#SomosSofia: Maternidade referência em humanização está ameaçada
O Hospital Sofia Feldman, em Belo Horizonte, virou referência mundial em atendimento seguro e humanizado ao parto. Sendo hoje a maior maternidade do Brasil, em números, oferece atendimento integral pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e, desde 2015, vem enfrentando uma dura crise financeira, que este ano vem movimentando o país todo.
No início de fevereiro, leitos foram fechados e funcionários do hospital iniciaram uma greve por pagamento de salários, atrasados desde dezembro. Segundo a direção, hoje a maternidade recebe R$ 5 milhões por mês, enquanto os gastos passam de R$ 6,5 milhões.
Atualmente a gestão administrativa e financeira da instituição é controlada pela Fundação de Assistência Integral à Saúde (FAIS). No entanto, em fevereiro, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) se ofereceu para assumir. De acordo com a assessoria de comunicação da Secretaria Municipal de Saúde, a proposta é que seja indicado um diretor para analisar os gastos e reorganizar o orçamento.
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A médica Sônia Lansky defendeu ao Brasil de Fato que a intervenção é autoritária, sem debate e sem a participação da sociedade. Ela defende ainda que o problema não é a má administração dos recursos, e sim a falta deles:
“A gestão do Sofia é única, porque está fazendo milagre com esse recurso. São mil partos por mês, 60 leitos de unidades neonatal e tudo com uma assistência humanizada aos trabalhadores, às mulheres e às crianças. Além disso, a maternidade faz prestação de serviços inovadores, com iniciativas que foram incorporadas a políticas públicas”
A crise vem afetando a maternidade em várias áreas e prejudicando o atendimento. “Estamos sem estoque. O que temos hoje garante só o atendimento dessa semana. Para a próxima, compraremos o que o dinheiro der. E assim a gente segue”, relatou ao site Hoje em Dia o diretor técnico-administrativo da maternidade, Ivo Lopes.
A reunião dos conselheiros da entidade e da FAIS para decidir se seria ou não acatada a sugestão da Prefeitura estava prevista para dia 27 de fevereiro. Entretanto, nada ficou definido, já representantes da administração municipal não compareceram.
“Iríamos definir (no dia 27) a possível parceria, mas não dá para votar sobre algo que não sabemos como funcionaria. Queremos saber os termos exato”, declarou Ivo, já garantindo que rejeitariam possíveis cortes de funcionários. Ficou determinado, na reunião, que o Sofia Feldman aguardará uma manifestação formal da Prefeitura.
Na plenária, a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) se comprometeu a liberar cerca de R$ 1,3 milhão para a quitação dos salários atrasados dos funcionários da maternidade.
- Mobilização
Várias ações estão sendo feitas em defesa do Sofia. Além de ações do próprio hospital, estão ocorrendo mobilizações de funcionários, profissionais e ativistas da humanização, famílias assistidas pelo Sofia e comunidade. Existem até campanhas virtuais para arrecadação de fundos, como a Abrace o Sofia, uma vaquinha virtual.
A mobilização em defesa do hospital ganhou força nas redes sociais. No Facebook, a página Mexeu com o Sofia, Mexeu com Todas já tem mais de quatro mil curtidas e são publicadas notícias, mensagens de apoio, manifestações e novidades sobre o caso.
Além disso, o próprio hospital lançou em sua página a campanha Defender o Sofia é Defender o SUS, que disponibiliza inclusive um avatar para a foto de perfil do Facebook, em apoio à causa, e promove as hashtags #SomosSofia #AbraceoSofia.
Em meio à crise, os próprios funcionários têm se mobilizado para manter a instituição. Um setor de captação de recursos foi criado para buscar doações e suprir as necessidades do hospital. No departamento chegam desde fraldas e fórmulas de leite até lençóis e insumos necessários para o trabalho da equipe médica.
Alessandra Campos Monteiro, à frente das captações, criou ainda um brechó entre eles – apesar de não arrecadar muito, a iniciativa ajuda. “A gente usa esse dinheiro em emergências. Tem dia que ligam de outros setores falando que não tem coisas básicas. Então, precisamos mesmo nos desdobrar” – declarou.
- O Sofia Feldman
A maternidade é hoje responsável pelo atendimento de 400 mil pessoas, dos Distritos Sanitários Norte e Nordeste, em Belo Horizonte. Como atua de portas abertas, se tornou referência para pacientes de todo o estado, para gestações de risco e partos humanizados.
São 185 leitos, sendo 87 obstétricos, 41 em Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal (UTI), 45 em Unidade de Cuidados Intermediários Neonatais (UCI), e 12 de outras clínicas. Por mês, o Sofia Feldman realiza cerca de 900 partos.
Além de garantir a muitas mulheres o acesso a um parto respeitado e sem custo em Belo Horizonte, o Sofia Feldman tem uma UTI neo natal que recebe bebês de 300 municípios mineiros.
Fundado em 1982, tornou-se referência nos partos normais com o mínimo de intervenção possível, além de oferecer assistência humanizada para gestantes e familiares. O Sofia dá voz às mulheres – são elas que decidem se querem ou não ser anestesiadas, em qual posição preferem dar à luz e qual música ou ambientação desejam ter.
Bola de pilates, banquinhos, banheira e chuveiro são alguns dos recursos disponíveis para oferecer as melhores condições na hora do parto.
Na maternidade, há ainda um grupo de voluntariado – são 14 mulheres da comunidade que já passaram pela experiência da maternidade, divididas em turnos para atender 24 horas na Instituição. O trabalho delas é oferecer apoio às famílias durante permanência no hospital, orientando e incentivando o aleitamento materno.
Outra iniciativa do Sofia é o projeto Doulas Comunitárias, mulheres que dão conforto e apoio emocional durante o trabalho de parto e nascimento. O projeto teve início com o trabalho voluntário e, em 2014, as doulas voluntárias passaram a compor o quadro de funcionárias da instituição.
O Hospital Sofia Feldman também passou a oferecer, no fim de 2013, o parto domiciliar para gestantes de baixo risco. O parto acontece em casa, com assistência de enfermeiras obstetras, tendo retaguarda de obstetra, pediatra e de toda a estrutura hospitalar. É o único serviço prestado pelo SUS no Brasil e desde a sua inauguração, já atendeu 136 famílias.
- Ameaça
Justamente por prestar um atendimento diferenciado e 100% SUS, o Sofia Feldman é considerado uma ameaça. André Lanza, residente de Ginecologia e Obstetrícia do hospital, defende que o modelo humanizado do parto resiste ao Conselho Regional de Medicina (CRM), às corporações médicas e à indústria farmacêutica. “O Secretário de Saúde é médico e sempre foi ligado ao CRM. Ele possui muitas críticas ao modelo do Sofia”, afirma.
André também acha que a intervenção da Prefeitura na gestão do hospital pode ser uma ameaça ao método de humanização do parto. “O grande receio do corpo clínico do hospital, da comunidade que é assistida e dos grupos de mulheres é que isso seja um pretexto para mudar a filosofia do hospital, com perdas de direitos tanto para as mulheres quanto direitos trabalhistas”, afirma o profissional, que também faz parte da Rede de Médicos e Médicas Populares.
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