Deputado quer tirar norma que proíbe psicólogo de propor cura gay

Mais uma vez a resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP), que estabelece normas de atuação para terapeutas em relação à orientação sexual de seus pacientes, é pauta de um Projeto de Decreto de Legislativo (PDC), na Câmara dos Deputados.

De autoria do deputado Pastor Eurico (PHS-PE), a proposta pretende suspender a resolução 1/99, criada em 23 de março de 1999, com o argumento de que viola a Constitução Federal, desrespeita o direito da livre expressão da atividade intelectual e agride a liberdade do exercício da profissão.

Entre as considerações da resolução do Conselho de Psicologia, estão a contribuição para uma reflexão sobre o preconceito e o desaparecimento de discriminações de homossexuais, a proibição dos profissionais de exercer qualquer ato que trate como doença comportamentos ou práticas homossexuais e a participação de eventos que proponham a cura da homossexualidade.

Pastor Eurico é o relator do projeto que pretende excluir autonomia do Conselho Federal de Psicologia e retirar norma que proíbe “cura gay”
  • A volta da cura gay

Mas não se assuste! Essa não é a primeira vez que um projeto propõe – sejamos francos – a famigerada “cura gay”. Em 2009, a própria Câmara rejeitou um decreto semelhante do Deputado Federal Paes de Lira (PTC/SP), que também almejava sustar a aplicação do parágrafo único do art. 3º e o art. 4º da resolução do CFP. A proposta, entretanto, foi rejeitada pela Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados. “Além disso, existem decisões judiciais no sentido de que a Resolução está totalmente de acordo com os termos da Lei nº 5.766/71”, lembra João Paulo Bosco, advogado especialista em Direito Público.

Inclusive é essa lei que fragiliza o argumento do Pastor Eurico, uma vez que ela criou o Conselho e atribuiu a ele a orientação, disciplina e fiscalização do exercício da profissão de psicólogo. Ou, em português claro, dá total liberdade ao Conselho Federal de Psicologia de estabelecer o que é certo e o que é errado dentro da profissão no País.

Entretanto, a recusa de uma proposta não significa que algo semelhante não possa ser aprovado, como explica Bosco: “cada projeto tem a sua ‘história’ e um não vincularia o outro. Decidir sobre a constitucionalidade do projeto cabe à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, depois disso ele passa pelas demais comissões, vai pro plenário, depois pro senado, segue o mesmo rito que o da Câmara e por último vai à sanção ou veto do Presidente, caso seja aprovado”.

Caso seja aprovado em todas essas instâncias, e sancionado, é que vira uma lei. “Mas essa lei também pode ter a sua constitucionalidade questionada, inclusive pelo conselho. Neste caso, pra se contestar a constitucionalidade de uma lei aprovada e sancionada, o instrumento ideal é a ADI – (Ação Direta de Inconstitucionalidade), e quem dá a palavra final é o STF (Supremo Tribunal Federal)”, completa.

A proposta do Pastor Eurico é embrionária e ainda deve ser avaliada pelas comissões de Direitos Humanos e Minorias; de Seguridade Social e Família; e de Constituição e Justiça e de Cidadania, antes de ser votado pelo Plenário. Porém, já assusta quando pretende limitar as ações do CFP à aprovação do Congresso Nacional, uma vez que o pastor afirma que “o Conselho Federal de Psicologia deve mandar sua proposta para o Parlamento, a fim de debatermos sobre a vedação ou não de determinadas condutas da profissão”.

  • E o Conselho, o que acha disso?

Em nota, o Conselho Federal de Psicologia repudia o Projeto de Decreto Legislativo (PDC) nº 539/2016 e a afirma que a resolução 1/99 não se constitui, em hipótese alguma, como afronta ao direito da livre manifestação do pensamento nem se coloca contra qualquer determinação Constitucional.

Confira a nota completa:

O Conselho Federal de Psicologia (CFP), no exercício de suas atribuições legais e regimentais, em consonância com o seu Código de Ética Profissional, vem a público manifestar-se contrário ao Projeto de Decreto Legislativo (PDC) nº 539/2016. Tal projeto visa sustar os efeitos da Resolução CFP nº 01/1999, que estabelece normas de atuação para as (os) psicólogas (os) em relação à questão da orientação sexual. Esta autarquia informa também que, amparada pela produção científica nacional e internacional e em defesa dos princípios constitucionais da igualdade e da não discriminação, está em interlocução com parlamentares a fim de impedir a aprovação do texto.

O PDC nº 539/2016 alinha-se a um histórico de propostas parlamentares contrárias a uma Resolução que, ao longo de quase duas décadas, firmou-se como dispositivo orientador do exercício da Psicologia e como referência para a garantia de direitos, sendo recorrentemente citada e utilizada por profissionais de outras áreas, além de instituições de ensino e de pesquisa. Tal Resolução tornou-se assim um instrumento extremamente importante para o enfrentamento ao preconceito ao reiterar as posições científicas já consolidadas internacionalmente de que as homossexualidades não constituem doença, distúrbio ou perversão. Ao publicá-la, o CFP atuou de acordo com suas funções de orientar e disciplinar o exercício da profissão, conforme estabelecido pela Lei nº 5.766/71, que cria o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Psicologia.

Outros Projetos de Decreto Legislativo semelhantes (como o PDC nº 234/2011 e o PDC nº 1.457/2014) foram arquivados após atuação do CFP e da sociedade civil organizada junto aos parlamentares esclarecendo as inconsistências dos argumentos apresentados. O Judiciário também já se manifestou, reiteradamente, de forma favorável à legalidade da Resolução, como em decisões proferidas pela 15ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, em 2010, e pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, do Rio de Janeiro, em 2012.

A Resolução do CFP não se constitui, em hipótese alguma, como afronta ao direito da livre manifestação do pensamento nem se coloca contra qualquer determinação Constitucional.

Fundamentado nos princípios éticos, científicos e filosóficos da Psicologia, o CFP busca tão somente orientar as (os) profissionais psicólogas (os) para uma atuação pautada no reconhecimento de que a sexualidade faz parte da identidade do sujeito, a qual deve ser compreendida na sua totalidade, promovendo a superação de preconceitos e discriminações. As homossexualidades não devem ser tratadas como patologias, distúrbios ou perversões e, portanto, não são cabíveis quaisquer práticas que proponham seu tratamento ou cura.

O Conselho Federal de Psicologia seguirá monitorando e se posicionando nos espaços de participação social, bem como junto aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, com o objetivo de resguardar o exercício cientificamente fundamentado e ético da Psicologia, buscando promover a saúde, o bem-estar e o respeito incondicional aos Direitos Humanos e às liberdades fundamentais.

  • E não é só o Congresso que passa vergonha com ideias pré-históricas. A cantora Anitta errou feio, errou rude ao falar que era a “cura gay” em show no Baile da Vogue. E a gente já está calejado de saber que homossexualidade não é um doença, sendo assim, não há nenhuma cura.