Projeto usa habilidade de jovens indígenas com arco e flecha para transformá-los em atletas olímpicos

Objetivo do projeto “Arquearia Indígena na Rio 16” é valorizar a cultura indígena e usar o esporte para criar um legado positivo na formação da sociedade

Países que sediam edições dos Jogos Olímpicos costumam aparecer no topo da tabela de campeões de medalhas. A delegação maior e a, digamos, mística de “jogar em casa” acabam fazendo a diferença e contribuindo para que o país sede se saia bem na soma geral de ouros,  pratas e bronzes. Mas isso na teoria.

Os curumins aprendem o arco e flecha ainda cedo e desenvolvem habilidades ao longo da vida. Cada um a seu modo, todos aprendem a acertar alvos móveis ou imóveis a várias distâncias.

Na prática, um país que não investe no esporte e que não pensa nele como um dos alicerces da formação da sociedade só consegue um bom desempenho olímpico por sorte ou milagre. Pelo menos era esse o pensamento do professor Virgílio Viana quando ele pensou em um projeto diferente. Um projeto que contribuísse, ao mesmo tempo, para disseminar um esporte olímpico pela região Norte do país e para resgatar a autoestima de uma população cada vez mais esquecida pelo Brasil urbano. Nascia assim o projeto Arquearia Indígena na Rio 16.

Basicamente, a intenção do projeto é usar uma característica natural dos indígenas, o manejo com o arco e flecha, para formar bons atletas da modalidade olímpica de Tiro ao Arco – e assim valorizar a importância da população indígena para o resto do país.

Peneira na beira do rio

Lançado no começo deste ano, o projeto já realizou 18 seletivas com as comunidades ribeirinhas do Rio Negro e mais de 80 jovens entre 14 e 20 anos se apresentaram. 12 foram escolhidos para formar a equipe que treina na Vila Olímpica de Manaus. A meta é alcançar o índice da modalidade para integrar a equipe de 6 atletas que representarão o Brasil no Rio de Janeiro.

O objetivo é que a equipe de garotos e garotas consiga atingir o índice olímpico para participar dos Jogos. São seis vagas.

Quem cuida de tudo isso é a professora de Educação Física Márcia Lot. A paulistana, que já trabalhou em duas olimpíadas como assistente técnica e preparadora de diferentes modalidades, se apresentou voluntariamente para enfrentar a tarefa de entrar nas tribos, caçar os talentos locais e transformá-los em atletas de alto rendimento.

Para ela, contudo, o objetivo é ainda maior do que esse. “É um grande e árduo trabalho que estamos fazendo com a equipe indígena”, conta. “Na verdade, podemos dizer que este é quase um experimento científico e que ainda não temos o resultado. Vai depender muito das reações deles perante os desafios da cidade, pois poucos já haviam saído de suas aldeias e, agora, eles estão submetidos a grandes mudanças de vida.”

Alvo e escola

No momento, os arqueiros estão de férias da escola, mas seu cotidiano divide-se em frequentar as aulas no período da manha e treinar durante cinco horas no período da tarde, todos os dias da semana. Aos finais de semana, eles participam de pequenas competições.

Quem comanda os treinamentos é o técnico da seleção amazonense de Tiro ao Arco, Roberval Fernandes dos Santos, dono de títulos mundiais e internacionais na modalidade. Com ele, os jovens trabalham quesitos como postura, coordenação, força, alinhamento, ancoragem, largada e concentração.

O índio e o outro

O projeto é grande.  Coordenado pela Fundação Amazonas Sustentável (FAS) – organização da qual Virgílio Viana é presidente –, também conta com o apoio da Federação Amazonense de Tiro com Arco (Fatarco), a Confederação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (Coipam), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e a Secretaria de Estado da Juventude, Desporto e Lazer do Amazonas (Sejel).

O objetivo de todos é aumentar a autoconfiança dos indígenas e fazê-los mostrar sua importância para população. “Nós acreditamos que esta seria uma forma de resgatar a autoestima dos nossos índios e de incluí-los na sociedade”, afirma Márcia. “Temos uma dívida histórica com eles e com certeza todo o projeto, desde a primeira seletiva até a interação deles com outros estudantes, está contribuindo para saná-la”, conclui.

Marcia com sua equipe de arqueiros. O sonho é maior do que fabricar atletas para os Jogos Olímpicos de 2016, é formar cidadãos.