‘Esse exagero da comunicação digital nos faz cada vez mais solitários’, diz Gustavo Taretto

03/08/2015 18:28 / Atualizado em 06/05/2020 23:12

O cineasta argentino Gustavo Taretto está em São Paulo para o lançamento de seu novo filme, “As Insoladas”. Ambientada nos anos 1990, a comédia tem pré-estreia nesta segunda-feira, 3, no Cinesesc – dentro da programação do Festival de Cinema Latino-Americano – e chega ao circuito nacional no próximo dia 13.

Taretto é mais conhecido aqui no Brasil pelo seu primeiro longa-metragem, “Medianeras: Buenos Aires da Era do Amor Virtual”, comédia romântica lançada em 2011 (desenvolvida a partir de um curta-metragem homônimo) que, como o subtítulo em português sugere, aborda as vantagens e desvantagens das relações dentro do universo hiperconectado das grandes metrópoles.

Aproveitando a passagem do diretor pela cidade, convidamos nossos leitores nas redes sociais para uma entrevista colaborativa. Foram cinco perguntas selecionadas. Por telefone, o cineasta falou sobre seu método de trabalho, sua visão sobre os relacionamentos na atualidade, a ligação entre seus dois longas-metragens e revelou ainda que pretende “atualizar” seu filme de estreia.

Cultura em Casa“Medianeras” foi um filme muito bem recebido pela crítica no mundo todo e é querido dos brasileiros. A que você atribui esse sucesso?

Gustavo Taretto – Acredito que a razão do sucesso de “Medianeras” está na identificação com os personagens do filme e, por outro lado, uma certa curiosidade que a cidade de Buenos Aires desperta. Sempre me encontro com muitos brasileiros no meu bairro, então acredito que exista essa curiosidade. Além disso, o filme fala da solidão que existe nas grandes cidades nos tempos modernos, onde as pessoas estão tão conectadas e desconectadas ao mesmo tempo. E isso me parece que é uma realidade que acontece em São Paulo, França, em muitos lugares.

O ator Javier Drolas declarou em entrevistas que houve uma conexão maior com você, o diretor, do que com a sua colega de cena Pilar. Quão importante é a conexão entre os atores e diretos para o desenvolvimento do filme? Existe um trabalho paralelo pra que essa conexão fortaleça mais ou é na sorte?

O trabalho com Pilar e Javier foi muito diferente. Como Javier já havia participado do curta-metragem de “Medianeras”, já conhecia perfeitamente o personagem e nos entendíamos quase sem nos falar, até porque é um personagem construído sob medida para o Javier. Gosto de conhecer os atores previamente com conversas, jantares, passar tempo juntos. E sempre antes de fechar tudo, adapto o roteiro ao que creio que vá aproveitar melhor o potencial de cada ator. Com Pilar o caso foi outro. Tinha criado um personagem diferente para o curta, com mais humor. Depois de conhecê-la, reescrevi o personagem a partir de ensaios e conversas. A personagem ficou mais triste, mais em crise. O humor, coloquei em Javier e o dramatismo deixei para Pilar. E não tenho método, senão me adaptar aos atores que vão compartilhar o projeto comigo.

“Medianeras” faz um retrato de um relacionamento em tempos de era digital. Considerando as transformações tecnológicas vividas desde o lançamento do filme, em 2011, como você analisa, hoje, essa certa banalização da convivência física? 

As mudanças são sempre muito traumáticas. Têm algo bom e ruim. Esse exagero da comunicação digital é muito confortável, porque as pessoas se expõem menos, mas nos faz cada vez mais vulneráveis e solitários. Eu particularmente sou pré-tecnológico, então guardo coisas do passado, como a conexão corporal, o olho no olho, mas me parece muito curioso como as pessoas vão se relacionar, mesmo a minha filha que agora tem 16 anos. Não gosto de dar vereditos, gosto da observação e de traduzir essa observação. Não tenho como analisar o futuro das relações. Acho que todas essas obsessões e ansiedade existem porque as pessoas vivem muito sós. A solidão desenvolve todo tipo de neuroses. É uma coisa desconfortável, é uma armadilha. Por um lado é muito cômodo e por outro nem tanto. Eu gostaria de filmar “Medianeras” a cada 7 anos para atualizá-lo tecnologicamente e incorporar as novas coisas que nos fazem sofrer nessa vida em uma sociedade tão conectada e tão separada ao mesmo tempo. E realmente é um projeto futuro voltar a filmá-lo.

 Você sempre segue o roteiro à risca ou muda  o que já estava previsto quando grava uma cena?

Mudo as coisas o tempo todo. Umas das cenas que as pessoas me dizem que é a mais memorável de “Medianeras” – quando os personagens se cruzam acidentalmente na rua e os capuzes dos casacos formam um coração – está é foi uma ideia que me surgiu uma noite, no meio das rodagens, indo jantar com Pilar, e no outro filmamos. E acabou sendo uma cena marcante no filme. Eu gosto que cada personagem assuma o filme, desde os atores, fotógrafo, todos estão aí pelo projeto, então tenho muita abertura para modificá-lo, não sou o tipo de diretor que trata o roteiro como uma coisa sagrada, que deve ser reproduzido até a última pontuação. Cada experiência é única. Em “As Insoladas” eu tinha um roteiro para 5 atrizes, mas conhecia uma outra de quem gostava muito e que não condizia com nenhuma das personagens que eu tinha escrito. Escrevi um sexto personagem para ela.

Em “As Insoladas” você trata do universo feminino em uma década anterior: os anos 1990. Você vê alguma ligação entre os dois filmes?

Não se pode negar que os dois filmes foram feitos pelo mesmo diretor, com a mesma cabeça, mas na superfície são projetos bastante distintos, de tom, de gênero. “Medianeras” fala da era digital, e “As Insoladas” trata de uma década onde começava a existir o celular. “Medianeras” é quase monocromática e “As Insoladas” é pop, por toda a cor que tem, além de falarem de coisas distintas. Mas eu vejo pontos de contato entre os dois projetos, mas não sei se são tão visíveis para o público em geral. Entre eles estão o protagonismo da cidade [de Buenos Aires], uma observação irônica, o tom de humor é parecido também e os dois projetos são muito particulares.

Agradecimento aos leitores/entrevistadores Isadora Nogueira, Gabriela Rassy, Dalila Ferreira, Julia Zanolli e André Vinicius Nicolau.