Sobre a COP 25 e o tempo de atuar: um balanço sobre a conferência
É necessária uma articulação de todos os setores para caminhar a trilha em direção à justiça climática
Por Igor Vieira, do Engajamundo
Obviamente o tempo que as partes se referem é outro. A atuação está longe de acontecer se depender dos resultados da Conferência da ONU sobre o Clima de 2019. Até a organização se colocou insatisfeita com o andamento das negociações. Nos últimos dias de conferência, antes do término das negociações, o secretário geral António Guterres fez uma declaração pedindo mais ambição aos países.
A ONU parece esquecer que durante os processos de construção do diálogo e da necessidade em garantir ambição é preciso dar certa autonomia a quem está de fato pressionando por ação: a sociedade civil. Nunca antes houve tanta repressão às ações de sociedade civil como no ano passado — sim, é indispensável que se execute protocolos nas COPs, mas agredir mulheres indígenas e expulsar mães da venue com seu filho dentro do espaço foi demais. A COP 25 fica marcada como uma COP de violações.
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É sabido que a conferência não é um espaço fácil para a sociedade civil. Para mim, menos ainda: jovem do sul global. Uma audácia! É quase um tapinha no ombro dizendo: “você que lute”. Depois de duas semanas de diálogo, trabalho, ações e tentativas de incidir num processo tão complexo e demorado como esse, um grande questionamento surge: quando vamos levar em consideração quem de fato importa na crise climática?
Acordos são fundamentais, não se pode deslegitimá-los. O Acordo de Paris clama por uma prática efetiva para proteger a humanidade, mas o quão humanos somos quando esquecemos as pessoas que estão na linha de frente dessa crise? Onde está a gana de incluí-las nos processos que estão lidando com a sua existência?
Em 2019, muitas vozes indígenas e de jovens estiveram pelos corredores da Feria de Madrid, talvez a maior quantidade da história da COP. Ainda assim, essas vozes não estavam no lugar que deveriam estar. Como esperar que essas realidades fossem vistas e ouvidas quando quase todos os clamores foram feitos em side events ou em corredores?
Com muito esforço, o sul global e povos originários conseguiram ter certa representação na conferência, que aconteceu pela quarta vez na Europa. Ainda não é o suficiente. Quando indígenas e jovens estiverem ajudando a negociar e a tomar decisões chegaremos a um começo ideal.
Essa foi a maior negociação de clima da história em termos de duração, que tinha tudo para entregar um bom resultado devido à pressão para apresentar planos ambiciosos e concluir, finalmente, regras para o acordo de Paris. É notável que já passou do tempo de estar nos lugares que as partes e a ONU querem que a sociedade civil esteja. Indígenas possuem o conhecimento tradicional para combater a crise e a juventude tem a ousadia e o conhecimento técnico necessário para seguir adiante desenvolvendo uma nova cultura de lidar com o meio ambiente. Ajudando a tomar as decisões é o lugar necessário para incidir nessa mudança de cultura.
Os países e seus negociadores não foram capazes de criar ferramentas que direcionem corretamente o que o Acordo de Paris preconiza. Falharam em projetar o mercado de carbono, não definiram uma linha do tempo para planos nacionais dentro do acordo, não pensaram em novas formas de garantir financiamento climático para países mais vulneráveis. Onde fica o tempo de atuar que fizeram questão de esfregar na cara do planeta durante todo o ano de 2019?
A realidade é essa: havia um universo paralelo que separou as partes da sociedade civil na conferência. Não havia uma sintonia mínima entre pensamentos e ideias ambiciosas para o combate à crise climática. Há um gap entre o que as ruas estão gritando e o que está sendo posto em prática. A resposta para isso é óbvia: a pressão econômica para que países não mudem seu sistema que moldou a forma como as decisões foram tomadas na COP deste ano e em tantos outros que passaram.
Para quem não entende bem o motivo de tanta aspereza, segue um resumo do que aconteceu em duas semanas de conferência em Madrid e que refletirá em sua existência enquanto pessoa que habita a terra:
Para 2020
As partes decidiram deixar questões complexas para 2020 no âmbito de:
- Transparência: os últimos detalhes do Mecanismo de Transparência no âmbito do Acordo de Paris não foram minimamente resolvidos;
- Prazos comuns: um dos tópicos mais adiados. Passou para 2020 e não vai considerar o trabalho realizado até o momento;
- Comitê de Adaptação: não houve um acordo devido à falta de apoio ou meios de implementação concretos.
Este ano as negociações se estenderam até o meio dia do domingo, 16 de dezembro, chegando a 44 horas a mais do que estava programado e essa é a situação dos temas mais especulados durante todo o processo:
Artigo 6º no mercado de carbono
Embora os textos pareçam mais detalhados, não houve um acordo entre os países pelo segundo ano consecutivo. Todo o assunto foi adiado para a próxima COP e os textos já produzidos serão base para as próximas negociações.
O principal conflito aparentemente foi a transferência de créditos de Kyoto para o novo acordo e a capacidade de usar a contagem dupla. A Austrália e o Brasil estavam apoiando a dupla contagem desde a COP 24, o que não mudou esse ano. Paralelo a isso, a Costa Rica junto com um grupo de 30 países criaram os “Princípios de San José”, que estabelecem demandas por ambição e integridade dos mercados de carbono.
Perda e danos
A maior questão para esse tópico foi financiamento (formas de garantir financiamento climático). O texto produzido preconiza a criação de um painel com especialistas que analisem financiamentos de perdas e danos. Não surgiram ideias novas sobre financiamento.
A COP25 foi nomeada “COP da ambição”. Isso deveria ser um lembrete a necessidade de melhorar as NDCs das partes até 2020, para manter o aumento da temperatura abaixo dos 1,5°.
Infelizmente o que houve foi uma grande falha na inclusão de ambição no texto final. Há no próprio texto uma ênfase ao gap de ação que vivenciamos e um grande reforço ao Acordo de Paris.
Uma coisa boa que aconteceu nessa COP foi a criação de um plano de trabalho de cinco anos para incluir de forma mais direta as questões de gênero na UNFCCC. Criou-se também um plano de trabalho de seis anos que deverá focar em questões relacionadas aos impactos da ação climática, práticas para uma transição justa, diversificação econômicos, e vários outros aspectos correlatos.
A essa altura do campeonato você deve estar se perguntando: e o Brasil?
Vamos lá… O país foi, talvez pela primeira vez na história de sua participação nas COPs, isolado. A equipe brasileira não tinha a ambição, o interesse necessário e talvez nem o conhecimento mínimo para acompanhar as negociações com a seriedade que o momento pede. Pedidos de recurso para frear o desmatamento, investimentos para desenvolvimento na Amazônia e conversas com países que possuem NDCs pouco ambiciosas marcaram a participação brasileira na conferência.
A situação é tão grave que em duas semanas de conferência o Brasil ganhou três prêmios fossil of the day — prêmio simbólico dado pela Climate Action Network para os países que se esforçam muito para fazer pouco. O país possui quatro “prêmios” fóssil, o primeiro recebido ano passado, na COP 24 — o que parecia ser um prólogo para a história mal escrita que se vive hoje.
Saí da COP 25 não decepcionado, pois saí assim da COP 24, em Katowice. Dessa vez eu saio com sangue nos olhos, e para quem não entende o que isso significa, traduzo em miúdos: estou com raiva e motivado. É necessária uma articulação de todos os setores para caminhar a trilha em direção à justiça climática. É preciso levar as reivindicações das ruas para esses espaços e, assim, começaremos a criar uma nova cultura ambiental. Temos uma estrada até a COP 26. É tempo de continuar mostrando que quem está atuando de fato está mudando o planeta da forma como pode e com os poucos recursos se tem.