6 lições do Japão para transformar a educação brasileira

No Japão, o currículo funciona como um pacto social, a carreira docente é valorizada, a comunidade participa ativamente da vida escolar

29/09/2025 16:20

Os dados mais recentes do Pisa (sigla em inglês para Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), aplicado em 2022, e os relatórios da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) revelam desafios persistentes na educação brasileira, especialmente em áreas como matemática e ciências, onde menos da metade dos estudantes alcança níveis mínimos de proficiência.

Esse desempenho reflete desigualdades de oportunidade e lacunas de aprendizagem que se acumulam desde as etapas iniciais do ensino.

No Japão, o currículo funciona como um pacto social, a carreira docente é valorizada, a comunidade participa ativamente da vida escolar
No Japão, o currículo funciona como um pacto social, a carreira docente é valorizada, a comunidade participa ativamente da vida escolar - Beautifulblossom/iStock

Em contraste, países como o Japão apresentam resultados consistentes e elevados, tanto entre jovens quanto adultos. O sistema educacional japonês é reconhecido por sua estrutura sólida, valorização da formação docente e cultura de disciplina e respeito ao conhecimento. Embora não se trate de replicar modelos de forma literal, experiências como a japonesa podem oferecer referências úteis para adaptações estratégicas no Brasil.

O vice-presidente do Biopark, Paulo Rocha, esteve em missão no Japão em agosto, buscando estreitar relações com instituições de ensino e pesquisa. Durante a visita, foi firmado um acordo com a Universidade de Tsukuba para o desenvolvimento de projetos conjuntos e intercâmbio de estudantes e pesquisadores. A iniciativa visa promover trocas acadêmicas e estimular a inovação educacional com base em práticas bem-sucedidas.

Segundo Rocha, a experiência no Japão trouxe reflexões importantes sobre como valores como persistência, colaboração e excelência podem ser incorporados ao contexto brasileiro. “Não se trata de copiar, mas de entender o que funciona e adaptar às nossas realidades. O Japão mostra que é possível construir um sistema educacional robusto com foco em longo prazo e compromisso coletivo”, afirma.

O que o Brasil pode aprender com a educação no Japão

1 – Currículo como pacto social

O Brasil possui a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), um marco fundamental que define direitos de aprendizagem, mas que ainda enfrenta obstáculos de implementação: fragmentação entre redes, desigualdade de recursos e baixas expectativas de desempenho.

Os resultados do PISA 2022 são reveladores: apenas 27% dos estudantes brasileiros atingiram o nível mínimo em matemática, contra 77% no Japão, e em leitura, metade dos alunos brasileiros ficou abaixo do básico, frente a apenas 11% dos japoneses. Isso mostra que, no Brasil, o currículo definido em lei não se traduz em aprendizagem efetiva.

No Japão, o Course of Study funciona como um verdadeiro pacto social: é vinculante para todas as escolas, garante que alunos de diferentes contextos tenham acesso às mesmas metas de aprendizagem e estabelece expectativas altas para todos. Além disso, o currículo está diretamente articulado à formação docente. Práticas como o lesson study transformam o documento em guia prático para professores, criando uma cultura de reflexão e colaboração que aproxima o que está no papel da realidade da sala de aula.

“O currículo nacional é, em última instância, um pacto social sobre o que queremos que nossas crianças e jovens aprendam para viver em sociedade. Se o Brasil quiser transformar sua realidade educacional, precisa olhar para o currículo não como um texto burocrático, mas como um compromisso político, pedagógico e ético com cada aluno”, afirma Rocha. “O Japão mostra que isso é possível. O desafio é transformar esse compromisso em ação concreta, coerente e sustentada — um caminho longo, mas indispensável para que a educação brasileira deixe de ser promessa e se torne realidade”, completa.

2 – Educação holística

Segundo o educador, a educação no Japão não se limita ao conteúdo acadêmico. O modelo é integral, com forte ênfase no desenvolvimento de habilidades socioemocionais, trabalho em equipe, respeito ao coletivo, autonomia e responsabilidade. “Lá, os próprios alunos fazem a limpeza das salas de aula e banheiros, promovendo senso de comunidade, empatia e responsabilidade, o que reduz casos de indisciplina e fortalece o vínculo com a escola”, conta Rocha.

Esse modelo é inspirado em valores confucionistas (respeito aos mais velhos, hierarquia funcional, disciplina) e práticas pedagógicas humanistas, como as de Makiguchi e Tsunesaburo.

3 – Valorização do professor

A profissão docente no Brasil enfrenta um paradoxo: é vista como essencial para o futuro do país, mas recebe pouco reconhecimento social e financeiro. Segundo dados da OCDE, os professores brasileiros do Ensino Fundamental ganham, em média, menos da metade do salário de outros profissionais com ensino superior.

No Japão, por outro lado, ser professor é uma ocupação de prestígio. O processo seletivo é rigoroso, exigindo não apenas graduação, mas também exames competitivos que atestam conhecimento e habilidades pedagógicas. Os salários iniciais são comparáveis aos de outras profissões de nível superior, e há garantias de progressão ao longo da carreira. Isso atrai jovens talentosos e mantém elevada a qualidade do corpo docente. Não se trata apenas de remuneração, mas também de respeito social: o professor é visto como pilar do desenvolvimento nacional.

Outro ponto de contraste é a formação continuada. No Brasil, ela depende muito da iniciativa individual ou de programas pontuais, muitas vezes desconectados do currículo e da realidade escolar. Já no Japão, existe o lesson study, prática em que os docentes planejam juntos uma aula, observam a aplicação e discutem resultados. “Para se ter uma ideia, o Japão investe, proporcionalmente, mais em formação docente contínua do que em tecnologia escolar — o oposto de muitos países ocidentais”, conta Rocha.

“O Brasil pode aprender com os japoneses que valorizar o professor é investir na base de todo o sistema educacional. Isso significa remunerar de forma justa, garantir boa formação inicial e criar programas contínuos de desenvolvimento articulados ao currículo. Também significa devolver prestígio social à docência. Sem esse compromisso, qualquer reforma curricular ou política pública será frágil”, destaca o especialista.

4 – Envolvimento da comunidade

No Japão, o envolvimento das famílias e da comunidade com a escola é parte central do modelo educacional, visto como corresponsabilidade social pela formação das crianças. Os pais são constantemente convocados a participar de reuniões escolares, eventos culturais, atividades esportivas e até tarefas do cotidiano escolar, como o preparo e a supervisão da merenda ou a organização de festivais. Além disso, é comum que os pais estejam diretamente envolvidos nas “associações de pais e mestres” (PTA), que têm voz ativa nas decisões administrativas da escola.

A comunidade local, por sua vez, também se engaja  aposentados ajudam na travessia das ruas, pequenas lojas oferecem apoio a eventos escolares, e há forte presença de valores comunitários como respeito mútuo, disciplina e senso de pertencimento. Essa relação forma uma espécie de “teia solidária” que sustenta a aprendizagem para além da sala de aula.

O sistema educacional japonês também se apoia na ideia de que a educação é uma responsabilidade coletiva, não apenas da escola. A cultura local entende que a formação moral e cívica das crianças deve ocorrer em harmonia com os princípios sociais e familiares. Um exemplo claro é o fato de que os próprios alunos limpam as salas de aula, prática que fortalece o senso de comunidade e de cuidado com o bem público.

Os pais, mesmo quando trabalham em tempo integral, sentem-se moralmente comprometidos com a escola e participam de maneira contínua. As escolas incentivam esse engajamento de forma sistemática e organizada, com calendário e funções bem definidas para as famílias. Esse ambiente favorece uma relação de confiança mútua entre professores e responsáveis, o que contribui para a estabilidade e o alto desempenho dos alunos.

“Muitas famílias se sentem intimidadas ou excluídas do ambiente escolar, como se o saber pedagógico fosse um território exclusivo dos educadores”, afirma. Além disso, ele aponta que há uma histórica separação entre o que é “responsabilidade da escola” e o que é “responsabilidade da família”, dificultando a criação de um projeto educacional comum. “Para que o Brasil avance nesse aspecto, é preciso construir pontes de diálogo entre escola e comunidade, valorizando o saber popular, promovendo formação de lideranças locais e institucionalizando mecanismos de participação que sejam acolhedores e eficazes”, destaca Rocha.

5 – Equidade

Estudo da OCDE mostra que o status socioeconômico explica mais de 20% da variação no desempenho dos alunos brasileiros, enquanto no Japão essa influência cai para cerca de 12%. Isso significa que, no Japão, ser pobre não é sentença de fracasso escolar, pois o sistema é desenhado para reduzir disparidades e assegurar padrões mínimos de qualidade em todas as escolas.

Essa equidade japonesa é resultado de políticas consistentes. O currículo nacional (Course of Study) estabelece metas comuns, vinculantes para todas as escolas; a distribuição de recursos busca minimizar desigualdades regionais; e práticas como o fornecimento de refeições escolares, transporte e clubes de apoio ajudam a nivelar oportunidades. Além disso, a cultura de alta expectativa para todos impede que alunos de famílias desfavorecidas sejam tratados como menos capazes. No Brasil, ao contrário, a desigualdade estrutural se traduz em escolas precárias nas periferias, falta de professores bem formados e baixas expectativas de aprendizagem.

Segundo Rocha, a lição que o Japão oferece é simples e profunda: equidade não significa nivelar por baixo, mas garantir que todos possam alcançar o mais alto possível. Ao adotar um currículo claro, políticas de apoio universais e valorização docente, o Japão mostra que excelência e justiça podem caminhar juntas. “O Brasil precisa abandonar a lógica de que a desigualdade é inevitável e assumir que uma educação de qualidade para todos é, antes de tudo, uma decisão política”, ressalta.

6 – Rigor, rotina e persistência (ganbaru)

O conceito de “ganbaru”, que pode ser traduzido como “esforçar-se ao máximo” ou “persistir mesmo diante de dificuldades”, é um dos pilares culturais mais fortes da educação no Japão. Desde muito cedo, as crianças são incentivadas a enfrentar desafios com perseverança, paciência e dedicação contínua, mesmo que o resultado não seja imediato. Esse valor está presente nas rotinas escolares diárias, nas avaliações e nas relações interpessoais.

O esforço é visto como mais importante que o talento nato; um aluno que demonstra dedicação constante é mais valorizado socialmente do que aquele que obtém bons resultados sem empenho visível. Essa mentalidade coletiva molda não apenas o desempenho acadêmico, mas também a formação do caráter, promovendo a autodisciplina e o respeito pelas metas de longo prazo.

A escola japonesa estrutura a rotina com foco no desenvolvimento do autocontrole, da responsabilidade pessoal e do respeito ao tempo e ao espaço coletivo. Os horários são rigorosamente seguidos, as aulas têm início pontual e os alunos seguem um calendário repleto de tarefas, avaliações e atividades extracurriculares, todos com grande compromisso. A persistência é vista como virtude — é esperado que os alunos não desistam diante de dificuldades e que aprendam a resolver problemas por meio da prática e da repetição.

Professores não aliviam exigências por compaixão; pelo contrário, acreditam que superar desafios prepara os jovens para a vida adulta e para um mercado de trabalho que valoriza resiliência e cooperação. Não por acaso, o Japão registra baixos índices de evasão escolar e altos níveis de engajamento mesmo entre os estudantes com dificuldades de aprendizagem.

No Brasil, essa valorização do esforço e da rotina ainda encontra muitos obstáculos. Embora haja alunos e professores comprometidos, o sistema educacional brasileiro sofre com instabilidade institucional, rotinas escolares desorganizadas e falta de continuidade nas políticas públicas, o que dificulta a construção de uma cultura de persistência.

A crença no “talento natural” prevalece sobre a valorização do esforço cotidiano. A indisciplina e a evasão escolar são sintomas de uma estrutura que não promove o autocontrole nem dá ao aluno o protagonismo pelo próprio aprendizado. “O desafio brasileiro é criar uma cultura escolar que respeite o tempo do aprendizado, estabeleça rotinas consistentes e valorize o esforço como caminho para a conquista, sem cair em punições autoritárias ou em romantizações da superação individual. Para isso, é necessário fortalecer a formação docente, garantir condições básicas de aprendizagem e incentivar políticas públicas que promovam a permanência e o engajamento dos estudantes”, sugere o educador.