Leia entrevista exclusiva e baixe músicas do rapper Rapadura
Nascido em Lagoa Seca, um bairro da periferia de Fortaleza, Francisco Igor Almeida Dos Santos, o Rapadura, vive desde 1997 no Distrito Federal. Ali teve seus primeiros contatos com o hip hop. “Conheci o movimento em Planaltina (DF). Primeiro através do break, logo em seguida veio o rap”, lembra. Suas composições misturam ritmos brasileiros como embolada, repente, coco, maracatu, capoeira, cantigas de roda, baião e forró, com influências sonoras estrangeiras como jazz, o soul, o funk, e, é claro, o hip hop.
Rapadura já participou da música “A Quem Possa Interessar”, do rapper GOG, ganhou o prêmio Hutúz, em 2007, na categoria “Grupo ou Artista Solo Norte/Nordeste”, e gravou a Mixtape FitaEmbolada do Engenho – Rapadura na Boca do Povo. Veio três vezes a São Paulo e fez apresentações na região do ABC, mas, no começo desse ano, debutou nos palcos das capital com apresentações na Matilha Cultural, Studio SP e no Mary Pop.
Conheça um pouco mais da história desse mano cabra da peste que promete revolucionar a cena hip hop brasileira.
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Clara Caldeira: Como você decidiu que queria fazer rap?
Rapadura: Já estava em mim, é como se, de alguma forma, eu já vivesse aquilo. Comecei fazendo, como se já soubesse a tempos fazer aquilo, não sei explicar. Com 13 anos de idade, ganhei um concurso de rap e eu era a única criança entre os participantes. Já estava em mim, eu só libertei o que havia dentro.
CC: Como veio a ideia de misturar ritmos regionais brasileiros com rap?
R: Meus pais brigavam muito comigo por eu compor rap, por eu fazer barulho em casa, rimando. Diziam que aquela música era barulhenta, muito agressiva e não me deixavam ouvir rap em casa. Pra ensaiar, eu tinha que ir pra rua e fazer à capella os sons antes de cantar. De tanto eles reclamarem e eu ver que eles gostavam de músicas regionais (baião e forró), eu decidi fazer algo com baião. Peguei um vinil do Luiz Gonzaga que meu pai ouvia sempre e decidi misturar. Recortei um pedaço da sanfona e da voz, montei uma batida em cima, fiz uma canção falando sobre nossa cultura e mostrei pra eles. Eles simplesmente adoraram! Foi aí que percebi que poderia unir as duas coisas, torná-las uma só. Cantar o que realmente tinha haver comigo e, através do rap, exaltar as minhas raízes.
CC: Qual foi a primeira música que você gravou nesse estilo? Como o público recebeu?
R: “Amor Popular”. Nessa canção, eu falo sobre o vaqueiro, a lavadeira, o repentista, o cordel e tudo que meu lindo Nordeste tem. As pessoas se identificaram muito, pois a raiz nordestina está em todos os lugares do Brasil. Esta essência está no sangue do brasileiro, o povo se via ali naquele ritmo, naquela embolada, naquele cenário agreste, berço desse país. Com isso, expandimos para além do rap, ultrapassamos a fronteira do estado e expandimos para o ‘uni-verso’.
CC: E o rap brasileiro de maneira geral? Tem influências do repente?
R: O rap e o repente fazem parte do universo do canto falado. Tanto no rap quanto no repente, existem as manifestações por melhorias, denúncias, a alegria de novas conquistas e coisas bonitas que a vida nos dá. Existem diferenças na questão da escrita. O rap é um pássaro livre, não tem uma métrica imposta, não tem uma regra, cada um faz à sua maneira. No repente, tem que rimar na sonoridade e na escrita. As rimas têm que ser perfeitas, tanto no som quanto na palavra e existe uma regra na métrica. São várias modalidades e para cada uma delas existe uma métrica e uma regra.
CC: Você já gravou algum disco? Independente ou por alguma gravadora?
R: Lancei um trabalho intitulado “FitaEmbolada do Engenho”, em 2010. Não é um disco oficial, mas lancei pra que tivesse um trabalho concreto, algo palpável pro povo poder conhecer, degustar e divulgar. A “FitaEmbolada” contém oito canções que retratam a cultura nordestina, embolada com batidas eletrônicas e recortes de samplers nacionais. Um trabalho independente, produzido por mim mesmo no meu próprio quarto com pouco recurso, mas com muita qualidade e essência.
CC: Quais são as dificuldades que você encontra para trabalhar o seu som? Você acha que as oportunidades ficam muito centralizadas no eixo Rio São Paulo?
R: O fato de estar afastado dos grandes pólos é um dos fatores que dificulta um pouco o meu trabalho. Mesmo tendo a internet como um meio alternativo para a divulgação, as pessoas sentem a necessidade de ver o artista, de sentir o calor humano, isso acaba me distanciando um pouco do público. Mas por outro lado, isso possibilita exercitar a superação e a criatividade. Criamos nossos próprios meios para chegar ao objetivo que queremos e ficar mais perto do nosso público. A música tem o poder de tocar as pessoas, de cortar fronteiras impostas pelo preconceito e até mesmo de inverter nossas condições e papéis. Antes eu era o artista que não tocava no eixo por ser de fora, hoje sou um artista respeitado e procurado para shows justamente por ser de longe e não estar sempre por lá. A valorização veio de forma natural. Ficar só na reclamação não adianta, o negócio é trabalhar. Nossas oportunidades somos nós mesmos quem criamos. Então, mãos a obra meu povo!
CC: Como o público te recebe aqui em São Paulo?
R: O público que acompanha o meu trabalho é um público que entende a cultura, que entende que a nossa raiz está plantada em todos os cantos. Nos reconhecemos uns nos outros, nos identificamos e somos como uma grande família em celebrações coletivas. Em São Paulo, a maioria da população é nordestina. Aqueles que não nasceram na terra tem o sangue de seus pais ou avós pulsando no coração. Naturalmente as pessoas sentem e se vêem ali, em cada “oxente é arrente”, em cada gesto expressado com sentimento, em cada grito de “viva!” ao final de nossas celebrações. Quando digo “Norte e Nordeste me Veste” (nome de uma música), não falo de mim, mas falo pelo povo, como povo, e como povo que sou permito-me gritar que sou um filho do Brasil.