Alfabantu: aplicativo ensina alfabeto angolano para crianças
O contato com a cultura negra no universo infantil favorece uma sociedade mais plural, além de contribuir para o aprendizado de um novo idioma
Pensando em aproximar as crianças de alguns elementos desse universo o quanto antes e por outras vias, além das instituições de ensino, o historiador Edson Pereira e a socióloga Odara Dèlé decidiram criar um aplicativo de celular, o Alfabantu, destinado ao ensino do alfabeto angolano, língua falada pelo povo Kimbundu.
Há mais de uma década é obrigatório o ensino sobre a história e a cultura negra na rede de ensino brasileira, de acordo com a lei Lei 10.639/03.
Mas a inclusão de métodos de alfabetização com este recorte ainda é um desafio.
A ideia nasceu quando ele ainda cursava História na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Lá, teve seu primeiro contato com o povo angolano kimbundu, através de um curso ministrado pelo professor Nii.
Odara é professora de Sociologia do ensino médio na rede estadual e Edson, professor de História do ensino fundamental na rede municipal. Com a vivência escolar, foram percebendo que os professores tinham dificuldade em trabalhar a história da África com as crianças.
“Não existe muita vontade dos professores e os que têm vontade não sabem como fazer, falta material didático”, conta Odara.
Um dos objetivos ao ensinar o alfabeto angolano é aproximar a África das crianças brasileiras que, muitas vezes, passam a infância sem conhecer a história dos seus povos originários.
Inspirados pelo Asa – aplicativo criado por um nigeriano que percebeu que faltava às novas gerações um conhecimento mais profundo sobre seus antepassados, começaram a planejar o Alfabantu. O aplicativo Asa ensina a língua iorubá e traz conteúdos sobre a história e cultura da Nigéria e da África.
Já o criado pelo casal se dedica, por enquanto, exclusivamente, ao ensinamento do idioma angolano.
“A gente está muito ligado ao celular, mas o importante é pensar quais conteúdos são vistos. Podemos potencializar esse uso de forma positiva. As crianças podem permanecer no celular, mas acessando conteúdo de qualidade”, avalia Odara.
Ainda, a criadora do app disse que não existe material no currículo escolar do brasileiro que explore a cultura negra.
“Nós percebemos que dentro do currículo escolar, não existem materiais que trabalhem a lei 10.639 – criada em 2003 e que rege sobre o ensino da história e da cultura afro-brasileira e africana nas escolas – principalmente em língua portuguesa, em que não há uma aproximação com as línguas africanas”, conta.
“A partir disso, decidimos criar um aplicativo para aproximar as crianças da história, cultura e arte, para que eles compreendam que a cultura africana faz parte da nossa sociedade brasileira”, complementa Odara.
O conteúdo é lúdico e interativo, feito com o propósito de atrair o público infantil.
Como funciona?
Na primeira fase há o contato inicial com a língua: são apresentadas frases do cotidiano, partes do corpo humano, números, animais e diversas outras palavras.
Na segunda parte, a criança testa seu conhecimento através de um quiz. “A criança aprende e, ao mesmo tempo, se diverte”, segundo Odara.
Deste modo, o Alfabantu oferece uma ferramenta de entretenimento e educação, a fim de contribuir para o processo de representação afirmativa das crianças negras mostrando um dos vários aspectos do legado africano no Brasil.
Lançado em novembro de 2017, até a primeira semana de dezembro, mais de 600 downloads do Alfabantu já tinham sido registrados. Além de brasileiros, moradores de Angola, Moçambique, Reino Unido, Polônia e Portugal também baixaram o aplicativo.
O casal pretende desenvolver versões mais completas do aplicativo. Além da adição de conteúdos, como cultura africana, querem ampliar o público-alvo, criando versões do Alfabantu para adultos.
Contam, ainda, que pretendem criar materiais didáticos do aplicativo que possibilite sua expansão.
Angola irmã do Brasil
Angola também foi colonizada por Portugal e, portanto, sua língua oficial é o português. Mas lá também existe o kimbundu, trazido ao país durante o processo da diáspora africana, entre os séculos XVI e XIX, que se aproxima do cotidiano e que agora é apresentado e resgatado pelo aplicativo.
Conforme os educadores, tal língua teve grande importância na formação do português falado no Brasil, seja pela sonoridade, seja pelos vocábulos herdados.
“Nossa aproximação com Angola vem através da língua, principalmente. Muitas palavras usadas no nosso cotidiano são de origem kimbundu, como moleque, caçula, mas nós desconhecemos isso, dado o violento processo de colonização feito por Portugal nos dois países”, relata Odara.