Um dos textos mais bonitos a respeito da cidade de São Paulo
Na semana do aniversário de São paulo, o Catraca Livre selecionou o um dos textos mais representativos a respeito da cidade, escrito por uma mulher que não é paulistana de raiz, mas sim de coração, a colunista Mariliz Pereira Jorge, da Folha. Segue:
“Não se fala em outra coisa: São Paulo. Sobre o grafite que virou cinza. O limite de velocidade das marginais. As filas dos hospitais. O futuro dos sem-teto. O kit Unilever. A favor ou contra, é só no que se fala nas minhas redes sociais que são predominantemente formadas por paulistanos (por ter morado na cidade durante 16 anos), cariocas (por fixar residência no Rio há quase cinco anos) e paranaenses (minha terra natal).
No Rio, a programação de verão continua de vento em popa. Arrastão, bala perdida, aposentado falido, reza na prefeitura, mas o que a gente tem curtido discutir mesmo é se grafite é arte. Enquanto isso morre mais uma criança atingida por bala perdida. A 18ª em dois anos.
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A gente se acostuma com bala perdida. Bala perdida no dos outros é refresco. Bala perdida do outro lado do morro é default. Desse lado do morro, onde o Rio é a cidade mais linda do mundo, a gente discute se grafite é arte, se a marginal pode ser mais rápida, se precisa de mais ciclovia. Ciclovia em São Paulo, que fique claro. A ciclovia mais bonita do mundo, aquela do legado da Olimpíada, continua fechada, desconstruída. Saldo: dois mortos. Ninguém mais fala disso. Aqui a gente discute o que faz com os mendigos. Com os mendigos de São Paulo.
Só pode ser fuga da realidade. Negação do caos. Desesperança.
E eu digo uma coisa: tenho inveja do paulistano. Porque São Paulo está cheia de problemas ruins, mas vários outros muito bons para resolver. Tenho inveja do paulistano nascido e do paulistano criado. Porque todo mundo que vai morar em São Paulo torna-se filho daquela cidade. Todo mundo que mora lá bebe litros daquele caldeirão multicultural. Todo mundo que chega de mala e cuia sente-se um pouco dono, um pouco mãe, um tanto filho, depois de tanto apanhar, de ser explorado e maltratado pela cidade.
São Paulo é a experiência mais violenta e eficaz para alguém aprender o que é o mundo só de pegar o metrô da Sé ou passar o domingo na feirinha da Liberdade.
A gente amadurece dez anos em dois. A cidade te atropela, te mastiga e engole. A gente fica sem ar e nem é da poluição. Percebemos a pequeneza que somos diante daquela enormidade. Daí vem alguém que te abraça, te chama para ir à casa do amigo do amigo do amigo, que te recebe como se te conhecesse desde a infância e em cinco minutos vocês se tornam amigos para sempre. De verdade. Tão amigos que se matam porque um quer a cidade mais colorida e o outro mais cinza. Mas esse já é outro problema. O que importa é que em São Paulo você sempre vai receber uma mensagem com o endereço e o horário da festa, e nunca mais se sentirá sozinho no meio da multidão.
Que problemas bons para ter, que brigas ótimas para entrar.
E a gente aprende a ver beleza onde só havia caos. E só havia caos. Na metade dos anos 1990, quando me mudei para São Paulo, só havia caos, cinza e pichação. E São Paulo era uma das cidades mais feias do mundo. E eu já sabia disso sem mesmo conhecer nada do mundo, porque, como já falei, São Paulo é a experiência mais violenta e eficaz para quem quer meter o nariz nessa coisa chamada mundo.” Continue lendo direto na página da colunista