Oráculo literário: 5 dicas para aproveitar o horóscopo da lunação de sagitário

Fé na sorte e na estrada. O sucesso vem das travessias.

16/11/2022 14:57 / Atualizado em 22/11/2022 08:04

É no começo da noite do dia 23 de novembro, às 19h58, que a lua galopa confiante adentrando a casa de Júpiter, território do centauro, e ali encontra o sol. O ser meio humano, meio cavalo, que representa o signo de sagitário, já meteu medo em muita gente ao longo da história. Há registros de que a origem do mito estaria nos viajantes que, pela primeira vez, observaram os povos, sempre a cavalo, na região da Tessália. Desacostumados à prática da montaria, os gregos, ao verem pessoas movendo-se sobre animais, com rapidez e agilidade, como um ser só, temiam os centauros como bárbaros e indomáveis, e muitas eram as lendas de invasões a vilarejos, em que espalhavam o caos e a desordem.

Mas nem todos os centauros eram assim, segundo a mitologia. Conta a Ilíada, que Quíron, “o mais justo dos centauros”, filho do titã Chronos e da ninfa Phylira, teria sido abandonado à morte, mas foi adotado por Apolo, que concedeu-lhe a imortalidade. Sua irmã, Ártemis (Diana), deusa da Lua e da caça, assumiu então a missão de ensinar o pequeno Quíron. Ele cresceu numa gruta no monte Pélion, onde adquiriu conhecimentos de botânica e astronomia. Tornou-se um grande sábio e dominou todas as artes, mas principalmente a medicina. Foi professor de diversos heróis, entre eles Hércules.

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Quando Hércules perseguia um centauro chamado Élato, que vinha espalhando o caos pela região, este refugiou-se na gruta de Quíron, que, na perseguição, foi acidentalmente ferido por uma flecha envenenada. Por mais que tentasse, Quíron, que a todos curava, não conseguia curar a si mesmo. Sentindo muita dor, suplicou a Zeus que acabasse com seu sofrimento. Comovido, Zeus transferiu então a imortalidade de Quíron a Prometeu, permitindo que o mais justo dos centauros pudesse, enfim, descansar, eternizando-se na forma de uma constelação: sagitário. Por isso, Quíron ficou conhecido como “o curador ferido”.

Signo de fogo mutável, o ser meio bicho, meio humano, com um arco e flecha na mão, segue as leis de Júpiter e, por isso, nos lembra da importância da justiça, da fé e do sonho para a realização das grandes metas, setas atiradas ao longe e perseguidas num galope vigoroso. A parte bestial é a memória dos instintos, como forças da natureza, e a parte humana, interessa-se pelas artes e saberes, pela filosofia como veículo-flecha para realizar grandes viagens por terra, pelos mares ou através do próprio pensamento.

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Então, sagitário, signo onde se encontram a lua e o sol, conjuntos no momento exato da lua nova, mas também mercúrio e vênus, quase grudados, nos ensina da expansão e das ferramentas-flecha-galope, pulsões e reflexões, necessárias para desbravar territórios nunca antes imaginados. Sagitário é onde o animal encontra o humano, a união entre natureza e cultura, que por abrigar aqui os luminares (sol e lua) vai dizer muito sobre onde encontrar vitalidade e acolhimento na lunação que se inicia. Estudos, viagens, festas, orações. São muitos os interesses que disparam a flecha de sagitário, mas o fato é que ele os persegue, incansavelmente. Depois, é outro assunto. Mercúrio e Vênus convocam essa mesma energia para o território das trocas, conversas, estudos, prazeres e afetos, lembrando da importância das grandes travessias sejam elas metafóricas ou literais.

Enquanto isso, do lado oposto, no horizonte do céu, nascem os gêmeos, afortunados por uma conjunção, brincalhões por natureza, pertinho de marte que os convoca para a batalha. Oposto a sagitário, gêmeos é um signo de ar, mutável, que nos diz da astúcia, da curiosidade e do pensamento como maneiras de desvendar o mundo. Regido por Mercúrio, o mensageiro dos deuses, gêmeos tem asinhas nos pés para correr ligeiro para cá e para lá. Diferente das flechas distantes do centauro, gêmeos se deleita com o que está por perto e com a multiplicidade das possibilidades que a vida cotidiana oferece. As crianças do zodíaco se divertem com a palavra escrita, lida e falada, inventando novas formas também de lutar, já que emprestam a sua esperteza e sua capacidade de improviso ao marte que nasce com eles.

Mas as crianças não estão sós neste quintal que é o mundo. Por trígono, elas trazem consigo o avô, o velho e sábio Saturno, que, em aquário, seu domicílio diurno, lembra aos gêmeos dos limites necessários para a vida acontecer, ensinando-lhes da importância do coletivo, coisa séria, ajudando os pequenos travessos, com a estabilidade do ar fixo, a fazer com que ventem na direção certa, empurrando a vela do barco.

E por falar em barco, enquanto os gêmeos e o centauro brincam na terra o seu cabo de guerra de perto-longe, observados de longe pelo avô, param por um segundo, abismados, ao ver uma estrela brilhando lá no alto. Não é uma estrela, é um planeta. É o próprio Júpiter-Zeus, domiciliado em peixes, fértil e farto e salgado, que se ergue no meio do céu. A sorte é questão de fé, diz o grande benéfico lá de cima, em silêncio. É um silêncio marítimo, submerso, que diz das possibilidades infinitas do mar, o fim e o início de tudo, como uma onda, cíclica, a avançar e recuar indefinidamente.

Confira alguns livros para se conectar com as energias desta lunação.

Sol e lua em Sagitário – O sucesso vem das travessias

Correntes, Olga Tokarczuk, Todavia

“Minha energia vem do movimento — do chacoalhar dos ônibus, do barulho dos aviões, do balançar das balsas e dos trens”, escreve Olga Tokarczuk, Nobel de Literatura, em Correntes, recém lançado no Brasil pela Todavia. A narradora deste livro único investiga as possibilidades da escrita para falar sobre o corpo e o mundo, e as estratégias sempre limitadas com as quais tentamos mapeá-los. Inquieto como a própria autora, Correntes não para nem por um segundo: de ônibus, avião, trem e barco, o texto a acompanha de país em país, de tempos a tempos, de história a história, compondo um retrato multiplo e em movimento do nomadismo moderno. Trata-se de uma obra sobre nossas inquietudes, que reúne histórias, imagens e situações que nos despertam para um mundo ao mesmo tempo conhecido e misterioso.

Vênus e Mercúrio em sagitário – Grandes viagens em galope indomável

Direito à Vagabundagem, Paula Carvalho (org.), Fósforo

Primeira coletânea da escritora e jornalista Isabelle Eberhardt lançada no Brasil, Direito à vagabundagem é um convite a flanar pela imaginação e a sair por aí: “Sentir-se estrangeiro em casa e em todos os lugares, e caminhar, solitário e magnânimo à conquista do mundo”. Eberhardt foi uma exploradora e autora suíça que, na adolescência, publicava contos sob pseudônimo masculino. Se interessou pelo norte da África e após um convite do fotógrafo Louis David, mudou-se para a Argélia em maio de 1897. Vestiu-se então de homem e se converteu ao Islã, acabando por adotar o nome de Si Mahmoud Saadi. Além de um registro de suas experiências radicais, o livro traz consigo o desejo de estar no mundo de se dirigir ao horizonte renovado. Além da seleção dos textos, Paula Carvalho, historiadora e profunda conhecedora da obra de Eberhardt, nos brinda com um ensaio que auxilia nesta travessia, em busca de questionamentos da identidade europeia, da colonialidade e do próprio capitalismo. O impacto das experiências desta mulher radical foi tamanho, que Patti Smith, leitora assídua de seus escritos, escreveu uma música dedicada a ela.

Ascendente em gêmeos em trígono com Saturno em aquário – Brincar com a linguagem é coisa séria

A autobiografia de um polvo, Vinciane Despret, Bazar do Tempo

Inspirada pela ciência ficcional da therolinguística — ramo da linguística dedicado ao estudo e à tradução das produções escritas por animais —, criada por Ursula K Le Guin, a filósofa da ciência e psicóloga belga Vinciane Despret cria em A Autobiografia de um Polvo uma combinação surpreendente e original  de filosofia, ciência e literatura de ficção científica. No livro, cada capítulo apresenta um estudo sobre a comunicação e a poética de diferentes animais, como as aranhas, os vombates, e os polvos. As narrativas são situadas num futuro utópico, em que estes campos de pesquisa já estão em um estado avançado de consolidação, tensionando os limites do que hoje entendemos por linguagem, e trazendo reflexões sobre especismo e antropoceno. Isso sem deixar de lado em nenhum momento o rigor característico das produções acadêmicas, mas também sem abrir mão da esfera lúdica e divertida da imaginação como recurso retórico, nem muito menos de toda a poesia contida na possibilidade que se abre com a escuta de outras vozes, atualmente ignoradas.

Marte em gêmeos conjunto ao ascendente – A palavra como arma que liberta

O Sentido da Liberdade, Angela Davis, Boitempo

Publicados pela primeira vez em português, O sentido da liberdade e outros diálogos difíceis, de Angela Davis, é uma obra composta por doze transcrições de palestras realizadas pela autora entre 1994 e 2009, que abordam a relação entre neoliberalismo, racismo, opressões de gênero e classe e o fenômeno da expansão da indústria da punição (ou complexo industrial-prisional) nos Estados Unidos. Nos textos-falas reunidos neste livro, Davis expõe a discriminação em suas diversas formas — racismo, classicismo, sexismo, homofobia, transfobobia, xenofobia — abordando o encarceramento em massa como fenômeno que que substituiu a escravidão em termos de privação de liberdade e desumanização com um claro recorte racial. Desta forma, Davis acerta em cheio ao expor o racismo como um dos pilares do sistema capitalista, que se atualiza constantemente para garantir sua permanência.

Júpiter em peixes no meio do céu – A boa sorte é uma questão de fé

A Boa Sorte, Rosa Montero, Todavia

A alegria é um hábito. É construção. É prática diária e estratégia de sobrevivência. Tática de resistência. Essa é a lição que ensina Raluca, heroína do último romance de Rosa Montero, lançado pela editora Todavia. Raluca rouba a cena e o protagonismo. De repente, já não lembramos de mais nada. Nem de Pablo, o protagonista, nem da intrincada trama policial, meio noir, nem, muito menos, de nossas mazelas pessoais. À primeira vista, Raluca não tinha motivos de sobra para gozar, mas, mesmo assim, gozou. E seguiu gozando. Raluca é poderosa e proletária. Uma sacerdotisa. Uma mulher comum. Por isso, A Boa Sorte é um livro sobre o que é real e possível. É sobre desigualdades, pobreza, abandono parental, violência política e doméstica, mas também, e acima de tudo, é um livro sobre a arte de viver. E sobre a capacidade de perseguir e encontrar a alegria, que é também a sorte, incansavelmente, e apesar de tudo. É sobre fazer o melhor com o que se tem. Encarar o mundo sob diferentes perspectivas. O feitiço é: a escolha do ângulo certo. Não é sobre positividade tóxica pois, para ser tóxica, a positividade precisa necessariamente ser vazia de perspectiva crítica. É sobre a habilidade investigativa de desvendar as tramas do destino com interesse verdadeiro. Um compromisso sério e inabalável com a felicidade. A Boa Sorte nos lembra, por fim, que o amor é o único antídoto possível para o ódio. Uma lição valiosa para tempos sombrios.