Época prova que Lava Jato da Educação de Bolsonaro é uma farsa
Comentei aqui que a Lava Jato da Educação é, em essência, um projeto de marketing de Jair Bolsonaro.
É um truque para criar um fato – no caso, factóide – para nutrir sua imagem ( já abalada) de paladino contra a corrupção e, ao mesmo tempo, tocando em temas morais que alegram seu eleitorado.
A farsa do projeto está no seguinte: ele mistura gestão com corrupção.
Alega que o Brasil gasta muito em educação, mas os resultados são pífios.
Resultados são mesmo ruins – e, de fato, revelam desperdício de recursos.
Não é preciso fazer uma Lava Jato para saber, como já mostram centenas de relatórios, que o péssimo desempenho está associado à falta de valorização do professor e carga horária insuficiente.
Sobre os resultados ruins em testes internacionais como Pisa, veja o que diz uma das maiores especialistas de educação no Brasil, Cláudia Costin.
“O salário do professor é um dos mais baixos dos 70 países que participaram do Pisa”, diz. “Além disso, a nossa carga horária é a mais baixa entre eles. Temos, em média 4 horas, e isso é claramente insuficiente.”
A revista Época fez uma ótima reportagem detonando com fatos e números os argumentos que sustentam a Lava Jato da Educação.
Trechos:
Ao citar apenas os gastos em relação ao PIB brasileiro, no entanto, Bolsonaro não leva em conta quanto o país gasta por aluno — e esse número mostra uma realidade bem diferente em relação às nações desenvolvidas.
De fato, segundo dados do Tesouro Nacional divulgados no ano passado, o Brasil gasta atualmente, em educação pública, cerca de 6% do PIB, valor superior à média da OCDE (5,5%) – que engloba as principais economias mundiais – e de pares como Argentina (5,3%), Colômbia (4,7%), Chile (4,8%), México (5,3%) e Estados Unidos (5,4%). De acordo com os números, cerca de 80% dos países, incluindo vários países desenvolvidos, gastam menos que o Brasil em educação relativamente ao PIB.
A realidade é diferente quando se trata do gasto do país por aluno. O estudo “ Education at a Glance 2017 ”, com números de 2014, mostra que a média dos países membros da OCDE era de US$ 10.759 anuais por aluno, levando em conta todos os níveis de educação. Já o Brasil desembolsou apenas metade do valor: US$ 5.610 anuais. A situação é melhor no ensino superior do que na educação básica: no primeiro, o investimento por aluno é de US$ 11.066 por ano, pouco abaixo da média dos países da OCDE (de US$ 16.143). Na educação básica, é baixo: fica em torno de US$3.800 por aluno, menos da metade da média dos países da OCDE US$ 10.106).
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Quanto deveria ser gasto
O Índice CAQi, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, calcula o quanto deveria ser o investido anualmente aluno para garantir o padrão mínimo de qualidade estabelecido no PNE na educação básica. Nas creches urbanas de tempo integral a Campanha Nacional estimou um valor/aluno de R$23.579,62; de R$ 9.607,02 na pré-escola em tempo parcial: R$ 7.545,06 nos anos iniciais do ensino fundamental e R$ 6.604,99 no tempo integral; e R$5.454,74 no ensino médio.
Os números diferem dos estimados pelo Fundeb (o Fundo da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação, que mostram uma estimativa de investimento anual por aluno no ensino público por Estado brasileiro. Segundo os cálculos da Campanha, o Brasil deveria investir até cinco vezes mais do que gasta hoje para garantir uma educação pública de qualidade da creche ao ensino médio — seriam necessários R$ 21.280,12 anuais por aluno para custear a oferta em área urbana, e hoje são pagos R$ 3.921,67 por meio do Fundeb.
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Aumento no investimento
Bolsonaro também afirmou que em 2003 o MEC gastava cerca de R$30 bilhões em educação e que em 2016 chegou a gastar quatro vezes mais: cerca de R$130 bilhões. O presidente não dá detalhes sobre os números que aponta, mas dados do MEC atestam que orçamento da Pasta, em 2003, era de R$33,3bi. Esse valor de fato saltaria nos anos seguinte, mas para um número ligeiramente diferente do apontado pelo presidente: dados do Portal da Transparência mostram que o orçamento para a educação, gerido pelo Ministério da Educação (MEC), foi de R$ 115,7 bilhões em 2018. Esse montante inclui tanto os valores destinados diretamente ao setor, como ensino superior e básico, e também transferências e valores gastos com serviços não vinculados diretamente à educação, como programas de alimentação e assistência hospitalar.
Desse total, o que foi executado de fato chegou a R$ 95,6 bilhões em 2018. A maior parte dos recursos fica com o ensino superior (R$ 29,6 bilhões), refletindo o aumento no número de estudantes nesse segmento. O segundo maior gasto são com as transferências para a educação básica, que totalizaram R$ 13,7 bilhões .Nessa conta está apenas a chamada “complementação ao Fundeb”. Ela é repassada a estados e municípios para evitar que o valor investido por aluno, nessas localidades, fique abaixo do mínimo nacional. No ano passado, essa complementação chegou a esses R$ 13,7 bilhões.
Além da complementação, o Fundeb contou em 2018 com outros R$ 39,95 bilhões, que são recursos provenientes de impostos e outras contribuições que são transferidas aos estados que, junto com os municípios, são os responsáveis pela educação básica. A divisão dos recursos é feita de acordo com o número de alunos matriculados na rede pública.
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Desempenho
O Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), a qual o presidente se refere é realizado a cada três anos e avalia o desempenho escolar de diversos países em três quesitos principais: matemática, ciências e leitura. A última edição foi realizada em 2015 e analisou 70 países. O Brasil ficou entre os dez últimos no ranking em ciências (63º) e matemática (65º), e ocupou a 59ª posição em leitura.
Costin ressalta que o mau desempenho também é consequência de outros fatores: a baixa valorização dos professores e a baixa carga horária, por exemplo. “O salário do professor é um dos mais baixos dos 70 países que participaram do Pisa”, diz. “Além disso, a nossa carga horária é a mais baixa entre eles. Temos, em média 4 horas, e isso é claramente insuficiente.”
A solução, segundo a especialista, passa por gastar mais, mas de maneira bem gerida. “Não faz sentido gastar mais do que a média internacional em ensino superior e menos em educação básica.”