‘Transformei a dor da perda em uma ação solidária’, diz mãe
Após a morte da filha por câncer, Tatiana Piccardi fundou a AHPAS, uma instituição que oferece transporte a crianças em fase de tratamento contra a doença
“Em 1997, eu, meu então marido e nosso filho mais velho, Guilherme, vivemos uma situação bastante complicada. A Helena, nossa filhinha que tinha 5 anos na época, teve um tumor cerebral muito grave e irreversível, e a gente teve que lidar com isso. Não foi nada fácil, mas, por esses milagres que a gente não explica muito bem, foi possível transformar a dor da perda em uma ação solidária”, afirma a professora Tatiana Piccardi, de 58 anos.
Quando a filha foi diagnosticada com câncer, a mãe ficou ao seu lado durante todo o tratamento. Acompanhava Helena diariamente até o Instituto da Criança no Hospital das Clínicas, onde entrou em contato com outras mulheres e crianças na mesma situação. Nessa época, percebeu algo impactante: muitas pessoas vinham de longe com os filhos para realizar o procedimento e viviam dificuldades no transporte público.
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“Conversando com médicos e assistentes sociais, eles falaram que a questão do deslocamento é um problema seríssimo no tratamento do câncer. Os pacientes mais pobres gastam horas no percurso, e as crianças são expostas a todo tipo de vírus e bactéria por causa do contato, sendo que já estão com imunidade baixa. Isso faz com que cheguem ao hospital muito menos dispostas a enfrentar o que têm que enfrentar. Muitas abandonam o tratamento, inclusive”, explica Tatiana.
Dois anos depois da morte de Helena, a mãe transformou o luto em luta: fundou, ao lado do então marido, o professor Luiz Maurício, a AHPAS (Associação Helena Piccardi de Andrade Silva), uma instituição que oferece transporte a crianças e adolescentes que estão em fase de tratamento contra o câncer. “Foi uma forma de homenagear a nossa filha e aprender com o legado da existência dela”, conta ela.
Segundo Tatiana, o projeto foi muito apoiado pelos médicos, tanto por ajudar na adesão ao tratamento, como também por colaborar com a prática atual, do “hospital dia”, que mantém a internação apenas em último caso. Para fazer o transporte, a família começou com algo modesto e sem muitos recursos. “A gente precisava de alguém com disponibilidade de tempo e um carro para levar um ou dois pacientes. E foi isso o que nós fizemos. Usamos o nosso próprio carro, e eu comecei a trabalhar como voluntária a maior parte dos meus dias”, relata.
De acordo com a professora, na época, as pessoas não entendiam o transporte como serviço social e parte da saúde. Para ela, não adianta ter o melhor médico, o melhor hospital e o melhor protocolo de tratamento contra o câncer se a criança não chega ou se desiste durante o processo.
Hoje, depois de 19 anos desde a fundação da AHPAS em 1999, a ONG tem uma pequena frota de veículos e inúmeros voluntários, além de relatos emocionantes de como foi a experiência de receber esse carinho no transporte. “Fomos reconhecidos hoje tanto na assistência social como na saúde, mostrando a importância do transporte na oncologia pediátrica e como parte do tratamento”, diz a mãe.
No carro da associação, as crianças e adolescentes, moradores ou não de São Paulo, encontram saquinhos adequados a enjoo com vedação para usarem quando quiserem, podem dormir se estiverem cansados e levar um acompanhante. Além disso, um profissional do Programa Educação e Movimento a Bordo, da instituição, participa do transporte, dando apoio à família em todos os sentidos e propondo atividades lúdicas e educativas para aquelas crianças que estão mais dispostas.
Além do transporte terrestre, a organização oferece transporte aéreo, que é o mais indicado quando a criança reside em outra cidade no país e precisa fazer o tratamento na cidade de São Paulo.
“Eu sou mãe da Helena e virei ‘meio mãe’ de todas as crianças que já passaram pela ONG. Hoje a AHPAS tem dezenas de mães maravilhosas no dia a dia promovendo a garantia de que esse cuidado permanecerá e que essas crianças receberão o que merecem. Eu sou a mãe inicial e hoje temos tantas outras. O amor é a base de tudo”, finaliza Tatiana a respeito da importância do trabalho da AHPAS em todos esses anos.