Vítimas da covid-19: pai de duas, o maqueiro Bruno amava salvar vidas
Nascido em Belém (PA), o profissional havia realizado o sonho de se tornar enfermeiro há menos de um ano, mas não teve tempo de iniciar a carreira
Apaixonado, sorridente, atencioso e dedicado. As palavras citadas na frase anterior representam um pouco de quem foi Bruno Campelo, nascido em Belém (PA) e criado em São Luís (MA). Pai de duas meninas, por quem dedicava sua vida, o maqueiro havia realizado há menos de um ano o sonho de virar enfermeiro, profissão que, infelizmente, não teve tempo de exercer, pois, aos 34 anos, se tornou mais uma vítima do novo coronavírus no Brasil.
Bruno viveu na capital maranhense até os 18 anos de idade, quando decidiu voltar a Belém e morar com a avó em Ananindeua, que faz parte da região metropolitana. Quando conheceu sua esposa, mudou de casa, esta que também era localizada nas proximidades de onde já vivia. Com 23 anos, teve a primeira filha, Bruna, e depois de sete anos teve a caçula, chamada Naila.
Segundo sua prima, Barbara Evellyn Brabo Santana, de 21 anos, o profissional da saúde começou a trabalhar como maqueiro em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), onde teve contato com a área da enfermagem de perto e logo se encantou. Foi então que resolveu fazer um curso técnico, para, enfim, buscar esse novo desafio.
Quando começou a pandemia da covid-19 no Brasil, o maqueiro trabalhava na UPA da Sacramenta, em Belém, uma das primeiras a chegar ao limite da capacidade de atendimento no estado. A unidade também foi a primeira onde trabalhadores tiveram de paralisar as atividades para cobrar equipamentos de proteção individual (EPIs). “Ele relatava sobre a falta de equipamentos e as condições precárias de trabalho. Inclusive, contou que profissionais tiveram que levar os próprios EPIs para se protegerem da doença”, afirma Barbara.
Apesar das circunstâncias, a maior preocupação de Bruno sempre foi com a família, pois há muitas pessoas do grupo de risco, e, principalmente, com as duas filhas. “Ele estava o tempo todo se preocupando, mesmo em seu estado de saúde mais crítico. O foco dele era esse: priorizar o cuidado acima de tudo e alertar a todos sobre a doença”, diz a prima.
Para além de um profissional que amava ajudar a salvar vidas, o paraense era conhecido por seu sorriso estampado no rosto. De acordo com a jovem, ele foi uma pessoa muito atenciosa e dedicada a tudo e a todos. “Toda vez que ele ia até a casa da minha avó nos visitar sempre estava sorridente, sempre vendo o lado bom de tudo. Dificilmente você o veria triste, para baixo, chateado…”, lembra.
Barbara recorda que seu primo a carregou no colo e a viu crescer, e, mesmo com a distância dos últimos tempos, nunca deixou de tratá-la com carinho e afeto: “A mesma relação que nós tínhamos desde quando eu era um bebê e ele adolescente permaneceu até o fim”, finaliza.
Inumeráveis
A história narrada acima faz parte do projeto artístico “Inumeráveis”, apoiado pela Catraca Livre. Vidas perdidas não podem se tornar apenas estatística, e a população não deve se conformar com os números em constante aumento. Foi a partir desses incômodos que nasceu a plataforma, criada pelo artista plástico Edson Pavoni com o objetivo de reverter a lógica fria com que as mortes pelo novo coronavírus têm sido retratadas no Brasil e prestar homenagem às vítimas.
O projeto tem a missão de valorizar, em forma de registros históricos, cada uma das vidas perdidas em função da pandemia do coronavírus no Brasil e dar visibilidade a histórias antes invisíveis. “O objetivo principal é ajudar as pessoas individualmente e a se conectarem de forma mais verdadeira com a profundidade, a abrangência e a seriedade do momento que estamos vivendo”, afirma Edson à Catraca Livre.
Para além da valorização das memórias, a ideia da ação é trabalhar com os rituais de luto. “Muitas pessoas têm perdido entes queridos e não têm conseguido promover esses rituais como elas gostariam. Hoje, a gente vê que o ‘Inumeráveis’ se tornou um desses lugares onde elas compõem seus processos de luto”, reflete o artista.
Os próprios amigos e familiares podem enviar um texto sobre a pessoa ou preencher um formulário para que a plataforma crie esta homenagem. Para isso, a iniciativa conta com uma rede voluntária de jornalistas, estudantes, escritores e contadores de história, de norte a sul do país, que narram de forma sensível, pessoal e respeitosa as peculiaridades da vida de cada vítima.
No futuro, o projeto quer materializar as histórias por meio de uma instalação artística em local público e aberto ao ar livre. “Trabalhar a memória do que estamos vivendo é importante para que a gente nunca se esqueça e para que nenhuma dessas vidas se perca”, diz Edson. Outro intuito para o próximo ano é usar essa mesma metodologia para retratar os desastres invisibilizados que acontecem diariamente no país, como o feminicídio e os assassinatos nas favelas.
O “Inumeráveis” é uma obra do artista Edson Pavoni em colaboração com Rogério Oliveira, Rogério Zé, Alana Rizzo, Guilherme Bullejos, Giovana Madalosso, Jonathan Querubina e os jornalistas e voluntários que continuamente adicionam histórias ao memorial.