396 mortes pela PM paulista: as histórias por trás dos BOs

Por Ciro Barros, Iuri Barcelos e José Cícero da Silva em parceria com a Agência Pública

11/12/2015 11:29 / Atualizado em 07/05/2020 01:38

A Pública analisou todos os boletins de ocorrência das mortes cometidas por policiais militares em 2014: roubos motivaram 86% das operações letais; nesses casos, 17 PMs ficaram feridos e nenhum morreu

Foram seis meses de pedidos pela Lei de Acesso à Informação para obter todos os 330 boletins de ocorrência (BOs) que resultaram em 396 mortes por intervenção policial em São Paulo no ano de 2014. E mais dois meses para tabular as informações que revelam padrões de atuação nas ocorrências em que a polícia mata. Os dados foram fornecidos pelo Departamento de Inteligência da Polícia Civil de São Paulo (Dipol) e incluem mortes provocadas tanto por policiais militares em serviço como em folga.

O enredo de uma intervenção letal da Polícia Militar (PM) em São Paulo começa com um homem jovem e negro suspeito do crime de roubo nas ruas da capital paulista. A PM sai em perseguição e, quando o encontra, os policiais são supostamente recebidos a tiros. Os PMs então “revidam a injusta agressão”, no jargão dos boletins de ocorrência – ou seja, atiram de volta. E são certeiros: poucos personagens dessa história sobrevivem. As armas das vítimas da PM costumam ser de baixo calibre: apenas seis entre as 271 supostamente apreendidas eram de alta potência, como fuzis ou escopetas. Percebemos também que as intervenções ocorrem principalmente em locais afastados do centro expandido, região que concentra as áreas mais nobres de São Paulo.

Nossa análise levanta dúvidas sobre os confrontos narrados nos boletins de ocorrência. Frequentemente, os únicos depoimentos a respeito desses crimes são dos PMs envolvidos, que alegam serem sempre recebidos a tiros. Entretanto, poucos policiais se ferem nessas circunstâncias: enquanto 396 vítimas civis morreram, nenhum PM veio a óbito e apenas 17 ficaram feridos nas ocorrências analisadas pela Pública.

No ano passado, segundo a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), oito policiais militares morreram em serviço e outros 129 ficaram feridos. A maioria desses casos não ocorreu em situações envolvendo mortes de civis pela PM, como demonstram os BOs analisados.

A SSP-SP ocultou de suas estatísticas as mortes provocadas por policiais militares em folga em 2014. Todas as 71 vítimas de PMs fora de serviço mapeadas na pesquisa foram classificadas como homicídios comuns nos dados da secretaria.

Descobrimos também que há uma possível subnotificação das mortes por intervenção do Estado em São Paulo. Cruzamos os boletins de ocorrência com os dados do PRO-AIM (Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade) da Prefeitura de São Paulo. No Programa, havia 124 vítimas de morte por intervenção policial na cidade em 2014. Com a pesquisa da Pública, esse número mais que dobrou: outras 153 vítimas foram identificadas e incorporadas ao banco de dados do PRO-AIM.

Era impossível ficar só nos BOs. Em alguns casos, os termos policialescos ocultam mortes com fortes indícios de execução, como descobrimos em campo. Confira a matéria completa no site da Agência Pública.