Sobre o Carnaval e a insegurança para a mulher

Por Nathalia Waldow, diretora jurídica do Women Friendly e fundadora da Associação das Advogadas pela Igualdade de Gênero do DF

31/01/2018 19:12 / Atualizado em 06/02/2018 10:57

O tema é assédio. E é aquele lato sensu mesmo, aquele que, principalmente, nós, mulheres, sofremos na rua, no transporte público, no trabalho, no tribunal, na festa, no bar. É aquele que não há qualquer relação de hierarquia declarada – a não ser aquela existente na cabeça de quem se se sente no direito de assediar.

Folionas pedem respeito às mulheres em bloco de Carnaval de São Paulo
Folionas pedem respeito às mulheres em bloco de Carnaval de São Paulo

É aquele assédio que te paralisa. Que te desmoraliza. É aquele assédio que te acua, que te faz questionar se a culpa é sua, se você provocou, se você está vestida adequadamente.

O Carnaval está chegando e com ele chega o pesadelo das mulheres. Dados relativos ao Carnaval de 2016 mostram que os relatos de violência contra a mulher quase triplicaram neste período, em relação ao período equivalente a 2015, tendo o Ligue 180 recebido um total de 3.174 telefonemas de mulheres afirmando terem sofrido violência.

De acordo com um balanço divulgado pela PM em 2/3/2017, ao menos uma mulher foi agredida a cada 3 minutos e 20 segundos na capital fluminense entre as 8h de sexta-feira (24) e as 8h de quarta-feira (1º) – período do Carnaval. Os dados são alarmantes se considerarmos que a violência é estritamente de gênero e que se trata de uma violência subnotificada, mormente quando falamos de assédio.

E assim, concluímos é que o feriado mais festejado pelo país representa uma data perigosa para as mulheres. Por este motivo, campanhas como #AconteceuNoCarnaval, em 2018 com abrangência nacional, são essenciais para mostrar dados que sejam subsídio para o governo tomar providências – não só aumentando o efetivo policial em locais críticos para a mulher, mas educando população e força de segurança sobre o que é o assédio e como é importante intervir para garantir uma festa segura para todos. Neste ano, as startups Women Friendly e Mete a Colher, além das redes Minha Sampa e Meu Recife, com apoio do Catraca Livre, estão oferecendo um site para que mulheres denunciem onde e como foram assediadas.

Por um lado, temos uma cultura que não reconhece o assédio como prática criminosa e, por outro, mulheres que não recebem o devido atendimento e amparo quando vítimas de tal violência. Temos um sistema absolutamente despreparado para lidar com o tema, e mulheres que – absorvidas pela cultura do estupro, que culpabiliza a vítima – não se sentem no direito de realizar a denúncia da agressão.

O assédio é crime e está previsto na legislação brasileira. Dispõe o artigo 146 do Código Penal, que é crime “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda”.

Não obstante, ainda temos o artigo 61 da Lei de Contravenção Penal que afirma ser uma contravenção “importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor”

E, ainda, temos o artigo 65 da mesma lei que consigna que “molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável” também deve ser enquadrado como contravenção.

A pena é pequena? Infelizmente é, mas é capaz de valorar negativamente os antecedentes criminais, o que já é de extrema importância. E, ainda, é preciso ter em mente que, enquanto subnotificarmos esses crimes, estaremos endossando a cultura machista e misógina que vivemos.

Assim, ainda que os legisladores insistam em colocá-lo como crimes de menor potencial ofensivo, fato é: assédio ofende, amedronta e humilha.

É preciso parar de culpar a roupa, a cor da unha, o tamanho do salto alto e do decote, o tamanho do brinco e a cor do batom pelo assédio. É preciso parar com o discurso de que a vítima tem que passar mensagens claras de que não quer se assediada.

Aliás, se algo tem que ficar claro é que a regra e a mensagem padrão é uma só: ninguém quer ser assediado. Esta é a presunção, este é o ponto de partida.

Ah! E “não” é “não”, e não um “talvez” ou “insista mais um pouco que eu vou querer”. Não é não. É simples. E não respeitar o “não” é crime.

  • #AconteceuNoCarnaval é uma campanha de Mete a Colher, Women Friendly e das redes Meu Recife e Minha Sampa. Neste ano, a ação tem o apoio da iniciativa #CarnavalSemAssédio, promovida pelo Catraca Livre.