‘Saí do armário junto com meu filho’, afirma mãe e ativista

Eleonora Pereira faz parte do “Mães pela Igualdade”, Grupo do Facebook que apoia famílias de pessoas LGBTQIA+ e participa da campanha #SomosMaisJuntos

Quando seu filho José Ricardo revelou ser homossexual, a enfermeira Eleonora Pereira saiu do armário junto com ele, puxando a bandeira do arco-íris, como ela mesma diz. No entanto, o envolvimento da mãe com a causa LGBTQIA+ surgiu, de fato, a partir de uma história de muita dor: o brutal assassinato do jovem por homofobia em outubro de 2010, aos 24 anos.

Foi nessa mesma época que ela foi convidada para contar sobre o orgulho e o amor pelo rapaz, o que marcou o lançamento do Grupo do Facebook “Mães pela Igualdade”, o qual é administradora até hoje.

Há cerca de 10 anos, a história de luta de Eleonora Pereira inspira outras mães e pais a oferecerem apoio a famílias de pessoas LGBTQIA+
Créditos: Arquivo Pessoal | Divulgação
Há cerca de 10 anos, a história de luta de Eleonora Pereira inspira outras mães e pais a oferecerem apoio a famílias de pessoas LGBTQIA+

Há cerca de 10 anos, a história de luta de Eleonora inspira outras mães e pais que estão no processo para sair do armário junto de seu filho ou filha. Por meio do “Mães pela Igualdade”, esses familiares dialogam e recebem o apoio necessário para passar por essa questão. “No grupo, nos conectamos com mães de vários lugares do Brasil e do mundo, como Angola e Portugal, que externalizam seus sentimentos. Muitas dizem: ‘que bom que encontrei um grupo de mães para mães’”, reitera.

Segundo Eleonora, o acolhimento da família ajuda o LGBTQIA+ a virar uma pessoa muito melhor e mais sensível. Dessa forma, ele consegue ter sustentabilidade para passar pelos inúmeros preconceitos da sociedade. “Minha história é a da perda de um filho simplesmente por ele amar diferente do restante das pessoas. Eu nunca tive vergonha de dizer que meu filho é LGBTQIA+. E esse nosso amor transcende até a morte”, afirma emocionada.



#SomosMaisJuntos

O grupo de apoio a mães e pais de LGBTQIA+ é um dos que participam da campanha “Somos Mais Juntos”, que conta histórias reais e inspiradoras de pessoas que encontraram nos Grupos do Facebook um espaço de diálogo e empoderamento para se assumirem.

A iniciativa surgiu após uma pesquisa com usuários ativos da rede social, que mostrou a urgência de tratar temas de inclusão social, como desigualdade de gênero, racismo e LGBTQIA+fobia, de forma acolhedora e produtiva.

Veiculada na TV e em diversas plataformas, o vídeo da ação permite que cada uma dessas pessoas extrapole a rede social e mostre sua sexualidade para o país inteiro, de uma única vez, ao som de Diana Ross, com a icônica música “I’m Coming Out”.

Além do “Mães pela Igualdade”, a campanha inclui outros grupos que funcionam como uma rede de apoio e respeito a LGBTQIA+ e seus familiares, como Afrodengo LGBTT+, Gaymers Br e Filhos do Arco-Íris – Grupo de Apoio aos LGBT+.

Por eles e por nós

Mulher, negra, nordestina e mãe de um gay: assim Eleonora define sua existência. Paraibana de nascimento, a enfermeira mudou-se para Recife, em Pernambuco, após o nascimento de seu primeiro filho.

A cidade marcou sua trajetória na defesa de crianças e adolescentes, incluindo a questão da sexualidade e do machismo. Desde pequeno, seu filho José Ricardo a acompanhava em eventos de direitos humanos. Mais tarde, o crime cruel que tirou a vida do rapaz a fez tornar-se, também, defensora da população LGBTQIA+.

De acordo com Eleonora, ela sempre soube que José Ricardo era LGBTQIA+, pois já na infância observava alguns indícios, mas a família nunca o reprimiu. “Toda mãe sabe. No dia em que ele me contou, aos 16 anos de idade, deixou um bilhetinho ao meu lado e disse: ‘mainha, eu sou gay’”, lembra. Em seguida, a enfermeira o chamou de canto e perguntou: “Ricardo, é isso que você quer?”. “É”, respondeu o adolescente. “Naquela hora senti que ele amadureceu uns 10 anos.”

A partir desse momento, a paraibana permaneceu como um suporte para José Ricardo. “Como mãe e com ele vivo, eu não sairia pelos quatro cantos falando de sua sexualidade, pois é algo íntimo. Era ele o protagonista, e não eu”, explica.

A bandeira com as cores do arco-íris, a qual o rapaz usava nas atividades de militância, é uma das lembranças que seguem com Eleonora até hoje. “Eu fui preparada por ele para que pudesse militar e acolher. Em seu enterro, prometi que ergueria a bandeira do arco-íris com muito orgulho, sem vergonha de dizer: ‘eu tenho um filho gay e ele estará sempre ao meu lado, seja onde estiver’”, enfatiza.

Sua vivência lado a lado de Ricardo é primordial para o trabalho que faz dentro do grupo “Mães pela Igualdade”. “Eu tenho um objetivo: não quero que nenhuma outra mãe sinta a dor que senti ao perder meu filho para a homofobia. E eu digo para elas: ‘ame agora seu filho, não depois que você o perder’. O meu amor por José Ricardo veio antes de tudo e eu busquei justiça por esse amor.”

Para a paraibana, só as mães sabem como é doloroso o processo que vivem quando os filhos e filhas se assumem como LGBTQIA+. “Tal processo faz parte desse momento e é importante. Muitas mães não querem perceber que seu filho é gay, lésbica ou trans. Elas negam isso”, ressalta. O medo da rejeição e da violência faz com que alguns jovens só se assumam para a família aos 18 ou 19 anos, época em que já podem se libertar dos pais e buscar emprego.

Eleonora e o filho, José Ricardo, assassinado em 2010 em um crime de homofobia
Créditos: Arquivo Pessoal | Divulgação
Eleonora e o filho, José Ricardo, assassinado em 2010 em um crime de homofobia

De mãe para mãe

Atualmente, o “Mães Pela Igualdade” reúne representantes em vários estados do Brasil: três estão no Rio de Janeiro, quatro em São Paulo, uma no Pauí, outra na Bahia e, em Pernambuco, onde fica a base do grupo, há 12 mulheres.

O trabalho feito por elas é de “formiguinha”, como conta Eleonora. “Muitas mães que nos procuram não querem ser expostas por medo de sofrerem retaliações de familiares e conhecidos. Elas sentem medo, culpa e vergonha. Apesar do grupo ser dedicado a mães, não deixamos de acolher pais, filhos, amigos e outros familiares”, pontua.

A mãe que precisa de apoio procura o grupo e uma representante da região em que vive se encarrega de conversar com essa mulher sobre suas dificuldades, levando em consideração cada caso.

A paraibana reafirma a necessidade de abordar o assunto de acordo com a realidade da família, pois há evangélicas, mulheres mais pobres ou mais ricas, de diferentes graus de escolaridade, alcoólatras, entre outras particularidades.

“Algumas que nos encontram até aceitam, mas preferem que o filho ou filha não more dentro de casa. O ponto principal de toda essa desestrutura é a família, como maridos e atuais companheiros, especialmente quando são estes os provedores da residência”, afirma.

O apoio do grupo se mostra ainda mais fundamental, quando ocorrem situações mais graves, como expulsão do jovem ou até mesmo suicídio por causa da violência cotidiana. “A gente tem muito cuidado com a saúde mental, inclusive temos mães voluntárias que são psicólogas e fazem esse atendimento”, ressalta.

Ao final desse processo de “saída do armário”, muitas mães se envolvem com a rede e com a causa, enquanto outras preferem que o filho ou filha sigam sozinhos na luta, mas se colocam na retaguarda. Já são cerca de 600 pessoas atendidas pelo projeto, em mais de nove anos.

A transformação da percepção dessas mulheres sobre os próprios filhos é evidente, segundo Eleonora. “Há mães que antes choravam ao falar do assunto e agora agem igualzinho a mim. Elas reconhecem seus filhos e querem mostrar o amor, mas eu evidencio que esse amor já existia dentro delas”, acrescenta.

Quando alguma mulher diz ter vergonha de abraçar ou andar de mãos dadas com os filhos, a enfermeira questiona: “Na época em que seu filho era pequenininho, você não ia ver se ele estava coberto antes de dormir? Por que não faz isso agora e também cuida de quem ele é?”.

A força da ativista ultrapassa qualquer situação de preconceito. Ela relata que sentiu na pele o que é a LGBTQIA+fobia dentro de um shopping em Recife. Eleonora usava uma bandeira do arco-íris e, ao tentar tirar uma foto na varanda, o segurança a impediu, apesar de todas as demais pessoas fazerem o mesmo no local.

Mas nada é capaz de silenciar sua voz e a de seu filho. “Levei o caso para o Ministério Público e não pedi dinheiro, mas sim, uma ação educativa no local: fizemos uma exposição do ‘Mães Pela Igualdade’. Assim, impactamos outras mães que vivem esse mesmo processo”, conclui.


Além do “Mães pela Igualdade”, a campanha #SomosMaisJuntos também inclui outros grupos que funcionam como uma rede de apoio e respeito a LGBTQIA+ e seus familiares, como Afrodengo LGBTT+, Gaymers Br e Filhos do Arco-Íris – Grupo de Apoio aos LGBT+. Curta e compartilhe esta ideia e faça estas importantes redes de acolhimento chegarem em mais pessoas.