Jornalista brasileiro entra no mundo violento da luta muay thai
O jornalista, escritor e documentarista João Carlos Assumpção mergulha num mundo violento e desconhecido: os lutadores da muay thai no Brasil – a arte marcial da Tailândia.
Intitulado Brasil-Bangkok será lançado no próximo. Ele adianta para a Catraca Livre detalhes sobre sua investigação.
“Hoje sei que tudo que passei, todo sofrimento, toda solidão, todo esforço não valorizado, todos abdominais sozinho pensando porque estava fazendo aquilo, todos machucados, roxos, inchaços, cortes, caroços, dores nos joelhos, na lombar, estresses pré-lutas, dietas extremas, desidratações, pressões pra vencer, amigos falsos que tinha que cumprimentar, incertezas sobre o futuro, toda pobreza por estar buscando um sonho inalcançável, tudo isso me serviu pra me deixar o cara mais forte do mundo e encarar a vida de uma forma mais fácil, tranquila e bem pensada, porque quem já passou por tudo o que passei sendo adolescente, com cabeça de adolescente, com todas as incertezas de adolescente e ainda sair por cima, com apenas 20 anos de idade como o maior campeão do maior evento de muay thai do Rio Grande do Sul, ter lutado fora do estado e ter uma galera me seguindo e já admirando minha história, consegue fazer qualquer coisa na vida, então se eu quiser ser rico vou ser, se eu quiser ser feliz vou ser, se eu quiser viajar o mundo todo vou viajar e assim por diante, e hoje só tenho essa cabeça por tua causa, João, tu foi o cara que pôs a cereja no bolo dos meus pensamentos e metas a cumprir, mostrou que tudo é possível e me ajudou a ver a vida de outra forma e se não fosse tu eu envelheceria do mesmo jeito que tu me conheceu, estagnado, buscando algo inalcançável como aconteceu com um amigo meu que dedicou 20 anos da vida a esse esporte e não estudou por conta desse esporte, não pensou no futuro por causa desse esporte que infelizmente não é valorizado, mas é o esporte que mais te prepara pra encarar a vida e é tendo isso em vista que um dos planos para o futuro é abrir uma academia de Muay Thai na vila onde moro para dar aulas gratuitas a crianças carentes e ensinar tudo sobre a vida e assim criar seres humanos decentes, sonhadores e muito esforçados, porque o Muay Thai exige isso apenas para quem deseja ser bem-sucedido, mas muitas vezes essas crianças nem sabem que podem ser bem-sucedidas ou viver fora da realidade que têm.”
O depoimento acima colhi de um lutador de Muay Thai – Maurício Telles – cuja carreira comecei a apoiar no ano passado e que, quando conheci, estava estagnado e morto, como ele gosta de dizer, mas que passou, aos poucos, a repensar a vida e, inclusive, voltar a estudar.
Passou, como ele mesmo diz, a acreditar num amanhã. E a vislumbrar um depois de amanhã também. Após um ano afastado dos ringues para se dedicar a aulas particulares de boxe tailandês e funcional em Porto Alegre, volta a lutar no próximo sábado, dia 17, em São Leopoldo (RS), participando de um GP, torneio em que precisa vencer duas lutar para ir à final no ano que vem. O ganhador leva uma passagem e um mês de treinos na Tailândia, sonho de todo lutador de Thai, que quer porque quer conhecer o berço da modalidade e ir viver em Phuket ou Bangkok.
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Acompanho o universo da luta desde 2015, quando fui chamado pra fazer pesquisa pra um documentário sobre o mundo de atletas de Muay Thai no Brasil.
Boa parte vivendo na periferia, ganhando bolsas irrisórias ou lutando de graça, sem dinheiro pra suplemento, dieta, o que for, muito menos plano de saúde, e precisando de bicos e mais bicos pra sobreviver. Vivendo um sonho (quase) impossível. De lá pra cá ajudei alguns lutadores, um dos quais saiu de Osasco pra fazer sucesso na Tailândia, e mergulhei a fundo na vida deles, colecionando histórias incríveis, que conto no livro “Brasil: Bangkok”, a ser lançado no segundo semestre do ano que vem.
Entrei na cabeça deles, virei mano dos lutadores e fui tentar decifrar o que motiva esse pessoal a subir no ringue, fazer perdas insanas de peso, geralmente sem acompanhamento médico nenhum, colocando a vida e a saúde em risco literalmente por uns trocados.
Percebi também, aos poucos, que eles tinham muito a me ajudar, já que sou pilhado pacas, tenho fortíssimas crises de ansiedade, ataques de pânico, que no início só aumentaram por entrar num mundo que não era o meu, depressão… Mas fui enfrentando meus traumas, minhas angústias, minha ansiedade e batalhando, batalhando, batalhando… E lutando com eles. Vencendo, perdendo, caindo, levantando, sorrindo, chorando, mas seguindo adiante. No Brasil real. E que alguns, infelizmente, só conhecem de ouvir falar. Mas que tem muito, muito mesmo a nos ensinar.
João Carlos Assumpção é jornalista, escritor e documentarista, autor de cinco livros de futebol e codiretor do longa “Sobre Futebol e Barreiras”, filmado em Israel/Palestina durante a Copa de 2010. Foi repórter da Folha de S.Paulo, correspondente do jornal em Nova York, chefe de redação e reportagem do SporTV em SP e colunista do diário LANCE!