O melhor resumo sobre o que acontece na Venezuela
O Canal Meio mostra seleção de notícias e comentários sobre o que está acontecendo na Venezuela
Ainda não está de todo claro qual era o plano. Mas, tendo apoio de vários militares, o presidente da Assembleia Nacional venezuelana, Juan Guaidó, não conseguiu conquistar a alta cúpula do Exército e deu em água o levante que promoveu contra Nicolás Maduro. O fim do regime bolivariano chegou a parecer próximo, na manhã de ontem. Às 21h, depois de estar sumido todo o dia, Maduro falou em rede nacional. Tinha ao redor inúmeros generais e, aos lados, o número dois do regime, Diosdado Cabello, o ministro da Defesa, Vladimir Padrino, e curiosamente um homem sumido desde outubro e que ontem reapareceu como novo diretor do serviço secreto, a Sebin, Gustavo González Lopez. “Vamos continuar vitoriosos”, disse. “Nossa causa é de um povo que não quer ser colônia gringa.”
O jogo que parecia desequilibrando em favor da oposição virou. Mas não terminou. Maduro deixou a TV e Guaidó foi à internet. “Irmãos venezuelanos, boa noite”, disse em seu último discurso do dia. “Maduro não tem mais o respeito e o respaldo das Forças Armadas. Sabemos hoje que a pressão popular é fundamental para fazermos a mudança na Venezuela.” A população está, pois, convocada hoje às ruas.
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Era cedo na manhã de ontem, por volta das 7h no horário brasileiro, quando começou a circular no Twitter o vídeo de Guaidó, cercado de militares. Para a surpresa de todos, ele estava ao lado de Leopoldo López, o principal líder de seu partido Voluntad Popular, que deveria estar em prisão popular. “Nossas Forças Armadas”, ele afirmou no discurso que ninguém esperava, “valentes homens apegados à Constituição, acudiram ao nosso chamado. A Operação Liberdade, o Comitê de Ajuda e Liberdade, eu os convido imediatamente a se ativar. Eu os convido a cobrir as ruas da Venezuela. O 1º de maio começou hoje. O fim definitivo da usurpação começou.” Modulando entre mensagens crípticas e um aviso à população, tendo López solto a seu lado para provar que os militares haviam se bandeado, disparou um movimento de tomada do poder que se arrastaria por todo o 30 de abril.
Não foi um dia tranquilo. O governo convocou seus partidários à frente do Palácio Miraflores, não foram. Houve trocas de tiro nas ruas da capital, soldados com lenços azuis atados aos braços sinalizavam estar ao lado da oposição, mas tanques leais ao regime chegaram a avançar contra pessoas nas ruas. As redes sociais tiveram acesso bloqueado desde cedo, 46 rádios foram fechadas, três emissoras de TV e 20 jornais. A CNN em espanhol, a BBC e as colombianas Caracol e RCN foram retiradas das grades de cabo. 66 jornalistas foram detidos. 69 pessoas foram feridas.
As mensagens crípticas podem ter sua explicação no que disse ontem, nos jardins da Casa Branca, o assessor de segurança nacional americano John Bolton. “É importante que figuras chaves do regime, que têm conversado com a oposição nos últimos três meses, cumpram seu compromisso de transferência pacífica do poder”, ele disse. “Todos concordaram que Maduro tinha de ir.” Guaidó teria antecipado em um dia o movimento previamente combinado. E o diretor do serviço de inteligência deposto talvez fosse um dos conspiradores. Em entrevista à CNN, o secretário de Estado Mike Pompeo foi além. “Maduro tinha um avião pronto, estava para deixar o país de manhã, quando os russos o fizeram ficar”, disse. O exílio inicialmente planejado seria em Cuba.
Na avaliação do governo brasileiro, informa Gerson Camarotti, Guaidó se precipitou. “Foi um movimento muito desorganizado”, afirmou o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno. “Houve precipitação”, seguiu o vice-presidente Hamilton Mourão. “Agora não há volta.” No Planalto, uma das preocupações é a infiltração do crime organizado, via dinheiro do tráfico de drogas nas mãos da cúpula militar, no alto-comando venezuelano. Entre tantos falando, o presidente Jair Bolsonaro foi ao Twitter proclamar autoridade. “Qualquer hipótese será decidida EXCLUSIVAMENTE pelo presidente da República”, determinou. Teve de ouvir noutros dois tuítes do presidente da Câmara. “É importante lembrar a Constituição Federal”, disse Rodrigo Maia. “É competência exclusiva do Congresso autorizar uma declaração de guerra.” Com panos quentes, Mourão e Heleno descartam intervenção militar. “Nossa pressão será diplomática.”
O PT chama o levante da oposição de tentativa de golpe e afirma que os EUA são responsáveis, com seu bloqueio, pela crise econômica do país.
Nesta manhã, Leopoldo López, que passou duros bocados na prisão, está refugiado na Embaixada espanhola. Guaidó, em lugar não determinado, parece decidido a seguir. Não será um dia tranquilo nas ruas de Caracas.
Carlos Romero, da Universidade Central da Venezuela: “É evidente que o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, conserva a maior parte do poder militar. Há que se perguntar por que razão isso ocorreu e creio que vários fatores coincidem. Primeiro, havia indícios de um plano parecido para esta quinta-feira e, por alguma razão isso foi antecipado. A segunda hipótese é que o plano de Guaidó consiste em abrir uma espécie de fenda nas Forças Armadas. A experiência histórica nos mostra que movimentos não necessariamente vitoriosos abrem caminho para uma sublevação militar em larga escala. A terceira possibilidade é que os fatos de ontem tinham como objetivo criar as condições para uma intervenção dos EUA. O problema do chavismo agora não é mais responder à intentona. É o que fazer com os opositores Juan Guaidó e com Leopoldo López. Se Guaidó vai preso, os EUA o considerarão um refém e poderão pensar em uma operação militar para libertá-lo. Por razões de Estado e por pressões de seus colaboradores mais leais, Maduro já não pode tolerar mais Guaidó e precisa tomar uma decisão. Se não fizer nada, corre o risco de se transformar em uma figura muito fraca, abrindo caminho para o setor militar ampliar seu controle.” (Estadão)
Hélio Schwartsman: “Enquanto a situação não se define, podemos nos perguntar se o movimento deve ser classificado como tentativa de golpe ou como revolução para pôr fim a uma usurpação. A imprensa mundial se dividiu e não apenas segundo as linhas ideológicas esperadas. A definição menos polêmica de golpe, como ruptura institucional, funciona bem até a página 1. Quando temos um governo legítimo que tem seu funcionamento suspenso de forma não prevista em lei, estamos inegavelmente diante de um golpe. É raro, porém, que o mundo nos presenteie com situações tão claras. Ora, nem todo governo é legítimo, mas todo governo impõe uma ordem jurídica passível de violação. Se nos centrarmos no critério formal, teríamos de considerar golpista, por exemplo, a resistência francesa ao nazismo, que agia contra a lei vigente com o objetivo de depor o regime. O caso da Venezuela é suficientemente ambíguo, pois, embora Guaidó tenha buscado uma ruptura, dá para afirmar que o governo Maduro tornara-se ilegítimo seja quando se utilizou de uma artimanha não prevista em lei para esvaziar os poderes da Assembleia Nacional ou, de modo mais polêmico, quando fraudou o pleito que o reelegeu em 2018. Se aceitamos isso, faz sentido enquadrar Guaidó não como golpista, mas como resistente.” (Folha)
Pedro Doria: “Se Guaidó é o presidente legítimo, o que ocorre na Venezuela é uma luta contra Nicolás Maduro, usurpador do poder. Se Guaidó não tem legitimidade, ele está tentando dar um Golpe, pois rompe a Constituição e derruba o presidente legítimo. A resposta depende de o que se considera uma eleição legítima. Maduro proibiu que os dois principais partidos de oposição participassem do pleito nacional de maio de 2018. Perante o cenário, a ONU se recusou a enviar observadores. O Carter Center, a mais séria organização de acompanhamento de eleições, também se recusou. Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Estados Unidos, Guatemala, Guiana, Honduras, Jamaica, Panamá, Paraguai, México, Peru e Santa Lucia não reconheceram a eleição. Para citar apenas países da região. A lista é longa. Se a eleição de maio de 2018 foi ilegítima, Maduro não foi eleito presidente da Venezuela. Na ausência de um presidente, diz a Constituição, assume o poder o presidente da Assembleia Nacional, que convoca novo pleito. É Juan Guaidó.” (Meio)
The Economist: “Rumores de defecções de alto nível circularam toda manhã. Pergunta-se a respeito de Manuel Figueira, o general que comandava a Sebin, e não foi mais visto. Entre os prontos a desertar estariam o ministro da Defesa Vladimir Padrino, o chefe da Suprema Corte Maikel Moreno e o comandante da Guarda Presidencial, Iván Rafael Hernández Dala. Ao afirmar que estes são desleais, John Bolton talvez espere forçá-los a agir. Agora, Mr. Guaidó parece ter apenas a tática de mobilizar a oposição nas ruas. Ele conclamou a maior demonstração da história da Venezuela para este 1ª de maio. Radicais querem que Mr. Guaidó conduza a população ao palácio presidencial. Outros argumentam que é inútil: as rotas são fáceis de bloquear. Os eventos na Venezuela seguem imprevisíveis.”