‘Ela perdeu a melhor fase da vida’, diz mãe de atingida por lama
Sofya vive há dois anos com problemas de saúde decorrentes do desastre em Mariana (MG)
“A Samarco comeu a porta, a janela e a casa de Vovó Geralda”, diz Sofya, de apenas dois anos, ao ser questionada pela mãe sobre o rompimento da barragem de rejeitos da mineradora – controlada pelas empresas Vale e BHP Billiton –, em Mariana (MG). À época, a menina estava prestes a completar um ano de idade e não pôde comemorar seu aniversário.
Tudo mudou na vida da pequena Sofya desde o dia em que a lama chegou aos distritos da região, em 5 de novembro de 2015, levando vidas, memórias e sonhos. Moradora de Barra Longa, a criança convive há dois anos com problemas de saúde causados pelo desastre, como diarreia, alergias na pele e problemas respiratórios.
“Temos mais de um laudo que comprova que ela está doente devido aos rejeitos da lama e da poeira que ficou na nossa cidade. E nada da Renova – fundação criada para reparar danos causados pelo desastre”, afirma sua mãe, Simone Silva.
- Brumadinho: quais as reivindicações dos atingidos um ano após desastre
- Justiça nega pedido da Samarco para suspender multas do Ibama
- Para evitar rompimento, noção de risco deve mudar, diz engenheiro
- 45 barragens estão sob ameaça de desabamento, diz relatório
Segundo Simone, Sofya tem perdido a melhor fase da vida porque é prisioneira dentro de casa. O pouco que ela sai para brincar é na porta da residência, mas volta cheia de coceira no corpo, pois a rua foi asfaltada com a lama da beira do rio. “Ela não tem liberdade. E ainda nós vivemos em uma casa que teve sua estrutura abalada pelas obras com os caminhões da Samarco e que corre o risco de desabar a qualquer momento”, diz.
Dia a dia
Há dois anos Sofya toma medicamentos diariamente, principalmente os antialérgicos, e tem dificuldades para dormir por causa dos problemas respiratórios. “A vida dela tem sido uma tortura. Corta meu coração ao ver sua cara de sofrimento”, relata a mãe.
Além disso, os gastos da família aumentaram significativamente. Antes da lama, pagavam cerca de R$ 39 na conta de água, hoje pagam R$ 105. Em relação ao consumo de energia, foi de R$ 80 para valores até R$ 400. “Cresceu muito esse gasto porque a Sofya precisa tomar vários banhos por dia para aliviar as coceiras pelo corpo.”
Hoje, depois de muita luta e denúncia por meio dos estudos e da mídia, a moradora de Barra Longa conseguiu provar que a filha foi uma das crianças mais afetadas do distrito.
Agora, a Samarco paga uma consulta e um medicamento quando há maior necessidade, mas Simone ressalta que isso não ocorre todo mês e que não é suficiente. “Passamos a ter outros gastos muito maiores, como com a alimentação, pois ela toma remédios muito fortes e precisa comer melhor”, diz.
De acordo com a mãe, o cotidiano da pequena ainda é marcado por muita dor na perna, “de gritar durante as madrugadas”, o que seria um dos sintomas de várias vítimas do desastre em Barra Longa que tiveram contato com a lama. “O médico pediu um exame de sangue, mas a Renova simplesmente me mandou entrar na fila do SUS, o que demora seis meses.”
“Nós estamos cansados disso. Quem cometeu o crime foi a Samarco, mas quem está pagando por ele somos nós atingidos. Principalmente a minha filha, uma criança que está pagando por um crime que não cometeu. Ela tem o direito de viver, de ser criança, de ter liberdade de brincar e não ficar presa por causa desse rejeito”, finaliza.
Outro lado
Procurada, a Fundação Renova disse que Sofya faz parte do cadastro emergencial e está sendo assistida de acordo com a diretriz do Programa de Apoio a Saúde.
Segundo Albanita Lima, Líder de Saúde e Bem Estar da empresa, a criança está sendo acompanhada mensalmente por um alergista e todos os custos do tratamento, inclusive medicamentos, são arcados pela Renova.
Veja abaixo a nota na íntegra:
“A Sofya Silva Marques faz parte do cadastro emergencial e está sendo assistida de acordo com a diretriz do Programa de Apoio a Saúde, desenvolvido em consonância com o Termo de Transação de Ajustamento de Conduta (TTAC). Ela é considerada impactada e automaticamente elegível ao cadastro integrado da Renova.
A mãe Simone Silva se recusa a assinar o formulário para transferência ao cadastro da fundação. Independente disso, toda a assistência será mantida via cadastro emergencial. A criança está sendo acompanhada mensalmente por um alergista. Todos os custos do tratamento, inclusive medicamentos, são arcados pela Renova. A última consulta foi realizada no dia 31/10.
Para o atendimento às 18 Unidades Básicas de Saúde (UBSs) da região de Mariana e Barra Longa foram contratados, ao todo, 83 profissionais, entre médicos, enfermeiros, assistentes sociais e psicólogos. Também está sendo estruturado um estudo epidemiológico e toxicológico na região, que analisará indicadores de saúde no horizonte de 10 anos antes e, no mínimo, 10 anos depois do rompimento da barragem de Fundão.
O estudo poderá fornecer elementos, com base em um corte temporal mais amplo, mostrando se existiram ou não mudanças nos padrões de saúde da população.”
- Confira abaixo a íntegra do estudo que analisou os impactos do desastre em Mariana na saúde da população: