Dimenstein: minha aula de jornalismo com o caso Donata Meirelles
O caso Donata Meirelles, ex-diretora da Vogue, virou um escândalo nacional.
É um ótimo caso para aprender jornalismo.
É uma demonstração de como funciona a disseminação de informações na era das redes sociais.
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Toda a polêmica sobre a festa é baseada numa única foto publicada nas redes sociais.
A foto, de fato, é péssima para a imagem de de Donata.
Ela aparece sentada numa poltrona estilo sinhá, cercada de mucamas.
Eu vi a foto – e também fiquei indignado.
Em cima dessa foto, uma importante e respeitada historiadora, professora da USP, apontou racismo.
Uma palavra de peso: afinal, ela é especialista ( e com todos os méritos acadêmicos) em escravidão.
Lilia Schwarcz define a situação como racismo estrutural: “um racismo tão enraizado que parece invisível”.
Alguém me explique o que faz uma pessoa se vestir de sinhá, e ficar recebendo os convidados ao lado de duas mucamas? Muito triste esse nosso país que cria essa falsa nostalgia de um passado romântico que jamais existiu. O dia a dia da escravidão foi duro e violento. Não há nada para comemorar ou celebrar. Melhor é refletir e mudar. Todos juntos.
Nessa lista, entrou Elza Soares, um ícone do combate ao preconceito.
Mais um ataque. Veja o depoimento de Thaís Araújo, mulher de Lázaro Ramos:
Ela é uma mulher que eu conheço e de quem gosto. O que aconteceu, no entanto, considero um erro, pois a festa foi feita por pessoas que trabalham com imagem e sabem o poder que uma imagem tem. Não acredito que o desejo deles tenha sido retratar o Brasil Colônia, um período duro, mas uma imagem fala mais que mil palavras e dez mil desejos. As comparações são inevitáveis. O que aconteceu ali é o que ocorre nesse país construído sobre o racismo, corpos, suor, sangue e lágrimas negros. Esse sofrimento é tão naturalizado que fica difícil para as pessoas que não se identificam com as moças de pé ao lado da cadeira sentirem o que a população negra sente”, declarou.
Está montado o vendaval.
Apoiados na foto, palavras de Lilia, Elza Soares e Thaís Araújo.
Onde entra o jornalismo?
Simples: em saber como foi produzida a foto.
Foi o que fiz.
Conversei com os produtores do evento e pessoas que foram à festa.
Busquei saber o que dizem as baianas contratadas.
A conclusão: aquela foto não era Fake News.
Mas induziu a uma mentira.
Rita dos Santos refuta a ideia de que o grupo tenha sido alvo de racismo durante o aniversário. “Quem quer criticar a festa, que critique. Mas não sou nenhuma criança para me sujeitar a qualquer papel que me rebaixe.”
Ela afirma que as baianas foram contratadas apenas para recepcionar os convidados. O objetivo era representar a diversidade cultural da Bahia –por isso foram escolhidas baianas jovens, idosas, negras, brancas, evangélicas e adeptas do candomblé.
“Quando ela [Donata] nos viu, começou a bater palmas para nós. E os convidados também nos aplaudiram. Uma das baianas a convidou para sentar na cadeira e aí foi feita aquela foto tão criticada”, afirma Rita.
Segundo Rita, as roupas para o evento foram escolhidas pelas próprias baianas e as cadeiras foram colocadas para que elas pudessem descansar.
Olhando outra foto vemos que a cadeira era das baianas – e não da sinhá.
O problema é que se cria o efeito manada.
E, aí, qualquer pessoa que busque discutir os fatos passa a ser acusado de racista ou “passando o pano”.
Quem tenta discutir as evidências fica acuado com o massacre – e se cala.
Afinal, o problema é dos outros.
Esse caso apenas serve como dica da importância de usar as redes sociais como referência – e não como fonte primordial para reportagens.
Concluo minha aula de jornalismo com um ensinamento de etmologia, definindo preconceito, copiada dos dicionários:
Composta a partir de derivados de PRE, “antes”, e CONCEPTUS, “resumo”, do Latim – inicialmente algo preparado ou concebido, de CONCIPERE, “conceber, engravidar” – a palavra parece ter sido construída dentro da própria língua portuguesa. Preconceito quer dizer uma opinião formada precipitadamente, sem maior ponderação, um conceito formado antes de se ter os conhecimentos necessários.