O melhor texto sobre Game of Thrones, que volta neste domingo

13/04/2019 08:41 / Atualizado em 11/09/2019 12:03

Esse texto abaixo foi feito pelo Canal Meio.

Game of Thrones, que estreia sua última temporada amanhã na HBO, conta a história do reino fictício e medieval de Westeros. Mas a verdade é que ele não é tão fictício assim. Enquanto muitos choravam pela primeira morte impactante da série, Bruce Craven, professor de administração da Columbia University, via em Ned Stark uma lição fracassada de liderança. Ele é o autor de Win or Die – Leadership Secrets from GOT, livro recém-lançado que disseca a trajetória dos principais personagens criados por George R.R.Martin.

‘Não seja um Ned Stark’ é o título do primeiro capítulo. E o autor apresenta argumentos politicamente sólidos para justifica-lo. “Quando o Rei Robert viaja para o norte e solicita seus serviços, Ned reage instintivamente, guiado por seus valores pessoais, e fechando os olhos para as vantagens de uma parceria com Lord Varys. Ele era simplesmente orgulhoso demais para se ajustar à natureza cruel de uma disputa sobre sucessão real”.

Quando se joga o jogo dos tronos, você vence ou você morre… Sete temporadas se passaram desde que Cersei Lannister soltou a famosa frase, repetida a exaustão pelos fãs da série. Tudo indica que Cersei estava errada. “O meio termo é o momento em que as decisões são tomadas – decisões terríveis, mas decisões produtivas. O meio termo é a liderança, o momento de alavancar as habilidades, de jogar pra ganhar”, defende o professor da Columbia. Ainda sobre a execução de Ned, o fato é que sem ela não teríamos acompanhado as batalhas, intrigas, romances e ressurreições que culminarão neste domingo. Mas, alerta o autor do livro sobre liderança, se você quiser vencer o jogo dos tronos da vida real, melhor seguir outros exemplos citados ao longo do texto.

Mate o menino e deixe o homem nascer… Outro momento emblemático destacado por Bruce Craven, e que serve como lição pra todos nós, envolve um Jon Snow apavorado pedindo que alguém tome uma decisão por ele enquanto os selvagens avançam contra a Muralha. É quando Meistre Aemon joga uma grande verdade sobre liderança na cara do rapaz; basicamente um ‘cresça e lidere’. Em outras palavras, assuma suas responsabilidades mesmo que isso custe sua popularidade. Depois disso, Jon chamou o desafio pra si e em breve saberemos se a aposta deu mesmo certo. Veja as melhores lutas de Snow.

Vamos então à pergunta fundamental: Independente de quem sente no Trono de Ferro, quem merece a coroa? E o que essas análises sobre os personagens e suas trajetórias indicam? Craven e outros acadêmicos acreditam em Sansa Stark, a filha mais velha de Ned. Ele parte de uma perspectiva político-econômica. “Ela encontrou maneiras de se adaptar e sobreviver de um jeito que seu falecido pai nunca conseguiu. Ela se transformou numa estrategista”.

Faz sentido. Sansa provavelmente foi quem mais lidou com líderes diferentes durante toda a série. Sansa aprendeu com as manipulações de Littlefinger. Sansa testemunhou os golpes de Cersei – que Craven chama de abordagem “transacional” – para chegar à liderança. E Sansa viu um Jon Snow jovem e cheio de dúvidas se transformar em um comandante militar firme sem abrir mão de seus valores essenciais. “Esse aprendizado pode ser a vantagem final, mesmo que ela não tenha o poder de fogo dos dragões de Daenerys Targaryen ou da espada de aço valiriana empunhada por Snow”. Reveja os melhores momentos de Sansa.

Para Mark Wright, diretor de pesquisa do Federal Reserve Bank de Minneapolis, Sansa desfruta também de uma grande vantagem em termos de recursos econômicos: o Vale de Arryn, o mais fértil de Westeros, está sob seu comando. Vale lembrar que suas terras fornecem trigo, milho, cevada e abóboras. “Os demais candidatos ao trono estão quase falidos. Acho que foi Napoleão quem disse que um exército marcha sobre seu estômago”, complementa Wright.

Nem todos estão convencidos. Os sites de apostas, por exemplo, estão entusiasmados com seu irmão, Bran Stark. A Boyle Sports lhe dá 4/5 de chances de sentar no Trono. Ele é a principal escolha da Bovada também. E da Oddschecker. E da Gambling.com. Também faz sentido: o mercado é o mais próximo que o público tem de um corvo de três olhos, que pode ’prever o futuro’ manipulando expectativas. Mas, claro, o mercado sempre pode estar errado.

Já Carolyne Larrington, professora de literatura medieval européia em Oxford e autora de O inverno está chegando: O mundo medieval de Game of Thrones, vê Daenerys como a escolha mais provável. Não há dúvidas de que a mãe dos dragões desenvolveu habilidades de liderança. Ela inspira pessoas ao entrar em chamas e sair ilesa. Ela liberta escravos. Ela tenta governar para o benefício dos outros. E ela tem dragões. Ela é “a rainha que escolhemos”, nas palavras de sua intérprete e conselheira, Missandei. “Toda liderança que avança com sucesso contra as probabilidades – com a exceção da Cersei – envolve pessoas motivadas pelo espírito colaborativo”.

Precisamos falar de Tyrion Lannister…

Tyrion precisou usar, desde criança, a consciência social e o gerenciamento de relações para enfrentar as pressões ambientais: sua irmã o descrevia, literalmente, como um ‘monstro’. Em Construindo Hábitos de Sucesso: Trabalho em Rede e a Ciência da Auto-Mudança, Ko Kuwabara aponta que “networking deveria ser como exercício físico: um hábito”. As conexões mais eficazes de Tyrion são resultado dessa relação constante com gente fora de King’s Landing. Quando confrontado com a quantidade de tempo que ele passou com as pessoas à margem da sociedade, Tyrion disse: “Eu tento conhecer o maior número de pessoas que eu puder. Você nunca sabe de qual delas você precisará”.

Tyrion é forte em sua capacidade de trazer os outros para o seu lado, até mesmo pessoas com a intenção de matá-lo. Seus hábitos decadentes são uma forma de fuga, mas também de construção de redes. E seus vícios são menores se comparados à atmosfera sangrenta de Westeros e Essos. Na gestão de relacionamentos, ele tem a habilidade de falar honestamente, muitas vezes com a intenção de ajudar os menos favorecidos. Ele disse a Jon Snow para abraçar e reconhecer o termo bastardo; um conselho baseado no que ele mesmo aprendeu: “Todos os anões são bastardos aos olhos de seu pai.” Ele defendeu uma Sansa aterrorizada pelas agressões e abusos do rei Joffrey. Ele liderou o exército na Batalha de Blackwater. Tyrion encontra coragem quando as pessoas precisam dele para sentir… coragem. Seu trabalho pode não ser reconhecido em Westeros, mas em Essos ele encontra o apoio de Daenerys Stormborn, a Mãe dos Dragões. Reveja alguns dos seus melhores momentos.

E por falar em Daenerys… Tarun Khanna, professora da Harvard Business School, defende que a inteligência contextual é um componente básico da compreensão humana para fazer julgamentos em diferentes cenários. Daenerys tem bastante disso. “Em uma organização que opera com fronteiras tradicionais, supõe-se que os líderes tenham o know-how para criar uma corporação competitiva”. Foi assim que Robert Baratheon, Ned Stark e Tywin Lannister lideraram. Onde estão? Mortos. É assim que Cersei Lannister ainda lidera. Já os instintos de liderança de Daenerys são bem diferentes. Ela é flexível sobre hierarquia. Ela escuta seus subordinados diretos mesmo consciente de que a decisão final depende dela. Ela já aprendeu que o poder pode intoxicar os líderes. Ela reavalia seus pensamentos para tomar as melhores decisões. Ela aceita conselhos. “Sua Mão é um homem inteligente. Eu conheço muitos homens espertos. Eu sobrevivi a todos eles. Você sabe porque? Eu os ignorei. Os senhores de Westeros são ovelhas. Você é uma ovelha? Não, você é um dragão”, aconselhou Lady Olenna. Daenerys recebeu a mensagem tranquilamente, seguiu com o plano diplomático de Tyrion e permanece, até o fechamento desta edição, como Mãe dos Dragões. Façam suas apostas.

Game of Thrones não se presta somente a alegorias de política e liderança. É entretenimento da melhor qualidade. E para milhões de fãs, o episódio de amanhã marca o começo do fim. A última temporada encerra a jornada de personagens amados, como Jon Snow, Tyrion Lannister e Daenerys Targaryen, e outros nem tanto, como Cersei Lannister. Só que existe uma outra legião de fanáticos pelo universo de George R.R. Martin cujo suplício está longe de terminar e é até agravado pela conclusão da série. São os leitores de “A Song of Ice And Fire” (no Brasil, “As Crônicas de Gelo e Fogo”), a coleção de livros que inspirou a série (Amazon).

Entre o lançamento de seu primeiro volume, “A Game of Thrones”, em 1996, e a estreia da série, em 2011, a coleção tornou-se objeto de culto no nicho geek, vendendo cerca de 15 milhões de exemplares em todo o mundo. A adaptação para a TV a tornou um fenômeno entre o público geral. O problema é que até o momento, Martin publicou somente cinco dos sete volumes previstos, e não há qualquer estimativa de quando “The Winds of Winter”, o sexto, vai ser lançado. O material já publicado esgotou-se na quinta temporada da série.

Essa situação deixou os produtores David Benioff e D. B. Weiss com a tarefa inusitada de adaptar uma obra em andamento. Adaptações bem sucedidas de livros podem ser caninamente fieis (“O Poderoso Chefão”), vagamente inspiradas (“Blade Runner”, que não aproveitou sequer o título do livro de Philip K. Dick) ou focadas em apenas um aspecto da obra (“O Nome da Rosa”). Mas, nesse caso, tudo o que a produção tinha para guiá-la era a indicação de Martin de qual final previa.

Acontece que o próprio autor não tem tanta certeza de como vai concluir sua saga. Um dos motivos para que Martin leve tanto tempo produzindo seus livros é que ele costuma se “deixar conduzir” pela história, com as linhas narrativas saindo de seu controle. Em entrevista, revelou que sua primeira ideia para o que seria “A Song of Ice And Fire” era um conto. “Estava tudo na minha cabeça, mas eu não conseguia escrever. Não foi uma decisão inteiramente racional. Mas escritores não são criaturas racionais”, disse. Ou seja, não dá para saber a que recantos de Westeros sua imaginação o levará.

Para os fãs literários, sobram angústias. Pelo menos dois personagens principais, Jamie Lannister e Sansa Stark, e um secundário, Aysha (não Yara) Greyjoy, terminaram “A Dance of Dragons” (2011) em situações radicalmente diferentes das que a série lhes reservou. Duas narrativas de aparente importância, a vingança de Lady Stoneheart e a invasão de Westeros pelo Pequeno Grifo, foram inteiramente suprimidas. O que fará Martin? Vai podá-las também para se adequar ao final que vamos conhecer nos próximos meses? Ou ignorar o que se viu na TV e deixar que os livros caminhem para a própria conclusão?

Isto é, se conclui-los.