No interior de Minas, os moradores de um poado competem para torná-lo ainda mais bonito
Com casas enfeitadas, a autoestima dos habitantes de Itatiaia aumentou e o número de turistas também
Um provérbio africano diz que é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança. Em Itatiaia, no interior de Minas Gerais, a população de cerca de 250 habitantes descobriu que é preciso uma aldeia inteira para embelezar e criar uma cidade mais agradável, acolhedora e claro, educadora.Localizada entre Ouro Preto e Outro Branco, o povoado vem recebendo uma transformação positiva graças ao esmero de seus moradores que amam enfeitar seus portões com miniaturas de passarinhos e suas árvores com fitas de cetim.
O processo começou quando os dentistas Paula e Marcelo Faria fixaram residência no local que, durante 20 anos, frequentaram apenas nos fins de semana, atraídos pela cachoeira e pela caminhadas na rica natureza local. Eles se mudaram para lá em 2002 e, no dia a dia, foram percebendo pequenos problemas que poderiam ser contornados com criatividade. “Decidimos incentivar que pessoas trocassem o lixo jogado nas ruas por material escolar, como borrachas, canetas e estojos de lápis de cor. As crianças toparam participar”, relembra Marcelo. “Em pouco tempo, as vias públicas estavam permanentemente livres da sujeira, graças à adesão dos estudantes.”
Paula e Marcelo trabalharam com a comunidade desde o princípio. “Não queríamos depender da prefeitura”, afirma ele. Os próximos passos foram decoração de latas de lixo, a produção de placas artesanais indicativas de endereços e a pintura das fachadas das casas, com o apoio de uma empresa privada.
Nesse movimento, cada um colabora como pode. A artista plástica Vânia Queiroz, que tem casa no local fez o mosaico que adorna a praça central. Os moradores que nasceram em Itatiaia são a parte principal do processo: há três anos foi criado o concurso, no mês de maio, para decidir qual é a casa mais enfeitada. O que está em jogo não é o imóvel, mas o detalhe que o embeleza. “Colocam tecidos nas janelas e varandas, namoradeiras e outras esculturas típicas. É um costume que remonta aos tempos do Império em Ouro Preto, quando os nobres visitavam a comarca e faziam procissões pelas vilas, os moradores adornavam suas fachadas para atrais atenção dos passantes”, explica Bernardo Biagioni, proprietário da Quartoamado, uma galeria especializada em arte urbana e contemporânea.
O galerista faz parte da mais recente onda de embelezamento do vilarejo, a Residência Itatiaia, projeto que leva artistas contemporâneos para pintar casas a céu aberto na região. O convite que foi feito pela associação de moradores tem como proposta aproximar ainda mais a comunidade. “A ideia não era só pintar, mas desenvolver o contato entre os moradores e os artistas, possibilitando trocas e diálogos em torno das características do vilarejo, e levando em consideração as particularidades da região em cada pintura”.
Logo a primeira residência, em maio, “os artistas eram disputados para pintar as casas”, explica Bernardo. E essa inteiração só se estreitou com o passar do tempo. O projeto chegou à sua terceira edição, em outubro, e trouxe uma novidade: a oficina Neste momento começamos a esboçar uma ideia de oficias de arte, oferecida pelos artistas Alexandre Rato e Comum, sobre arte e pintura de muros.
Valorização
O fluxo de turistas tem crescido. Em dias de residência ou de mercado de pulgas (a programação pode ser vista na página da galeria no Facebook), o local chega a receber 250 turistas, e Itatiaia passa a abrigar o dobro de habitantes nesses fins de semana. A maioria dos visitantes precisa escolher outro local para pernoitar, porque há apenas 35 leitos disponíveis para o turismo – a maioria na casa dos próprios moradores. “Mas há espaço para expandir”, afirma o dentista Marcelo, hoje proprietário de um restaurante de comida mineira e de um bar no vilarejo. Ele, ao lado da mulher, é o idealizador do festival de tira-gostos, que conta com realização da prefeitura, também no mês de maio, e que chega a atrair 2000 pessoas.
“Mais do que receber gente de fora, a mudança dos últimos anos
serviu para mudar a auto-estima de quem já vivia em Itatiaia”, acredita Paula. E o marido dá um exemplo: “Antes, o pessoal preferia dizer que vivia em Ouro Branco, tinha vergonha de falar que morava na roça. Agora, eles contam com orgulho que moram em Itaitaia”. E todo mundo concorda que é mesmo para dar orgulho viver num lugar em que as árvores são enfeitadas com fitas de cetim e há miniaturas de passarinhos penduradas nos portões.