Enem: porque eu cheguei atrasado
As provas do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) despertam grande expectativa na internet, principalmente por dois motivos: o tema da redação e a chuva de memes dos concurseiros que chegam segundos após o portão das universidades serem fechados. Mas a pergunta que não quer calar é: por que rir de quem se atrasa?
O Catraca Livre foi em duas universidades de São Paulo para conversar com quem chegou ao local logo depois que os portões se fecharam. Afinal, as fotos viralizam, mas os reais motivos do atraso não são expostos, nem por quem faz a piada, nem pela imprensa, nem por ninguém.
Se você é uma pessoa conectada às redes sociais deve ter notado que o feed de notícias do seu Facebook ou a timeline do seu Twitter se dividiu: há quem defenda as piadas por não serem “nada demais”, e há quem recrimine o feito, já que a exposição dos candidatos é desnecessária. Ficamos com as pessoas da segunda leva.
Na porta da Universidade Nove de Julho, na Barra Funda, ao menos quatro pessoas ficaram fora do primeiro dia de aplicação do Enem em 2016. João Guilherme Almeida foi um deles. “Eu moro em Osasco e lá os ônibus estavam todos lotados e saíram atrasados. Cheguei na estação (Barra Funda, do Metrô) eram 12h58”, explica, ofegante.
Com o sonho de cursar arquitetura, o estudante havia saído de casa às 11h, mas mesmo com duas horas de antecedência não conseguiu realizar a primeira etapa do exame. Isso não o desanimou: “vou tentar a redação, dá para conseguir uma boa nota com ela”, finaliza.
Com lágrimas nos olhos, Daiana Cabral, de 19 anos, chegou e os portões da Universidade Cruzeiro do Sul, na zona leste, estavam fechados. Perdida, ela até tentou argumentar com os funcionários da instituição, mas a negativa era uma realidade. “Moro na região, mas a minha perua atrasou e me desesperei”, conta a jovem, que sonha em estudar enfermagem e atualmente é atendente de restaurante.
Diferente de Emely Aparecida, 17 anos, que mora no Jardim Horizonte Azul, em Itapecerica da Serra – a 27 quilômetros da unidade da Barra Funda da Universidade Nove de Julho – e se atrasou porque só havia uma linha de ônibus em sua região. “Eu saí de casa eram 10h, peguei a única linha de ônibus do meu bairro e ele quebrou no meio do caminho”, comenta.
Para a adolescente, que sonha ser médica veterinária, o atraso poderia não ter acontecido se a tivessem colocado para fazer a prova em outro local. “Se fosse a unidade de Santo Amaro (da Uninove), eu chegaria mais rápido, pois tenho mais opções de transporte. Pra cá só me serve o Metrô, que é muito difícil chegar”, conta.
A distância entre a casa dos estudantes e o local de aplicação da prova é o maior problema relatado por quem não consegue chegar no horário, mas a má sinalização das instituições de ensino também confunde os candidatos, que já estão com os nervos à flor da pele.
Na Uninove da Barra Funda, por exemplo, eram quatro prédios, divididos pelas letras A, B, C e D, mas era preciso entrar para descobrir isso. O prédio mais próximo da saída do metrô, e ao que a maioria dos candidatos ia direto, sem pestanejar, era o D, enquanto os outros três ficavam em uma rua mais acima da estação, a cinco minutos de caminhada.
A mesma confusão aconteceu na Unicsul, em São Miguel Paulista. Os alunos iam direto para o prédio com entrada principal e um funcionário com megafone dava o recado de que havia mais um prédio na rua de trás. Sem placas ou qualquer indicação da letra dos prédios, os candidatos tinham de arriscar.
Bola fora da mídia
Era meio-dia e o fotógrafo já carregava seu banquinho para sentar e clicar com “tranquilidade” o chamado “show dos atrasados” do Enem, na zona leste. No centro da cidade, a imprensa estava em peso em frente a Uninove para registrar o momento em que os atrasados choravam no portão.
O empurra-empurra de jornalistas que digladiavam por uma fala com os atrasados mostra o quanto a mídia brasileira é movida pelo sensacionalismo. Inclusive, atores contratados pelo programa “Pânico na Band”, da TV Bandeirantes, se passaram por candidatos atrasados e foram entrevistados por repórteres no local, no ano passado.