso é, sem dúvida, um mártir. Quando eu lecionava, percebia que existe sim uma parcela de alunos ávida por aprender, mas as horas de trabalho, os intermináveis diários de classe e os métodos de avaliação tornam a recompensa desse trabalho baixa demais. Mais uma vez, isso é intrínseco à cultura brasileira, e não faço a mínima se podemos mudar isso em curto prazo.

Qual a sua relação com a sua família?

LF- Nos damos muito bem! Creio que a fase de constrangimento sobre o que faço da vida já passou há tempos. Ser ator pornográfico ou garoto de programa não faz de mim uma pessoa ruim. Creio que meus pais sabem da índole e da criação que deram pra mim, e que não houve erro nisso.

Na sua opinião, por que a prostituição ainda é um tema tabu na atual sociedade, ainda mais quando envolve a homosexualidade?

LF- Vivemos em uma sociedade que se baseia em escrituras religiosas e puritanismos ridículos escritos há quase 22 séculos. O conservadorismo sempre vai enxergar a venda da carne como algo indigno e pecaminoso, algo que deve ser extinto. Essas crenças não levam em consideração a evolução histórica e social dos humanos, e isso é, pra dizer o mínimo, hediondo. Devemos ser livres pra fazer o que bem entendermos com nossos corpos, ainda mais quando não fazemos mal a ninguém. Quando homossexualidade é adicionada à fórmula, as opiniões conservadoras se agravam ainda mais, justamente porque esses preceitos de conduta ditados há 22 séculos carecem de muito empatia e de apoio àqueles que são diferentes. Quando nos desprendermos das amarras porcas e burras do fanatismo religioso, talvez tenhamos chance de mudar essa perspectiva. Infelizmente, não vejo isso acontecer num futuro próximo. Já melhoramos demais como seres empáticos; entretanto, o caminho não foi trilhado nem em 5%.

“O lado bom é poder trabalhar com a sua liberdade sexual” diz Leo
Créditos: Lucas Ramos
“O lado bom é poder trabalhar com a sua liberdade sexual” diz Leo

Toda profissão tem o seu lado negativo e positivo. Quais são os de ser um ator pornô com milhares de seguidores e, consequentemente, uma figura pública reconhecida dentro e fora da internet?

LF- O lado bom é poder trabalhar com a sua liberdade sexual e, o mais importante, ajudar os outros a se descobrirem também como seres que precisam explorar seus corpos e suas fantasias. Além do mais, não estou preso a uma rotina de trabalho que me cansa — eu trabalho quando quero, como quero e onde quero. O lado ruim é que muitos confundem minha profissão com alguém que pensa em sexo 24 horas por dia. Por mais que sejamos sexualmente libertos e mais ativos, atores pornográficos não precisam receber aquele nude não-solicitado às 4h da manhã de alguém que não tem noção de que está atrapalhando seu sono. Muitos dizem que isso é inerente à imagem de figura pública (e que sou obrigado a suportar essas coisas), mas eu acho essa desculpa uma babaquice — NUNCA tente desculpar a sua falta de berço em cima da profissão de alguém. Isso é falta de caráter.

Você acha que a prostituição deveria ser regulamentada juridicamente?

Sim, com certeza. Mesmo que alguns de nós encaremos essa profissão como “autônoma”, não temos respaldo jurídico. Eu não posso processar um cliente que não quis me pagar, por exemplo. Além disso, existem casas e clubes que sugam a prostituição como uma maneira de encher seus bolsos e de sucatear o trabalho dos profissionais do sexo. Quase sempre, essa é uma relação abusiva e que confere muito mais deveres aos trabalhadores do sexo do que direitos. Mesmo que o corpo seja a base de troca, um corpo nunca é somente um corpo: ele vem acompanhado de excelência em atendimento, de empatia e de doação de sensações que não são cotidianas — fazendo com que ele seja um produto, acima de tudo, premium. E isso deve ser respeitado e devidamente precificado.

O que mudou durante a pandemia para você em relação ao seu trabalho como ator pornô e como garoto de programa?

LF– A profissão de garoto de programa requer, acima de tudo, contato humano. E isso nos foi tolhido durante a quarentena. Entretanto, prostituir-se também significa vender não só seu corpo, mas também sua imagem. Aprendi a criar conteúdo próprio pra que todas as pessoas pudessem usufruir do que vendo, mesmo não podendo tocar. É claro que o montante de clientela diminuiu drasticamente durante os primeiros meses de pandemia, mas tudo foi se ajustando conforme o tempo passou. Sem sair de casa, as pessoas ansiavam por conteúdo pornográfico que suprisse suas necessidade. Nós, como atores e garotos de programa, soubemos preencher essa lacuna da maneira que pudemos.

Você faz revisões de textos de mestrados acadêmicos e também de matérias jornalísticas. Consequentemente, eu imagino que você acaba tendo contato com muitos conteúdos que te trazem um conhecimento muito amplo e diversificado. Fale um pouco sobre isso.

LF- Eu encaro a escrita como uma arte — uma arte que consiste em fazer com que os leitores consigam ler o que está escrito e depreender quase 100% do que se deseja passar. Escrever com clareza, estilo e objetividade é algo que pouquíssimos conseguem. Quando reviso textos de várias áreas, tento simplificar o conteúdo de uma maneira que seja extremamente acessível, estilosa e clara. Escrever é se expressar, se fazer entender, e não há nada pior do que não ser entendido ou ser mal-interpretado. Na cruzada de revisar e traduzir textos, eu sempre absorvo aquilo que estou revisando e aprendo uma coisa nova. Costumo dizer que conhecimento é uma riqueza que ninguém pode roubar de você e que ele é algo que pode ser acumulado sem nenhum problema. Ao passo que me esclareço mais, consigo ter outras perspectivas de vida, de mundo e de opinião. E isso é importantíssimo pra que eu evolua como ser humano.

“Ao passo que me esclareço mais, consigo ter outras perspectivas de vida, de mundo e de opinião” – Leo Felipo
Créditos: Lucas Ramos
“Ao passo que me esclareço mais, consigo ter outras perspectivas de vida, de mundo e de opinião” – Leo Felipo

Como começou a sua paixão por games e animes? Quais os seus jogos e personagens favoritos atualmente?

LF- Desde menino, sempre fui aficcionado por jogos e desenhos. Eu nunca fui muito sociável, então, jogar era minha escapatória pra liberar minha imaginação. Acho que a paixão por games me fez cursar letras; afinal, um jogo bem feito tem uma história envolvente e instigante, assim como um romance ou um conto famoso. Creio que tudo se resume a uma coisa: contar uma história legal. Eu gosto muito de jogos como as séries Final Fantasy, Tomb Raider, Resident Evil e Assassin’s Creed. Quanto a animes, eu me emociono muito com Saint Seiya, Neon Genesis Evangelion, Pretty Guardian Sailor Moon, Cowboy Bebop e Fullmetal Alchemist. Japoneses têm um quê de querer ensinar empatia e amizade por meio de suas histórias, e isso me emociona bastante. Meus personagens preferidos são Lara Croft (séries Tomb Raider), Jesse Faden (Control), Aerith Gainsborough (Final Fantasy VII) e Cayde-6 (Destiny).

Além de jogar videogame, quais são os seus hobbies?

LF- Gosto bastante de me inteirar sobre tecnologia, sistemas operacionais e gadgets. Adoro treinar, seja musculação ou crossfit.

Por que você acha que a plataforma Onlyfans voltou atrás em sua decisão de banir conteúdo sexual explícito?

LF- Eles alegam que o banimento aconteceu por pressão de instituições financeiras — e eu acredito, visto que elas são as empresas mais conservadoras que existem no mundo. Contudo, o OnlyFans só chegou ao mainstream justamente por oferecer conteúdo de trabalhadores sexuais. Ganhar fama em cima de nós e nos jogar pra baixo do tapete na primeira oportunidade é praticamente cuspir no prato em que comeram. Como eu disse em minhas redes sociais, eles cometeram suicídio mercadológico. Não são mais confiáveis. O backlash gigantesco nas redes depois do pronunciamento oficial deles foi algo que, com certeza, os faria falir em menos de um ano. O fato de haverem voltado com a decisão é puro controle de danos — danos esses que podem ser irreversíveis.

“Prostituir-se também significa vender não só seu corpo, mas também sua imagem” – Leo Felipo
Créditos: Lucas Ramos
“Prostituir-se também significa vender não só seu corpo, mas também sua imagem” – Leo Felipo


Fale sobre a sua experiência nos palcos de São Paulo como ator de teatro.

LF– Eu já trabalhava como ator em Minas Gerais antes. Estudo o ofício de ator desde a minha adolescência. Aqui em São Paulo, tenho a oportunidade de contar diversas histórias que tocam diferentes públicos e incitam reflexão — o que é, acima de tudo, o trabalho primordial do ator. Contribuir para que a sociedade seja mais ponderada, empática e tolerante não tem preço. As duas peças das quais participei aqui em São Paulo trabalham justamente as relações humanas e como não resolvê-las pode prender o indivíduo num turbilhão de loucura e confusão (uma delas com uma pitada de humor, diga-se de passagem). No dia 4 de setembro, estrearemos “Guarde para os dias de chuva”, de Júlio Adamanto, no teatro West Plaza. Com temática LGBT, trabalharemos personagens diversos e cativantes que, com certeza, incitarão catarse até mesmo nos heterossexuais.

O que uma pessoa precisa para ser um garoto de programa bem sucedido?

LF– Precisa saber, acima de tudo, como tratar bem as pessoas. Não vendemos só sexo: vendemos companhia. Vendemos papo. Vendemos um ouvido. Precisamos ofertar aquilo que o cliente não tem comumente, uma fantasia com a qual ele sonha e não consegue realizar sempre. Existem outros níveis de cuidado, como a aparência e o corpo, mas a cabeça é o essencial.

Qual o seu conselho para alguém que está pensando em se tornar um ator pornô ou garoto de programa?

LF- Cuide de você, física e mentalmente. Acredito que esse seja o mantra de QUALQUER UM, mas pouquíssimos se importam com isso. OK, um conselho mais direto: comece a criar conteúdo em redes como o Twitter, fazer com que as pessoas desejem estar com você. O resto só pode ser descoberto por si mesmo.

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Por Felippe Canale

Jornalista parceiro da Catraca Livre