Trecho do livro de Oswaldo Mendes

Por: Catraca Livre

Da Vila Sapo à noite suja

Ao contrário do que se espalhou com a conivência do próprio personagem, Plínio Marcos não nasceu em família pobre nem era analfabeto. Filho de pai bancário, profissão que o situava na classe média, viveu uma infância livre nas ruas de chão batido numa vila de poucas casas, em uma cidade de intensa atividade econômica, cultural, política e sindical. Frequentou piscina de clube e foi matriculado em escola particular na esperança de que tomasse gosto pelos estudos.

A aversão à escola surgiu por um fato singular. Plínio era canhoto numa época em que isso, embora não fosse mais “coisa do demônio” como na Idade Média, indicava um desvio a ser corrigido por métodos pedagógicos que incluíam tapa ou reguada na mão esquerda sempre que ela ameaçasse pegar o lápis. A falta de ensino formal seria compensada por uma intuição forte e a leitura de jornais, revistas e livros, começando pela literatura espírita, por infl uência paterna. Viver no cais, entre putas, marinheiros, gigolôs e malandros, jogar futebol em terrenos baldios e praias e zanzar errante pela cidade não eram seu privilégio. Faziam parte da rotina de todo garoto de Santos naqueles tempos. O que o diferenciava era a capacidade de reter histórias e exercitar a imaginação. 

Não surpreende que o circo, porque não deu sorte no rádio, tenha sido o primeiro caminho de quem queria ser artista, pois jogador de futebol não era profi ssão confi ável e as outras, bancário ou funileiro, não o atraíam. Do circo ao teatro amador, à convivência com notável círculo de artistas e intelectuais reunidos no Bar Regina, no Gonzaga, Plínio Marcos não demorou a traçar o seu destino nos palcos, como ator, diretor e dramaturgo. Da primeira peça, Barrela, escrita em Santos, a Dois perdidos numa noite suja, que o lançou defi nitivamente como autor de teatro, foi um difícil aprendizado nos primeiros anos em São Paulo.

Nesse período, três mulheres entraram na sua vida. A agitadora Patrícia Galvão, a Pagu, estrela dos modernistas brasileiros, foi a primeira. Ela o fez perceber o seu talento e os seus limites de dramaturgo. As atrizes Walderez e Cacilda ele as conheceu assim que se mudou para São Paulo. Com Walderez, a quem chamava, e só ele, Dereca, casou-se e teve três fi lhos. Com Cacilda Becker estreou como ator profissional e aprendeu que o teatro era mais que uma profi ssão, era destino. Vocação.

Já um homem de teatro com reconhecimento nacional, e popular pela novela Beto Rockfeller, Plínio Marcos se reencontra com o público da sua cidade. O palco não é mais o acanhado Clube de Artes, onde fez os primeiros trabalhos como ator e diretor, nem o picadeiro de um circo, mas o histórico e ainda imponente Teatro Coliseu, indiferente à decadência que se avizinhava. A apresentação de Dois perdidos numa noite suja foi marcada para a noite de segunda-feira, 5 de maio de 1969. Em Santos, Plínio se tornara figurinha fácil e carimbada nos palcos, picadeiros, cabarés do cais, esquinas e mesas do Bar Regina dez anos antes. Agora, era um nome nacional.