Boechat não manteve sua doença em segredo. Fez dela uma lição
É impossível encontrar um jornalista sério que não respeitasse Ricardo Boechat.
Mesmo quem não gostasse dele.
Ele teve as habilidades do grande repórter que fareja o furo de longe.
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Mas gostaria de compartilhar uma experiência de vida de Boechat: sua crise aguda de depressão.
Transformou essa crise num jeito de ajudar o mundo.
Acho que devo uma explicação às centenas de pessoas que me escreveram nos últimos dias perguntando o que eu tinha e desejando minha pronta recuperação. Pois bem, queridos amigos, o que eu tive foi um surto depressivo agudo. Minutos antes de começar o programa de rádio da quarta-feira retrasada eu simplesmente sofri um colapso, um apagão aqui no estúdio.
Nada na minha cabeça fazia sentido. Nenhum texto era compreensível. Os pensamentos não fechavam e uma pressão insuportável dava a nítida sensação de que o peito ia explodir. Fiquei completamente desnorteado e achei melhor me refugiar no meu camarim e esperar socorro médico.
Quando finalmente minha doce Veruska me levou ao doutor e eu descrevi o que estava sentindo ele foi categórico em dizer que era depressão.
Que o estado de pânico, a balbúrdia mental, a insegurança e tudo mais eram sintomas clássicos do surto depressivo. Quem cai num quadro desses perde qualquer condição de continuar ativo, de pensar as coisas mais simples. A pessoa morre ficando viva.
E eu fiquei impressionado nestes dias com a quantidade de gente que sofre do mesmo problema.
Quando contei a alguns ouvintes que me ligaram o que estava acontecendo, muitos disseram já ter passado por isso, ou conhecer alguém que ainda passa ou já passou. O Barão me mostrou um vídeo produzido pela ONU indicando que esse fenômeno é global.
Uma amiga minha citou números da Organização Mundial da Saúde afirmando que a depressão é a doença que mais cresce no mundo. E o Bruno Venditti me mandou um texto muito bom do pregador Élder Holland sobre o assunto.
Tanto o vídeo da ONU quanto esse texto deixam claro que é importante não esconder a doença, não esconder a depressão.
Não tratá-la na clandestinidade. É importante aceitá-la para combatê-la – e todo o silêncio, do próprio doente ou de quem está à sua volta, dificulta a recuperação. Essa necessidade de não fazer segredo, além da sinceridade que faço questão de manter na relação com os ouvintes, é a razão deste depoimento pessoal.
O texto que eu li fala do ‘transtorno depressivo maior’ lembrando que isso não significa apenas um dia ruim, ou um contratempo, ou momentos de desânimo ou ansiedade, que são coisas que todos temos normalmente. A depressão é muito mais que isso e muito mais séria.
É uma aflição tão severa que restringe a capacidade de uma pessoa funcionar plenamente, um abismo mental tão profundo que ninguém pode achar que vai se safar apenas endireitando os ombros ou pensando coisas positivas. Não, minha gente, essa escuridão da mente e do estado de espírito é mais do que um simples desânimo.
É um desequilíbrio da química cerebral, algo tão físico quanto uma fratura óssea, ou um tumor maligno.
O texto que eu li ensina que para prevenir a doença da depressão é preciso estar atento aos indicadores de estresse em sua própria vida. Assim como fazemos com nosso carro, é fundamental observar a temperatura do nosso motor interno, os limites de nossa velocidade, ou o nível de combustível que temos no tanque. Quando ocorre a ‘depressão por exaustão’, que foi o meu caso, é preciso fazer os ajustes necessários.
A fadiga é o inimigo comum e recuperar forças passa a ser uma questão de sobrevivência. A experiência mostra que, se não reservarmos um tempo para nos sentirmos bem, sem dúvida depois teremos que dispender tempo passando mal.
E foi o que aconteceu. Mas a cura existe.
Às vezes requer tratamentos demorados. Mas, como está no texto que eu li, “mentes despedaçadas também podem ser curadas, assim como corações partidos”.
Eu sei que quem liga o rádio numa estação de notícias quer receber informações de interesse geral, quer saber da política, da economia, dos acidentes, do engarrafamento nosso de cada dia.
Então peço desculpas por não entregar nada disso a vocês neste papo inicial no dia de minha volta. Nada de impeachment, de renúncia, de Cunha, de Renan, de inflação, do ajuste fiscal e de tantas outras coisas que só tem feito infernizar nossas vidas mas que são as manchetes do momento.
Não falei neste bate-papo nem mesmo das abobrinhas de que eu gosto tanto e que nos ajudam a cumprir a jornada diária sofrendo menos.
Este papo de hoje é sobre depressão. Um mal que afeta milhões de pessoas, milhares delas no Brasil, um mal sobre o qual é preciso estar informado e não fazer segredo.
Como eu agora me descobri fazendo parte dessa população doente, pensei muito nas noites sem dormir dos últimos dias e tomei a decisão de dividir essa experiência com vocês. Se com isso eu conseguir ajudar algum ouvinte a prevenir a depressão ou a curá-la, já me dou por satisfeito.”