Um adulto que mantem relação com adolescente pode ser preso?
Entenda como funciona o processo penal que poderia levar alguém a ser preso por cometer o crime de estupro de vulnerável
Neste último domingo, 25, internautas repercutiram a polêmica de um possível namoro envolvendo uma adolescente de 13 anos com um adulto de 19, que de acordo com eles, teriam uma relação consentida tanto por parte da garota, quanto pelos responsáveis. A conta no Tik Tok conjunta deles já ultrapassa 1 milhão de seguidores.
Uma corrente de repreensão do suposto casal gerou uma grande revolta nas redes sociais. Muitas pessoas acusam o homem de 19 anos de “pedófilo”, outras alegam que a possível relação é considerada crime. Mas, afinal como a lei funciona em casos como esse?
A Catraca Livre entrevistou Ednardo Mota, advogado criminalista e especialista em Direito Penal, Processo Penal e Criminologia formado pela UERJ, para saber se, um relacionamento entre uma menina de 13 anos e um rapaz de 19, mesmo que consentido por parte dela e dos pais, poderia ser julgado e posteriormente haver condenação.
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O que a lei considera como criança?
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, até os 12 anos incompletos, a pessoa é considerada criança. Dos 12 aos 18 anos, adolescente. O Código Penal também estabelece a imputabilidade penal, a partir dos 18 anos, quando então a pessoa é considerada adulta e pode ser responsabilizada no âmbito criminal.
O crime de estupro de vulnerável é definido pelo artigo 217-A do Código Penal e consiste na prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso com pessoa menor de 14 (catorze) anos, delito para o qual é prevista uma pena de 8 a 15 anos de prisão.
“A lei faz uma presunção de vulnerabilidade das pessoas com menos de 14 anos, de forma que mesmo o consentimento da vítima ou de seus pais ou responsáveis, em tese, não seriam suficientes para afastar a ocorrência do crime”, afirma o advogado.
O que é considerado crime?
Ednardo fala que para que um relacionamento de uma criança ou adolescente com um adulto possa ser considerado crime, é necessário que haja no mínimo a prática de ato libidinoso. “Não sendo necessário que ocorra a penetração, mas um beijo lascivo, por exemplo, já seria suficiente para configurar o crime de estupro de vulnerável”, disse.
O tema ainda é bastante divergente entre juízes e tribunais, afinal eles podem usar outros casos que a responsabilidade criminal de jovens adultos que mantiveram relações afetivas e sexuais com adolescentes tenha sido deixada de lado, no contexto específico dos casos.
A relativização de alguns magistrados podem se basear a presunção de vulnerabilidade da criança ou adolescente não é absoluta.
“Nesse sentido, o consentimento da adolescente e de seus pais podem ser utilizados na defesa de uma eventual acusação de estupro de vulnerável, mas seria sempre uma situação de incerteza e insegurança jurídica, pois o desfecho do caso estaria condicionado a uma interpretação judicial do caso específico, que pode ser bastante diversa dependendo do entendimento do magistrado responsável por julgar a ação penal”, fala Ednardo.
Casos como esse podem ser denunciados por terceiros?
Em casos semelhantes a esse, de uma relação de um adulto e uma criança ou adolescente, qualquer autoridade policial (delegado (a) de polícia) tem a possibilidade de começar uma investigação se tiver conhecimento do fato, sendo ele direto ou através de notícia crime advinda de qualquer outra pessoa. Cabe ao Ministério Público iniciar o processo judicial, oferecendo denúncia à justiça, e claro, se houver prova da ocorrência do crime e indícios suficientes.
Ao ser acusada do crime de estupro de vulnerável, a pessoa vai ser avisada para apresentar resposta à acusação escrita em um prazo de 10 dias, conforme previsto no artigo 396 do Código de Processo Penal brasileiro.
“Nessa ocasião, deverá constituir advogado para sua defesa processual ou buscar auxílio da defensoria pública de seu Estado. O juiz, ao analisar a defesa preliminar do acusado, pode absolvê-lo sumariamente, ou dar seguimento ao processo, designando data para a audiência de instrução e julgamento, iniciando a fase de produção de provas, como oitiva de testemunhas de acusação e defesa e a apresentação de documentos, fotos, vídeos, e tudo o que puder ser utilizado pelas partes para provar suas alegações”, explica o advogado criminalista.
“Ao fim da instrução probatória, tanto a Promotoria de Justiça quanto o advogado criminalista terão a oportunidade de apresentarem as alegações finais da acusação e da defesa, respectivamente”, complementa.
Após essa última fase do processo criminal, o juiz vai decidir a sentença, que pode absolver ou condenar o acusado. Em caso de condenação, a pena pode variar entre no mínimo de 8 anos a 15 anos de prisão.
Em que condição um adulto dentro da relação pode ser preso?
A regra do processo penal dá direito ao acusado em se defender em liberdade provisória, só devendo ser preso ao final do processo legal, com a pessoa condenada à prisão. Mas, vale ressaltar que existe a possibilidade de que seja decretada uma prisão temporária, ao decorrer de uma investigação policial, ou a prisão preventiva, no seguimento de um processo.
Essas prisões provisórias, antes de uma condenação definitiva pela justiça, apenas acontecem quando se tratam de crimes graves, com pena superior a 4 anos de prisão e se forem necessárias para o prosseguimento do processo. A ação também pode ocorrer em caso de proteção da sociedade, quando o acusado está representando perigo para terceiros, esteja ameaçando a vítima e testemunhas, tente criar dificuldades para o julgamento ou pretenda fugir da aplicação da lei penal.
“Deste modo, é possível sim que um adulto que mantenha relação com uma criança ou adolescente possa ser preso, antes durante ou ao fim de um processo, dependendo das circunstâncias concretas do caso, das provas existentes e das interpretações que forem dadas ao caso pelos agentes do sistema de justiça criminal, como delegados promotores e juízes”.
É bastante comum que haja uma confusão entre as pessoas com relação ao conceito jurídico do crime de estupro de vulnerável e do crime de pedofilia, sendo que com relação à pedofilia existem diversos crimes específicos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Estupro de vulnerável no Brasil
Crianças de zero a 11 anos são as mais atingidas em todos o país. O Brasil registrou 66.041 casos de violência sexual, o maior já contabilizado pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em 2019. Desse total, 53,85% tinham até 13 anos: quatro meninas com até essa idade foram estupradas por hora no país.