Ser professora é uma questão de relação humanitária, diz haitiana
A imigrante Geneviève Cherubin chegou ao Brasil em 2015 e, desde então, dá aulas de francês no Abraço Cultural
“Ser professora não é aquela coisa tradicional de estar em frente aos alunos enquanto eles apenas ouvem. É uma questão de relação humanitária e de amor: qual é a minha parte no futuro com o que estou ensinando”, afirma a haitiana Geneviève Cherubin, de 34 anos, que chegou ao Brasil em julho de 2015 com o objetivo de recomeçar a vida e conectar-se a uma nova cultura.
Conhecida como Gene, a professora começou na carreira em 2003 sem formação universitária e sem saber ao certo se tinha o dom para ensinar. “Quando eu vi que eu conseguia transmitir meu conhecimento, e com prazer, pensei: eu sou boa, por que não fazer isso?”, conta.
Após algum tempo, a diretora da escola em que Gene trabalhava a incentivou a cursar pedagogia em uma universidade. Embora não consiga ficar muito tempo dentro de uma sala de aula, a haitiana aceitou o desafio. “Eu sou uma boa professora, mas são sou uma boa aluna. Eu tenho interesse, e, por isso, a faculdade conseguiu me passar o que precisei para ser quem eu sou atualmente”, diz.
Em São Paulo, conheceu o Abraço Cultural, projeto em que imigrantes e refugiados dão aulas de idiomas para brasileiros, e se candidatou para a vaga de professora de francês, profissão que segue até hoje. Além de ter sido seu primeiro emprego, o trabalho na instituição possibilitou que ela pudesse seguir com o que mais ama: ensinar e aprender cada vez mais com seus alunos.
A vida no Haiti
A imigrante cresceu em uma região longe da pobreza de Porto Príncipe, capital do Haiti. No passado, seus pais viveram na miséria, mas depois se tornaram comerciantes e puderam dar uma condição melhor aos filhos. “Eu posso dizer que sou uma das haitianas que teve muita sorte. Frequentei uma das melhores escolas do país, tinha motorista, carro e empregada”, relata.
Até o início da vida adulta, ela ainda não tinha tido contato com a realidade da maior parte da população do país mais pobre das Américas e um dos mais pobres do mundo (168º de 187 países no Índice de Desenvolvimento Humano). Esse panorama foi agravado com a ocorrência do terremoto de 2010, que matou 220 mil pessoas, e do furacão Matthew, em 2016.
Em 2010, após o terremoto, ela viajou pelo Haiti a convite da fundação “Imagine” e conheceu regiões em situação de extrema vulnerabilidade social. Como voluntária do projeto, atuou durante quatro anos em uma escola da Comunidade de Bernard Gousse, do estado de Pestel, sudoeste do país, onde deu aulas para as crianças.
“Encontrei um mundo que não conhecia. Lá, não tem luz, não tem banheiro, não tem escola. Não tem nada”, lembra. “Para mim foi um choque. Então, tive a certeza: não, eu não posso ficar vivendo como uma princesa enquanto todo esse povo está sofrendo, preciso fazer algo.”
Quando seu pai faleceu, em 2014, Gene voltou para Porto Príncipe. Depois de alguns meses, tomou a difícil decisão de partir em busca de uma vida melhor no Brasil, incentivada por sua mãe. “O Haiti é bonito, o povo é maravilhoso, mas tem também muitos problemas. A gente gostaria de ficar no nosso país, trabalhar, construir família, mas, infelizmente, não podemos.”
Rumo ao Brasil
“Eu sou uma pessoa que não tem barreiras. Para mim, é bom conhecer outra cultura e apreciá-la, por isso não tive choque ao chegar aqui, me adaptei muito bem. Eu sempre vejo as pessoas como humanos, não como imigrantes ou refugiados, pois qualquer um pode estar na minha situação”, afirma.
No entanto, o primeiro mês em uma nova realidade teve suas dificuldades. No início, Geneviève dormiu em um quarto com outras seis haitianas que conheceu chegando em São Paulo. Para aprender português, recebeu ajuda da “Missão da Paz”. Foram quatro horas diárias de aulas, durante 30 dias, e a professora já passou a se comunicar tranquilamente.
A etapa para conseguir se estabelecer no Brasil veio em seguida, quando conseguiu um emprego como professora de francês no Abraço Cultural. “Esse emprego foi um milagre. Quem tem essa oportunidade de não ter que recomeçar ao chegar em um país diferente? Tem pessoas que mudam tudo, inclusive a profissão.”
A haitiana chegou aqui sem conhecer nada, mas, em pouco tempo, descobriu tudo e se apaixonou pelo país. “Quando alguém me pergunta se vou voltar para o Haiti, eu respondo: ‘sim, vou voltar, mas não vou ficar’. O Haiti e o Brasil são como ‘mãe’ e ‘irmão’ para mim.”
Para a professora, dar aulas para crianças no Haiti e para adultos no Brasil tem pontos em comum. “Cada público é diferente. Mas, em geral, o que eu observei é que ninguém gosta de coisa chata. O professor deve ver qual tipo de estratégia usar para ajudar o aluno a ser independente”, explica.
Nas aulas de francês, a haitiana organiza atividades diversas para despertar o interesse nos estudantes. “A gente brinca, canta músicas, fala de coisas que eles gostam, tudo isso para aprender novos vocabulários. São eles mesmos que vão descobrir como podem estudar o francês. Não vai ser do meu jeito, eu sou só uma guia.”
Financiamento
No ano passado, uma amiga de Gene ligou para ela pedindo ajuda. Isso porque uma escola na comunidade de Corail, onde ela foi voluntária no Haiti, acabou sendo destruída com a ocorrência do Furacão.
A imigrante, então, decidiu lançar uma campanha de financiamento coletivo para comprar um terreno e oferecer um novo local para as crianças estudarem.
O projeto foi um sucesso: ela conseguiu atingir a meta de R$ 40 mil e, em dezembro, vai ao país para construir a escola, junto de voluntários haitianos e brasileiros e dos pais das crianças.