‘Quero mostrar minha cultura além da gastronomia’, diz refugiada
Muna Darweesh chegou ao Brasil com a família após fugir da guerra na Síria e, hoje, vende comida árabe por encomenda
Quem entra na casa de Muna Darweesh, no Cambuci, centro de São Paulo, logo sente o cheiro de esfiha, quibe, tabule, homus, babaganush e outros sabores típicos da culinária árabe. Na sala, a televisão transmite um programa sírio com dois apresentadores na bancada. Acima do móvel, o desenho de uma família, feito por uma criança, traz a seguinte mensagem, escrita em português: “Eu te amo mamãe”.
No apartamento, a mulher de 36 anos vive com seu marido, Wessam Aljammal, e os quatro filhos: Jawa, Mohammed, Abdullah e Taim. Eles moravam na cidade de Lattakia, na Síria, mas, por causa da guerra, não tiveram outra escolha e precisaram pedir refúgio no Brasil em 2013. Todos os familiares de Muna, incluindo o pai e os quatro irmãos, já haviam fugido para a Suíça, de forma ilegal.
“Você quer 50 esfihas de carne, 50 de queijo, 50 falafel, 1 kg de babaganoush e 1 kg de homus. Tabule também? Certo. Temos entrega com motoboy ou você pode buscar em casa. Tá bom, querida. Obrigada você!”, afirma a síria ao atender um pedido pelo celular enquanto recebia a reportagem do Catraca Livre. Entre uma encomenda e outra, ela e o marido se dedicam a preparar as receitas, rotina que segue de segunda a segunda.
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Quando chegou a São Paulo, começou a vender comida árabe em frente à Mesquita Brasil, também localizada no Cambuci, para sustentar as crianças. Um ano depois, em 2014, lançou sua página no Facebook, intitulada Muna – Sabores & Memórias Árabes, na qual divulga fotos e informações sobre o negócio da família, além de receber os pedidos de clientes de toda a capital paulista.
Guerra e insegurança
Antes de ter início a guerra que assola a Síria desde 2011 e já deixou mais de 400 mil mortos, a vida da família de Muna era tranquila. “Nós tínhamos tudo de que precisávamos em casa, era tudo maravilhoso”, lembra. Ela é formada em literatura inglesa em uma universidade pública e trabalhava como professora. O marido atuava como engenheiro naval.
No entanto, desde o começo do conflito, o dia a dia das cidades sírias mudou completamente. “Como todos os países com guerra, não tinha elemento de vida lá. Não poderia mais morar no país porque não tem futuro para as crianças”, relata.
Primeiro, a professora fugiu com os quatro filhos para o Egito, pois seu marido teve que viajar a trabalho em um navio durante cerca de 9 meses. O emprego de Wessam como engenheiro naval ficou complicado com a guerra, então ele esperou o contrato acabar para voltar à Síria e, depois, embarcar para reencontrar a esposa e as crianças.
“Nós fomos para o Egito porque, em 2013, os canais de televisão falavam de um ataque dos Estados Unidos na Síria. Eu tinha medo, já que estava sozinha com os meninos. Meu pai e meus irmãos estavam na Suíça, mas para entrar lá é preciso ir pelo mar, ilegalmente, passando por Turquia, Itália e Grécia”, conta.
Muna soube da morte de muitas pessoas próximas enquanto tentavam ir para a Europa pelo mar.
Em relação ao que mais sente falta da vida na Síria, ela diz, emocionada: “Todas as coisas. Meus amigos, amigas, meus sonhos”. Hoje, conversa com a família pelo Facebook ou WhatsApp, mas não se viram mais. “Estou há cinco anos sem encontrar o meu pai”.
Refúgio
Sem outra saída, a família de Muna precisou fugir às pressas. “Não escolhemos o Brasil, mas tivemos que encontrar um país aberto para nós, refugiados sírios. Também porque a maneira para chegar aqui era mais fácil, era legal. Ouvi falar sobre São Paulo por causa das oito mesquitas e da grande comunidade árabe”, afirma a professora.
“Quando cheguei, senti muita esperança no coração. Fiquei forte por causa dos meus filhos, pela minha fé e esperança. A coisa mais importante quando você sai de um país em guerra é ficar vivo”, lembra. Naquele período, o pedido de refúgio estava mais fácil do que atualmente. “Eu e meu marido conseguimos o visto permanente e meus três meninos têm nacionalidade brasileira, pois chegaram com menos de quatro anos”, explica.
No início, aprender o português foi a maior dificuldade para Muna. Ela fez um curso na Mesquita Brasil durante um mês, mas acabou tendo outras necessidades e não conseguiu continuar. Após este curto período, seu contato com o idioma se resumiu a conversas com os clientes, sendo restrito a palavras sobre comida e vendas.
Por tais motivos, a síria ainda tem certa dificuldade em se comunicar a respeito de outros assuntos. Já para seus filhos, a adaptação foi mais fácil. “Eles queriam brincar e fazer amigos. E eram muito pequenos, então aprenderam português muito rápido, na escola”, diz.
Comida e cultura
Muna aprendeu a cozinhar os pratos árabes logo na infância. “Eu não queria, mas aprendi porque era a única mulher entre cinco filhos e ficava sozinha com a minha mãe, que já faleceu, enquanto ela cozinhava.”
Vender a comida típica da Síria no Brasil não foi uma escolha para a família. Depois de um primeiro ano vivendo com o dinheiro que tinham guardado, Muna e Wessam precisaram investir na culinária para sobreviver, já que ambos não conseguiam emprego nas respectivas áreas, principalmente por causa do idioma.
Com a ajuda da Adus (Instituto de Reintegração do Refugiado), Muna criou sua página no Facebook há três anos, deu entrevistas para diversos veículos e atraiu seus clientes brasileiros. A refugiada também conheceu o Migraflix, onde trabalhou dando aulas de culinária e ainda atua fazendo catering para eventos do Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados).
Pelo WhatsApp ou telefone, as pessoas fazem os pedidos dos pratos típicos árabes, e o casal prepara sozinho as receitas dentro da pequena cozinha do apartamento. Em seguida, as encomendas são entregues por um motoboy ou os clientes buscam no local.
Segundo a professora, os mais pedidos do cardápio são: esfiha, quibe, falafel e charuto. Mas ela gosta de cozinhar muitas outras receitas de seu país. “Eu gosto de fazer o nosso arroz com frango, ervilha, castanha e nozes, outros tipos de charutos, com pimenta verde, abóbora, berinjela, repolho. Essas coisas nem todo mundo conhece.”
“Agora eu estou começando uma pesquisa para fazer sucos árabes com plantas brasileiras, com tamarindo e água de rosas. Tem essas plantas aqui, mas não prontas para o suco. Você tem que fazer ela secar e depois preparar o suco”, completa.
Planos no Brasil
A vida de Muna em São Paulo é completamente dedicada ao marido e aos filhos. No tempo livre, eles passeiam nos parques da cidade. “O que eu mais gosto aqui são as florestas e a natureza”, diz. Sobre o futuro no país, ela tem um desejo em especial: poder mostrar a sua cultura para além da gastronomia.
“Eu quero ter um lugar fixo para mostrar o meu trabalho. Não só para ter dinheiro. Eu quero mostrar a minha cultura, fazer pesquisas para novas receitas e mostrar a minha personalidade. Quero fazer algo novo”, finaliza.
- Serviço:
Muna – Sabores & Memórias Árabes
Telefone: (11) 95437-0682
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