Miriam Leitão faz melhor texto sobre ‘embaixador’ Eduardo Bolsonaro

A indicação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada nos EUA é uma decisão errada por vários motivos

13/07/2019 08:09

Miriam Leitão fez o melhor texto mostrando 7 erros da indicação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada dos Estados Unidos.

Análise perfeita.

Curioso Bolsonaro não ter entendido que a população vai ler essa decisão como nepotismo -justo ele tão atento a esses símbolos.

A indicação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada nos EUA é uma decisão errada por vários motivos. O presidente anunciou que vai indicar o filho para essa posição. Há vários equívocos nessa intenção de Jair Bolsonaro.

Donald Trump, Eduardo e Jair Bolsonaro na reunião do G-20, no Japão, no mês passado
Donald Trump, Eduardo e Jair Bolsonaro na reunião do G-20, no Japão, no mês passado - Reprodução/Instagram Eduardo Bolsonaro

1 — É nepotismo, como avisou o ministro Marco Aurélio Mello, do STF. Há advogados que dizem haver brechas, porque nepotismo seria indicar para cargos em comissão e não para vagas políticas. É uma visão superficial. Favorecer um filho viola o princípio da impessoalidade. Discutir se é o cargo é político ou não é uma minúcia.

2 — Eduardo não tem qualificação para a posição. A diplomacia brasileira é profissional, o que é motivo de orgulho. Houve períodos complicados da história brasileira em que essa qualidade não se perdeu. Nos momentos em que se desviou disso, a atuação foi criticada. No governo Lula tomou decisões que não se esperam de uma diplomacia profissional, como favorecer países por razões ideológicas. Eu critiquei à epoca. A linha adotada agora é ainda pior. A qualificação de diplomata é específica. Para chegar a assumir uma embaixada, o topo da carreira, o diplomata que sai do Instituto Rio Branco tem que atuar como 3º secretário, 2º secretário. Depois de 1º secretário, é conselheiro, ministro-conselheiro, embaixador. Nesse ponto da carreira, o diplomata começa a chefiar embaixadas menos complexas. Há inúmeras sutilezas, leis internacionais, convenções e códigos que precisam ser seguidos.

3 — a embaixada americana é o posto mais importante na estrutura do Itamaraty. O fato de Eduardo conhecer Donald Trump não quer dizer nada. O poder é transitório em democracias. O embaixador representa o país. Uma decisão errada afeta pessoas, setores e o Brasil. Trump não vai abandonar seus interesses porque tem uma proximidade pessoal com o embaixador brasileiro. É um trunfo que não serve para muita coisa.

4 — algo parecido só aconteceu na Arábia Saudita, como lembrou o jornalista Guga Chacra. O príncipe Mohammed bin Salman, que será o rei e está envolvido na morte do jornalista Jamal Khashoggi, indicou o irmão Khalid para a embaixada americana. Isso é coisa de país que não tem democracia.

5 — Eduardo se ligou politicamente à ultradireita internacional. É um representante dela. Isso restringe a capacidade de circulação dele na sociedade americana. A missão do embaixador não está restrita ao governo. Ele tem que frequentar os diferentes círculos do país. Ouvir, entender e reportar ao Brasil as tendências do país. A ultradireita internacional é um gueto. Um diplomata que ficar restrito não vai representar bem o Brasil.

6 — diplomatas explicam que só se anuncia a indicação de um embaixador após o chamado “agrément”. Primeiro é preciso consultar o país sobre a intenção de indicar o embaixador. Se o nome for aceito, aí é que se informa o procedimento ao Senado.

7 — a intenção de Bolsonaro é mais uma etapa do desmonte do Itamaraty nesse governo. Uma das nossas mais competentes burocracias agora é comandada por um diplomata que está engajado numa cruzada ideológica, ao invés de representar o país como um todo.

A indicação do filho do presidente é um equívoco enorme. Como repórter, cobri o Itamaraty em uma época de ouro da instituição. A diplomacia é complexa e exige qualificações específicas. Se confirmada, que o Senado pense no país. Esse governo é transitório. É preciso colocar quem tem qualificação para representar o Brasil no posto diplomático mais importante da diplomacia brasileira.