‘A Educação infantil é complementar à ação da família’, afirma especialista
“Uma das coisas que precisamos avançar no Brasil é a intersetorialidade no olhar à criança, para que haja um olhar profundo e com unidade. Não dá para fragmentar, a criança é uma pessoa íntegra e precisa ser vista holisticamente”
Essas palavras são de Vital Didonet, filósofo, pedagogo, especialista em políticas públicas para a primeira infância e membro da Rede Nacional Primeira Infância. A seguir, veja o que ele disse em conversa com o Catraquinha sobre acertos e desafios da educação infantil pública, experiências internacionais e o papel da família na educação:
Falando de educação infantil, o que você destacaria como positivo nas políticas públicas do país?
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Em âmbito nacional, há uma concepção de educação infantil que parte da criança, respeita o seu ritmo e que associa o cuidar e o brincar como duas dimensões de uma mesma realidade, na qual tudo é cuidar, e tudo é brincar.
Toda educação implica em um olhar cuidadoso e respeito à criança em toda sua dimensão. Não é só aspecto físico, mas o cuidar de seu pensamento, de seus sentimentos.
Poderia citar exemplos?
Há diversas escolas e creches trabalhando com um olhar mais atencioso e cuidadoso com o bebê, seguindo os métodos Reggio Emília, Waldorf ou Ammi Pikler. E há experiências muito interessantes, sobretudo nos municípios, da rede pública e de organizações não governamentais, da rede pública algumas secretarias de educação que tem uma proposta pedagógica bem elaborada, construída junto com os professores.
E internacionalmente, quais políticas ou iniciativas você destacaria?
O Brasil está seguindo muito com atenção a experiência pedagógica da Itália, onde há experiências maravilhosas em várias regiões. A mais conhecida aqui é a Reggio Emília, uma experiência pedagógica de mais de 50 anos, que parte do princípio de que a criança é capaz, que ela é o sujeito da aprendizagem, ela tem capacidade de aprender. Essa experiência educacional é muito considerada no Brasil.
Qual é o papel da escola e da família na educação da criança?
A LDB (Lei de Diretrizes básicas da Educação Nacional) diz que a Educação Infantil é complementar à ação da família. Portanto, reconhece e compreende que a base da educação começa em casa. Desde a gestação, nascimento, os primeiros anos do bebê.
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A escola, para complementar, tem que compreender qual é a educação familiar, o que a criança está aprendendo em casa e dar sequencia. Não iniciar tudo de novo e nem desconsiderar a aprendizagem familiar.
Como aproximar as famílias da escola?
Os pais precisam se sentir parte do processo educacional, ser reconhecidos como educadores em casa e saber que a escola está dando ou não continuidade ao que ensinam em sua casa.
Hoje, há um problema mundial, que no Brasil está muito agravado, que é a terceirização. A família abre mão da educação da criança, entrega o cuidado para a escola, achando que a escola vai dar conta de tudo. E a escola não dá conta, por que falta o vínculo familiar. Tanto o vínculo da família com a criança, quanto o vínculo da educação familiar com a educação escolar.
É preciso que os pais participem da elaboração do projeto pedagógico da escola, que as atividades da escolas sejam conhecidas pelos pais, não apenas as questões administrativas e o calendário.
‘Claro, as famílias não tem tempo, moram longe da escola, tem o trânsito, há muios desafios, mas temos que descobrir uma forma de superar essa separação’
Além disso, quando não há vínculo, a criança se sente dividida: vou para a escola aprender e em casa não aprendo nada? Tanto a casa quanto a escola são fonte de aprendizagem.
Você já comentou os pontos positivos do país no campo da educação infantil. Quais são os desafios?
O maior de todos, e que é também uma solução, é que a educação seja um compromisso, tal como a constituição determina, do Estado brasileiro, e não apenas dos municípios. O Estado tem um papel importante junto aos municípios, de contribuir para a construção de escolas e investir na formação de professores.
Tanto a União, quanto os estados tem o dever de dar assistência técnica e financeira aos municípios, essa é uma responsabilidade coletiva.
O segundo, é ter um orçamento para a Primeira Infância. O Marco da Primeira Infância determina que a união informe quanto de recursos foi alocado para a primeira infância. Mas não se fala ainda na palavra “orçamento criança”. O poder executivo pode criar isso. Com isso, seria possível mensurar resultados e cobrar mais recursos.
Outro desafio é a formação e a remuneração dos professores. Essas duas coisas o Brasil tem que resolver. Já melhorou muito, mas ainda é insuficiente. Qual é a área ou o setor mais sensível, onde deveríamos colocar o profissional mais qualificado? Não é no ensino superior, nem no ensino médio. É na educação infantil. Não tem sentido que um professor da educação infantil ganhe dois mil reais, e outro professor de outra etapa ganhe dez ou doze mil.
Temos que realmente enfrentar essa questão da formação e na remuneração. E assegurar que tenhamos os melhores professores na creche.
O outro desafio é a questão do currículo. O que realmente temos que dar a oportunidade das crianças vivenciarem como experiências de aprendizagem? A LDB determina que haja uma proposta pedagógica, muitas não tem.
Há grandes empresas que vendem material para as escolas. Isso pode ser um problema, pois o material vem de outro estado, e isso contribui para um empobrecimento muito grande da educação infantil, na medida em que ela pode se entregar à definidores externos à escola, comunidade e cultura local. Quando os currículos vem de cima para baixo, para que o professor simplesmente aplique, ele passa a ser somente um aplicador, e sua criatividade termina.
Municípios que construíram propostas pedagógicas de qualidade com os professores avançaram muito
Quando participa do projeto pedagógico, o professor recupera o conceito de que ele é o diretor da atividade, de que ele é responsável pela proposta educacional.