“Homens e Caranguejos” celebra legado de Josué de Castro

Espetáculo cênico, workshops e mesa-redonda estão previstos na programação

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Baseado em romance de Josué de Castro, peça ganha adaptação inédita
Créditos: Alícia Peres
Baseado em romance de Josué de Castro, peça ganha adaptação inédita

“Ô Josué, eu nunca vi tamanha desgraça
Quanto mais miséria tem, mais urubu ameaça” (Chico Science)

A lama, os homens e os caranguejos. Elementos absolutamente presentes na obra de dois pernambucanos de diferentes gerações. Chico Science, grande referência para a cultura brasileira, com seu movimento Manguebeat, nos anos 1990, trouxe luz à relação entre homens e caranguejos. Na música “Da lama aos caos”, cita aquele que criou os alicerces para esta discussão, que envolve conceitos de análise sociológica com a ótica da geografia humana: Josué de Castro, cidadão do mundo que mais contribuiu para o estudo da temática da “fome”.

Em 1932, Josué de Castro realizou o primeiro inquérito para apurar as condições de vida do povo brasileiro. Catorze anos depois, escreveu seu maior clássico, “Geografia da Fome”, apresentando o conceito de que a fome não era um fenômeno natural, e sim um desequíbrio causado pelas ações humanas, consequência direta da condição econômica dos países.

A realidade que Chico Science releu com seu Movimento Manguebeat está explicitada no romance “Homens e Caranguejos”, de 1966. Na trama, Josué apresenta aspectos presentes na realidade cotidiana do homem sertanejo dos dias de hoje: deslocamentos forçados pela seca, a fuga do árido (climático, econômico e social) para o centro e a busca por uma condição social mais digna.

Agora, a peça recebe inédita adaptação cênica. Unindo a Cia Duas de Criação (dirigida por Luciana Lyra em parceria com Viviane Madu) ao Coletivo Cênico Joanas Incendeiam (composto pelas atrizes Beatriz Marsiglia, Camila Andrade, Juliana Mado e Letícia Leonardi), “Homens e Caranguejos” será montada no Teatro Reynúncio Lima, da Unesp, nos dias 26 e 27 de maio, às 18h30. Nos dia 28 e 29, haverão workshops sobre o processo de pesquisa corporal e musical da peça. Finalmente, no dia 30, uma mesa redonda será formada, com a presença da dramaturga Luciana Lyra. A entrada para as atividades é Catraca Livre.

A adaptação da obra não é literal e apresenta paralelos entre a aldeia em que se passa a trama escrita por Castro (“Aldeia dos Demais”) com comunidades na Ilha de Deus, em Pernambuco, e no Boqueirão, em São Paulo. Luciana Lyra explica que valeu-se dos conceitos de “mitodologia em artes cênicas” (procedimentos que vinculam os mitos pessoais de cada artista ao tema do espetáculo) e “artetnografia” – a “ida ao outro”, uma experiência antropológica do ator – no processo de criação da peça.

“O menino da peça, que não tem nome, é mais que atual em qualquer canto do Brasil, na Ilha de Deus e no Boqueirão. Com a lente do personagens do romance, identificamos outros, atuais, que dialogam com a trama”, afirma Luciana Lyra, que desenvolveu pesquisa de campo na Zona da Mata pernambucana.

Ela explica que o convite para dirigir o espetáculo partiu do Coletivo Cênico Joanas Incendeiam. “Aceitei, mas fiz a contraproposta de fazer estes paralelos com as comunidades atuais, aprofundando o conceito de artetnografia”, conta. Referências de autores como Hélio Oiticica, Glauber Rocha, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior, Gilberto Freire e Darcy Ribeiro estão presentes na montagem. No campo musical, espaço aberto para o côco e o cavalo-marinho, ritmos tradicionais nordestinos.

“Homens e Caranguejos” traz à tona o legado de Josué de Castro, médico de formação, sociólogo, antropólogo e geógrafo, cidadão que contribuiu de maneira decisiva para a construção da democracia social no Brasil. “Ele apresentou um estudo pioneiro sobre comunidades marginais, com uma preocupação olística da sociedade já naquela época”, afirma Lyra.